sexta-feira, 26 de outubro de 2012

MADEMOISELLE CHUVA




Ela chega devagar procurando não me assustar
(Como se eu me assustasse tão fácil)
Mas chega impondo coisas
Apontando dedos
Mimetizando negociações inegociáveis
Como parar de beber uma cerveja antes do jantar
E não cozinhar uma boa carne grelhada com cebolas
E batatas assadas com orégano e azeite português
Escorrendo por suas pernas
De corredora de final de tarde.

“Pobre diabo, ainda jovem e tão largado pras cobras.”
Ouço minha vizinha dizer.
Talvez ela quisesse participar de uma rodada de cerveja
Comigo, no meu quartinho
E beliscar com palitinhos essas deliciosas batatas
Com carne
Ela mesma tem muita carne
Crua
Firme
Feita para um lobisomem ou para um vampiro,
E em último caso até mesmo para um zumbi.

Eu a chamo de Mademoiselle Chuva
Por ela alagar minhas esperanças tolas em dias de calor e solidão
Gosto da solidão
Mas também gostaria de me sentir acalantado
Na manta glamorosa de Mademoiselle Chuva
Quando a chuva de verdade viesse e congelasse o mundo
E desnudasse suas pernas curtas
E pés com meias grossas
E unhas pintadas de “vermelho puta”.

Mademoiselle Chuva
Ainda não leu minhas histórias
Mas vive dizendo que devo arrumar um emprego de verdade
Que isso não tem futuro
Que vou morrer de fome
E que logo não terei grana nem mesmo para as cervejas mais baratas
De que meus amigos irão esquecer
O número do meu telefone e o meu e-mail
Que não terei dinheiro para roupas novas
E entradas para o futebol ou algum show de jazz e blues
No Tribus bar.

Ela tem razão
Minha morte social já começou faz tempo
Mas sempre a ouço dizer: “Tão jovem e largado pras cobras”.
Se ela quisesse encantaria minha pequena naja
Qualquer noite dessas e declamaria alguns poemas mais suaves
Faria a carne e as batatas
Até o momento dela perceber que não foi tão ruim assim
Perder alguns instantes com o “pobre diabo”.

Mademoiselle Chuva
Me vê como um rio seco que precisa de água
Ela me vê como alguém que precisa de ajuda
E quem não precisa?
Mas não topo comiseração, não faço esse tipo
Eu poderia convidar Mademoiselle Chuva para vir até meu quartinho
Seria a noite do cineasta marginal
Para encantá-la com minhas histórias rudes
Abrindo minha janela e mostrando uma Paris dos anos 30
Em preto e branco e romântica
Enquanto ela ficaria com a face rubra
Com vergonha de me pedir fio dental
Pra tirar um fiapo de carne entre os dentes.


Nelson Alexandre







Nenhum comentário: