Menino morto no meio da rua
poça escarlate de olhares dis-
torcidos, cores derretidas,
prédios revirados, vozes
veladas, mundo desabando...
Menino morto no meio da rua
as tuas Mãos rasgadas
não te forneceram escudo
hábil contra os tiros covardes
que rebentaram em teu peito...
Menino morto no meio da rua
buscarei para ti o socorro tardio
de algumas folhas de jornal:
não podes mais estar exposto
aos pombos que dardejam dos fios...
Menino morto no meio da rua
bandeira rasgada de osso branco
folhas verdes e plasma cor de anil
na gota que risca o ar como estrela
Menino morto no meio da rua
a tua imagem e o teu drama
imprimiram-se nas páginas
que há pouco serviam-te
de Manto contra o frio da noite,
e agora pendem das bancas,
e o dia as consome, sonolento,
entre gole e outro de café com
sangue: milagre bem carioca,
Menino Morto No Meio da Rua.
Soube agora que te chamavas
José e foras morto por engano
no lugar de um outro engraxate
menos adestrado que tu
na arte de devolver a face...
Milagres e histórias do meu Rio,
minha cidade de azuis, amarelos
e rubros tons doridos; mais um mártir,
um Cristo, entre miríades de outros...
Menino Morto, José — ensina-nos a orar!
Igor Buys
Do livro “Manelo de Áscuas”; 1999.
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