sexta-feira, 22 de junho de 2018


o meu cabelo varrido
eu lhe dou. se quiser mais
busco palavras na feira
falo dos algodoais
já plantados numa beira
dos seus olhos vendavais."
RR

quarta-feira, 20 de junho de 2018


Um dia eu fiquei tão triste que quis arrastar todas as estrelas do céu. Desejei que o sol não mais nascesse e a lua despencasse sobre os transeuntes. Amaldiçoei a esperança, este ídolo todo de barro, e tatuei na testa um signo obsceno. Disse de mim para comigo: não tenho irmãos nem a perspectiva de encontrar um semelhante sobre a terra. Nesse dia voltei para casa, a pé, pelo trajeto mais longo. Todas as pessoas que eu cruzava viravam o rosto, repugnadas. Mais tarde, rolando em meu leito, desejei de novo ser peixe e nadar para sempre no líquido amniótico. De manhã, ao me olhar no espelho do banheiro, constatei que estava transformado em Caliban. (Chorei como uma criança que perdeu os pais numa feira.) Apanhei então uma navalha. Apalpei meus pulsos. Mas mudei de ideia e esquartejei você.
OLW

ANDAR, ANDAR




"Suave é viver só."
(Ricardo Reis)


Ah, suave é ser sozinho
quando o perfume do vento
não nos traz melancolias
e vagamos ao crepúsculo
apenas com a vontade
de andar e ir seguindo.
Atrás saudade nenhuma
e nenhum desejo à frente:
somente o vento indeciso
a nos brincar nos cabelos
como os dedos de uma extinta
namorada embalando
o coração quase sereno,
quase alegre - e um tanto triste.
Sejamos como uma eterna
despedida, pois os laços
- de amizade, de ternura -
são algemas invisíveis
ancorando os nossos passos
na estação já percorrida.
E não volvamos o rosto
para os rostos indistintos
- e já distantes - do cais:
eles vieram chorar
nossa morte diante deles.
Sim, morremos. Nada mais
nos reclama neste porto.
Fantasmas que aqui nós somos,
não velaremos as cinzas
do cadáver que ontem fomos.
Seguiremos adiante,
não bem necessariamente
em frente, mas para onde
quiserem os nossos passos
vagabundos, indolentes,
sem saudade e sem desejo,
nem recordação de beijos
- se por acaso os tivemos -,
com os corações vazios
e livres como esse vento
preguiçoso acarinhando
as profundas águas mansas
que refletem nossas sombras.
Sim, suave é ser sozinho,
tendo os seixos como cúmplices
e as flores por confidentes,
seguindo, seguindo sempre,
quietos sobre a estrada,
solenes sob as estrelas,
e sem desejar mais nada
que não seja andar, andar,
caminhar por tudo e sempre,
mas com a condição expressa
de ser - sim! - dos nossos passos
o nosso rastro e o caminho
entre auroras e poentes.
Ah, suave é ser sozinho.

Otto Leopoldo Winck

BEAT




entre a santidade
e a insanidade
não há mais que um vão

pois é: passei o rubicão

sou agora
– totalmente perdido
e beatificado –
pura iluminação.

Otto Leopoldo Winck


DUAS CANÇÕES DO MARINHEIRO




I.

Entre as estrelas
de além-céu
e a centelha
de aquém-mar
esplende a vida
prisioneira.

Morte à vista
– grita o velho marinheiro.

Uma vida toda inteira
é muito pouco
para navegar-me.

II.

Se ainda há mares a navegar,
terras a descobrir,
males a debelar,
não sei, não sei.

Sei apenas que faz água
e é tarde para voltar.

Otto Leopoldo Winck




Tudo azul na tarde cinza
Curitiba é uma neblina
grudada na retina
na pupila na surdina
tudo azul na tarde finda
Curitiba é uma armadilha
uma anedota de província
fim de linha fim de livro
tudo azul na tarde morta
Curitiba é uma nódoa
na paisagem na memória
uma gárgula uma lágrima
menina gótica no Largo
tudo azul na tarde pensa
às vezes penso que
a vida não compensa
mas um verso uma rima
vai dando um clima
menos cinza a esta cidade
de bolor e de neblina

Otto Leopoldo Winck


POÉTICA



Um poema feito de seixos.
De válvulas
e vulvas.
Um poema feito de lutas.

Silêncio. O poeta labora.
De seu peito vaza um rio que varre tudo:
o lírio,
a bomba,
o beijo.

Um poema feito em desleixos.
Feito de sol.
Feito de lua:
reflexos fascinam os peixes.
Um poema feito de guelras
e gueixas.

Silêncio. O poeta sonha (ócio & cio).
Uma flor de narcótico perfume se abre em êxtase.
Estrelas choram. Estranha liturgia...

Um poema feito de eixos.
A serpente. Pandora. Idade do Ouro.
Seixos.
Seixos.
Seixos.
Há anjos transfigurados
olhando seus sexos no espelho.

Otto Leopoldo Winck


terça-feira, 12 de junho de 2018

COMO NÃO SER FELIZ NO RIO ou RIO, SONHO DE CIDADE




Como não ser feliz no Rio
Aqui a felicidade nos invade
Faça calor ou faça frio
O Rio é um sonho de cidade

Quem leva a vida muito a sério
Aproveite essa enorme oportunidade
Como não ser feliz no Rio
Aqui a felicidade nos invade

Desde que segui esse critério
Minha vida dobrou de qualidade
Tudo simples e sem mistério
Passei a viver com mais vontade
Como não ser feliz no Rio. . .

- por JL Semeador, na Lapa, em 28/11/2011, cada vez mais feliz por morar no Rio de Janeiro –

XANGÔ SOBERANO




Bate atabaque
Roda Yaô
Quem não é rodante
Quem não se garante
Se ponha de lado
Que aí vem Xangô.

Sua força de elefante
Logo se faz notar
No toque do agogô
Na música que vibra no ar
No jeito garboso, faceiro
Cambono, não fique parado
Colha o quiabo no terreiro
Vá preparar o Amalá.

A roupa é branca e vermelha
O fogo que tudo queima
Brilha no seu olhar
Inebriante centelha
O poder de governar
Vem da força de seus Oxés
Se com ele nada tema
A Justiça está aos seus pés.

Ele é o meu Orixá
Me abençoa a cada manhã
Grande e forte Songó
Filho benquisto de Oranian
Poderoso Rei de Oyó
Esposo primeiro de Iansã
De amor, chorou por Oxum
Foi amado, mas não amou Obá.

Kawô Kabiesilé!
Soberano sempre lembrado
Do alto de um trono de pedra
Logo abaixo de Oxalá
Ilumina o meu caminho
Com Ele do meu lado
O desespero não medra
Nem na morte estarei sozinho.

- por José Luiz Santos, o JL Semeador, na Lapa, em 21/10/2009 –


segunda-feira, 11 de junho de 2018


Dê-me um gole do clichê
Dê-me um trago do chavão

Leve-me pela mão
Leve, louvaremos o pão

E amassaremos a massa

E salgaremos o chão

E faremos poemas
Em letras pequenas que

No céu não se avistarão

Dê-me um tema
Dê-me um assunto
Aos defuntos do porão

Enterrei-os em páginas de amor
Da mais profunda solidão.
ACM

Poema



Poema

No tema, no quesito
Gabarito, cadência,
Métrica

A rima acima quer rimar
O mar

Mas pássaro já não canta
No mais alto dos céus

Talvez uma gaiola para
Poder voltar

Talvez um grilhão de solidão
Ou

Severamente analisa
Catapulta Curitiba

Nuances de inverno

Pinturas do verão.
ACM




IMPRECISÃO


IMPRECISÃO         


O que mais espanta

é o homem sempre

querer-se exato.


Pois sua medida

perde-se nas frinchas

de seu próprio ato.


E, se o ato trinca,

permite o assalto

da imprecisão.


