domingo, 27 de março de 2011

MENINO MORTO NO MEIO DA RUA

Menino morto no meio da rua

poça escarlate de olhares dis-

torcidos, cores derretidas,

prédios revirados, vozes

veladas, mundo desabando...



Menino morto no meio da rua

as tuas Mãos rasgadas

não te forneceram escudo

hábil contra os tiros covardes

que rebentaram em teu peito...



Menino morto no meio da rua

buscarei para ti o socorro tardio

de algumas folhas de jornal:

não podes mais estar exposto

aos pombos que dardejam dos fios...

Menino morto no meio da rua

bandeira rasgada de osso branco

folhas verdes e plasma cor de anil


na gota que risca o ar como estrela

Menino morto no meio da rua

a tua imagem e o teu drama

imprimiram-se nas páginas

que há pouco serviam-te

de Manto contra o frio da noite,

e agora pendem das bancas,

e o dia as consome, sonolento,

entre gole e outro de café com

sangue: milagre bem carioca,

Menino Morto No Meio da Rua.



Soube agora que te chamavas

José e foras morto por engano

no lugar de um outro engraxate

menos adestrado que tu

na arte de devolver a face...



Milagres e histórias do meu Rio,

minha cidade de azuis, amarelos

e rubros tons doridos; mais um mártir,

um Cristo, entre miríades de outros...

Menino Morto, José — ensina-nos a orar!





Igor Buys

Do livro “Manelo de Áscuas”; 1999.

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