terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Dialogando com o Octávio Santana:



O que sou

Sou paredões de pedra abraçando ecos
Vozes pronunciadas no passado
E que ainda sobrevivem em meu presente sólido e inconsciente
Sou metáforas rochosas que brincam com ecos alheios
Como um vale brinca com as vozes dos outros

Sou a Paris que é um estado de espírito,
Uma abstração palpável e inconquistável que só se rende à vida

Sou sentidos e formas em estado consonântico e vocálico
Que se entregam à prosódia do sentir,
Ao ritmo sonhador que engorda Tesouros Secretos

Sou a sombra que se agarra em tudo o que ouve e compreende,
Sou o que os surpreende sempre que posso e sempre que me deixam,
Como Puck surpreende ─ quando pode ─ a platéia grega universalmente feliz

Sou a ponte de braços sobre o Sena que os toca com a volúpia
De um condenado à Sibéria

Sou a grandeza de ser tantos seres ao mesmo tempo na mente

Sou o que quer lírios, o que quer rosas, por dentro e por fora
Sou o inatingível que também ecoava Whitman e era o Paradoxo
Sou a enxada e a roda dentada todas juntas num armazém
Sou a Argentina num labirinto
O Japão dentro de um tanka
A Inglaterra que se desterra para fazer versos na Itália
Sou a saudade no vento do oeste!

Sou um filme de faroeste aos olhos de um menino
Sou a fortuna do campo trovejante
O portador da alegria ao bar do Simpson
A voz do papagaio de Stevenson
A aventura, o mistério, a alegria que visita a hospedaria

Eu sou a continuação dos canhões
O ruído da grama que cresce na Rússia
O amor entre a guerra e Otavio Paz
A pureza e o pecado, a nobreza e a mesquinhez
A conciliação, a paixão
A mão de Jean Valjean roubando pão

Sou o som do machado de Raskolnikov
Sou a autocomiseração de Marmieladov,
As lágrimas de Sonietchka
A amizade de Razumikim

Sou a vingança de Dantés
A espada heróica de um escocês
As vicissitudes de um quadro
As virtudes de Rousseau em Kurosawa

Sou essa ânsia sinestésica que escuta as palavras com os olhos
Que sorve as palavras com o ouvido
E digere, no coração, palavras

Palavras que não são minhas
Porque já pertencentes, agora, à Humanidade

Sou esse eco de vontade infinita chamada poema
E, penetrando cada sentido e percorrendo cada estrada do espírito
Meu leitor querido e minha leitora querida
Como o mais belo parasita do mundo, em troca da vida que me presenteiam
Ensino-os ─ sempre no presente ─
A saborear, na língua, todo o significado e toda a grandeza do que sou em vocês

Para sempre, até que me esqueçam.

André de Castro




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