E esta, insolente,

espalha-se por tudo

(grama pelo chão).


Feito epidemia,

todos contamina,

alhures e aqui.


E o homem, pego,

perde a medida,

perde-se de si.


E, uma vez perdido,

o homem se lança

ao léu das palavras.


Mas estas, latentes,

menos se revelam

quanto mais se cava.


Mas revelam o homem,

que, à sombra delas,

tenta se esconder.


Ele, então, desnudo,

mostra-se inteiro

em um outro ser.


Só assim, desfeito,

o homem se refaz

da potência ao ato.


E, ao refazer-se,

torna-se completo,

ainda que inexato.



Edelson Nagues

Do livro Águas de Clausura (Scortecci Editora).
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Desvelamento



(Ao som de We Die Alone, de Lamb of God)


Tontura nos olhos. Pressão na fronte. Lentamente, os passos são vencidos. Segue em frente, não possui destino; não possui mais. Sofre como flecha lançada sem vontade.

Com chinelos poeirentos, arrasta pedras e galhos pela noite de sombras. O silêncio é quebrado pela fraqueza do andar. Entre a trilha e a mata, o suor da caminhada ofegante.

Sobre a pele, fiapos de pano. A brisa gelada entrando devagar. O arrepio da pele pela lembrança do sereno.

A roupa corroída não cobre a vergonha. A pele à mostra expele dor. Tingido de sangue, o vestido desfeito seca lentamente.

As flores da estampa gritam e choram. Escorrem pétalas através do tecido desmanchado. O vento dança no traje domingueiro.

Sofre a que não será mulher. Sofre a menina humilhada, segurando uma boneca sem sexo. Apenas uma menina que caminha entre a trilha e a mata. Ofegante.

Ouvindo os ruídos das sombras na estrada, tenta esquecer o pavor das presas na carne. Tenra carne de menina que atrai feras. Uma após outra, sobre ervas e papoulas, rasgando a carne da menina. A carne.
Jogada no chão. Lambida na face. Mordida na pele. Sangrada na inocência do sexo.

Cães, cobertos por feridas, saciados. Bestas, em pus, cobriram a fêmea que colhia flores. A fuga somente nos dedos entrando na terra escura.

A menina caminha sabendo a pureza perdida e a inocência pingando sobre os pés.



