terça-feira, 8 de março de 2011

Mucosas

Estavas em coma aquela noite.Bati na vidraça do teu quarto esperando que me acolhesses com a lareira acesa, mas te vi na cama, com a cabeça meio para trás, lembrando vagamente a máscara mortuária de uma figura guaran; não parecias respirar, na certa tinhas bebido até cair, até chegar ao submundo mental, ao turismo pelos cemitérios de neurônios. Voltavas depois pra mim tão sem pistas, que perguntavas teu nome, tua procedência e tudo. Estavas em coma. Tanto, que quebrei o vidro com o punho e entrei. Sangrava minha mão. Vi que não havio o que fazer. Já tinhas certa lividez laqueada e só me restava te velar. Foi o que fiz? Não, não foi: deitei sobre o teu corpo e abandonei a língua na tua boca até clarear não só o dia, mas também a idéia de te incinerar.

João Gilberto Noll

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