terça-feira, 30 de outubro de 2012

Eu e mais ninguém



Madrugada. Ninguém na rua. Só eu,
Pensando em versos, caminho em paz.
O céu está limpo. Como um camafeu
Preso, a Máquina Pneumática jaz.

Ter constelações e não ser capaz
De amar, de lembrar o que se perdeu
E infinitamente querer mais
Do que a emoção que essa noite me deu.

Ser poeta, equívoco da criação,
Caminhar à noite como um zumbi,
Sozinho ser mais que uma multidão.

Ah! uma dor assim eu nunca vi...
Dói e essa lágrima que vem de fora
É toda a beleza que garoa agora!

Antonio Thadeu Wojciechowski



segunda-feira, 29 de outubro de 2012


As vezes sou sombria
Dores tornam-se asas
Ecos tornam-se caças
Acolhe-me a treva fria

Converto-me em sombra
Suspensa nas alturas
Acometem-me loucuras
E nada me assombra

Ergo-me dos escombros
Recupero-me dos tombos
E experimento a paz

De não mais sonhar
De não mais sangrar
Viver apenas, sem mais

Iriene Borges


Sede




Eu tenho sede de viver grandes emoções
A alma pede a poesia que verte da tristeza
Tento  disfarçar a excitação em sutilezas
Mas desejo, sôfrega, o vigor das paixões

 E mergulho em olhares amargos, soturnos
Intrusa, buscando suas dolorosas historias
E rasgo caminhos nas próprias memórias
Para melhor sorver a dor de seus infernos

Assim sinto um pouco de vida nas veias
E sou parte de algo por um momento
E mais eu mergulho e nunca a contento

Até me misturar às  feridas alheias
E a tragédia humana a latejar , enfim
Silencia o tédio a sussurrar em mim   

Iriene Borges   






Partidos, pessoas e poemas





Publicado em 23/10/2012

Meu plano era escrever uma crônica sobre o que todo mundo já sabe: não há mais partidos no Brasil. A mixórdia partidária parece o retrato de um país que se recusa a pensar, a racionalizar e a escolher. O jogo é bruto. Até algum tempo atrás cheguei a sonhar com alguma nitidez partidária, não de fanáticos, mas de ideias ou conceitos. O choque da velha cabeça agrária brasileira com o seu violento e tentacular corpo urbano, ou a centenária cultura do Estado provedor e paternalista chocando-se com o espírito da iniciativa capitalista e indiferente, ou mesmo, no espaço da vida comunitária, os conceitos de transporte público e privilégio privado e suas consequências, boas ou terríveis, na vida cotidiana, são temas políticos fundamentais que merecem formulação clara, escolhas nítidas, cultura da diferença, alternância de pontos de vista – tudo aquilo a que a vida política brasileira parece ter horror. Sou desligado e cada vez mais distraído, quase nunca vejo tevê, mas algumas coisas saltam aos olhos, como diz o chavão.
Minha sábia diarista diz que não vota em partidos, mas em pessoas; exatamente a mesma frase que li, anos atrás, numa página de Millôr Fernandes. À época, achei que ele estava errado; cartesiano, pensava que estruturas partidárias sólidas e conceitualmente bem formuladas eram o melhor caminho da civilização. Por mais que isso às vezes pareça desesperador, não há salvação fora da política. Continuo pensando assim, teimoso, mas acho que, enquanto não se faz uma reforma partidária decente, votar estritamente em pessoas é o que nos resta abaixo da linha do Equador. Pelo menos como tática de sobrevivência e especialmente no âmbito concreto da cidade, que nos interessa de perto, e não na abstração do país.
No mais, recorro à poesia, que é uma boa solução para os enigmas de todo dia. Abro Carlos Drummond de Andrade, meu oráculo, e lá está: “Este é tempo de partido, / tempo de homens partidos.” O poema é justamente chamado Nosso tempo – e ele parece mesmo falar de nós, embora escrito há mais de meio século. Os versos falam de um tempo de guerra (“Tempo de cinco sentidos / num só. O espião janta conosco”), mas até na nossa paz momentânea o sentimento de fratura permanece. Vejam-se alguns versos: “Visito os fatos, não te encontro.” E mais adiante: “Esse é tempo de divisas, / tempo de gente cortada. / De mãos viajando sem braços, / obscenos gestos avulsos.”

A visão trágica do poeta (“Símbolos obscuros se multiplicam. / Guerra, verdade, flores?”) deixa sempre uma margem solitária de esperança – “Ainda é tempo de viver e contar. / Certas histórias não se perderam.” Súbito, parece que o poeta via televisão naquele tempo de “cortinas pardas”: “No céu da propaganda / aves anunciam / a glória”.

Eleição à vista, sigo a intuição de Drummond:

“Calo-me, espero, decifro. As coisas talvez melhorem.”

 Cristovão Tezza
Fonte :Gazetas do Povo

Sentir




Esse meu defeito de sentir intensamente
Fez de alguns beijos uma tortura
De frouxos abraços prisão permanente
E de instantes, recordação que perdura

Esse meu defeito deu profundidade
A gestos imprevistos ou premeditados
A atitudes de explicita vaidade
Deu verdade a discursos infundados

Mas é meu jeito de viver intensamente
E posso afirmar sentindo desse modo
Que ninguém vive de fato o que não sente

Iriene Borges