Publicado
em 23/10/2012
Meu plano
era escrever uma crônica sobre o que todo mundo já sabe: não há mais partidos
no Brasil. A mixórdia partidária parece o retrato de um país que se recusa a
pensar, a racionalizar e a escolher. O jogo é bruto. Até algum tempo atrás
cheguei a sonhar com alguma nitidez partidária, não de fanáticos, mas de ideias
ou conceitos. O choque da velha cabeça agrária brasileira com o seu violento e
tentacular corpo urbano, ou a centenária cultura do Estado provedor e
paternalista chocando-se com o espírito da iniciativa capitalista e
indiferente, ou mesmo, no espaço da vida comunitária, os conceitos de
transporte público e privilégio privado e suas consequências, boas ou
terríveis, na vida cotidiana, são temas políticos fundamentais que merecem
formulação clara, escolhas nítidas, cultura da diferença, alternância de pontos
de vista – tudo aquilo a que a vida política brasileira parece ter horror. Sou
desligado e cada vez mais distraído, quase nunca vejo tevê, mas algumas coisas
saltam aos olhos, como diz o chavão.
Minha
sábia diarista diz que não vota em partidos, mas em pessoas; exatamente a mesma
frase que li, anos atrás, numa página de Millôr Fernandes. À época, achei que
ele estava errado; cartesiano, pensava que estruturas partidárias sólidas e
conceitualmente bem formuladas eram o melhor caminho da civilização. Por mais
que isso às vezes pareça desesperador, não há salvação fora da política.
Continuo pensando assim, teimoso, mas acho que, enquanto não se faz uma reforma
partidária decente, votar estritamente em pessoas é o que nos resta abaixo da
linha do Equador. Pelo menos como tática de sobrevivência e especialmente no
âmbito concreto da cidade, que nos interessa de perto, e não na abstração do
país.
No mais,
recorro à poesia, que é uma boa solução para os enigmas de todo dia. Abro
Carlos Drummond de Andrade, meu oráculo, e lá está: “Este é tempo de partido, /
tempo de homens partidos.” O poema é justamente chamado Nosso tempo – e ele
parece mesmo falar de nós, embora escrito há mais de meio século. Os versos
falam de um tempo de guerra (“Tempo de cinco sentidos / num só. O espião janta
conosco”), mas até na nossa paz momentânea o sentimento de fratura permanece.
Vejam-se alguns versos: “Visito os fatos, não te encontro.” E mais adiante: “Esse
é tempo de divisas, / tempo de gente cortada. / De mãos viajando sem braços, /
obscenos gestos avulsos.”
A visão
trágica do poeta (“Símbolos obscuros se multiplicam. / Guerra, verdade,
flores?”) deixa sempre uma margem solitária de esperança – “Ainda é tempo de
viver e contar. / Certas histórias não se perderam.” Súbito, parece que o poeta
via televisão naquele tempo de “cortinas pardas”: “No céu da propaganda / aves
anunciam / a glória”.
Eleição à
vista, sigo a intuição de Drummond:
“Calo-me,
espero, decifro. As coisas talvez melhorem.”
Cristovão
Tezza
Fonte :Gazetas do Povo