Homero Gomes
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Sou




Sou de lua, sou da rua
Sou de lá, de onde o horizonte
Para de escoar

Sou de véspera, sou manhã
Sou clichê,

Sou maior, menor, parte e todo

Sou

Sou isso, sou aquilo
Sou acolá

Sou fulano, sou calando
Sou tantos planos

Que sendo

Já não sou.
ACM

Um amigo em terras desconhecidas



Ao menino Santos, da Ilha de Luanda

Santos em algures da Ilha de Luanda durante a caminhada na calçada ainda em construção, encontrou-me a falar de peito trancado sobre quão custava-me conhecer os nomes daquela cidade, sei que o lugar chama-se ilha, uma autêntica face do futuro que Luanda procura para si, investindo rigorosamente na (re)construção.
Santos vem de longe, mas tão perto para si que muito gosta da vista marítima que acompanha os sons da maquinaria da Monta-Engil Angola.
Lá vem o menino de 10. De lá vem para cá vai. Santos caminha para junto de um desconhecido que sou para si. Pára e conversa. Giro a sua volta e inicio uma nova marcha a favor da direcção que ele toma.
Lado a lado, Santos conversa. Vai andando enquanto contempla a sua cidade que está ansiosa para o futuro.
Inquilino da sua amizade, também converso feliz por ter achado, finalmente, um amigo nesta terra que me é difícil relacionar com as coisas, com as gentes, com os códigos e com as ruelas. Uns verdadeiros mussekes ditos e bem descritos por Luandino Vieira nos derradeiros momentos da (re)novação de que Luanda é vitima. A ilha é mesmo um lugar inexistente. O potencial que este invisível cercado de mar tem é de embalar emoções
Santos tem noção disso e por isso vai cantando e contando.
_ Antes a estrada era aqui, agora é ali. Isto está mesmo a mudar – reconhece, Santos, o meu amigo.
Ele conta-me que está a caminho de casa, mas antes passará de casa de alguns amigos. Diz-me que foi “enxotado” da sala de aulas porque não trazia o caderno da prova. Mas não é assim que contou.
_ De onde vens?
_ …da escola.
_ Ah, que bom! Eu também estudo. A que horas entraste?
_ Entro às seis horas.
_ … E sais a esta hora?
_ Não.
_ Não! Então porque é que te encontras aqui? Fugiste?
_ Não fugi, tinha prova.
_ Então como foi?
_ Não fiz porque não trazia o caderno da prova. Esqueci em casa.
_ Como assim? Tu tens a prova e deixas o caderno em casa? Eu nunca deixo o caderno.
O rapaz calou-se e consentiu, para de repente voltar à conversa.
_ Em que escola você estuda?
_Bem, eu estudo na Escola de Jornalismo em Moçambique. Sou moçambicano. Consideram-me jornalista.
Santos levanta a cabecinha e olha-me já com desdém. “Não é possível que este gajo seja jornalista, está a gozar comigo” imagino que ele pensa enquanto continua com o riso irónico para a minha cara.
Olho para aquele menino com emoção. “Ele é meu amiguinho” – digo para mim mesmo.
_ Sabes que tenho um sobrinho assim como tu? Ele anda na 5ª classe.
_ Tenho um amigo na 4ª e eu vou passar para li encontrar.
_O meu sobrinho chama-se Helder e tu?
_ Meu nome é Santos. Os meus amigos chamam-me de Kutchu, mas a minha mãe chama-me de Santos.
_ Santos, grande nome! Eu também sou Santos.
_Mentira…
_ Pois, menti mesmo. O meu nome é Edu, Eduardo… Edu.
_ És Eduardo.
_ Isso mesmo.
E vai se fazendo esta amizade enquanto contra-peamos a calçada olhando para o mar, os peixes, homens e as respectivas mulheres quase nuas.
_ Eu vou daqui – aponta a estrada.
_ E vais atravessar a estrada, sozinho!
_Não. Estou contigo.
Segurei na sua mão e atravessamos para a direcção que ele bem conhece. Apercebido que fui “vitima”das tentações deste grande amigo, já não me saem perguntas. Apenas cumpro ordens inspirado no letreiro da Base Marinha de Luanda cuja ilustração é do presidente José Eduardo dos Santos “Comandante em Chefe, às suas ordens. Ordene, ordene, ordene”diz o cartaz.
Calo-me e contemplo. Angola é um país de ordens também! Santos bem sabe as dar. Ordena-me e eu cumpro. “Às suas ordens, Santos”. Caminhamos agora intercalando as casas sobrepostas, cheirando a peixe e outros mariscos com águas turvas à mistura. “Isto é Mafalala!” reconheço as igualdades. Aqui há cães vadios. Cães que atentam a moral, fazendo sexo na rua no olhar dos homens. Cães que matchimbam na rua atentando a saúde pública. Isto é mesmo Mafalala e Chamanculo, Unidade “7”, Urbanização, Maxaquene e etc. É daqui que saem os poetas, dançarinos, timbileiros, actores e outros grandes artistas.
Mulheres cobertas de capulanas sentadas de pernas para o ar conversam num silêncio inquietante. As raparigas, mulheres adultas e crianças, decoradas a moda Tchuna-Baby, vão mostrando as suas pernas decoradas de varizes que nem se quer respeitam a idade. Aqui, os homens andam sem camisas e as raparigas apenas de panos que só los cobre os seios. É tudo gente de Santos.
Enquanto caminhamos ele saúda essa gente. Os homens de calções e descamisados, uns com peixes nas mãos, mulheres de minissaias e jeans rasgado. Mulheres adultas na moda. São todos conhecidos de Santos.
Casa pintada a cor-de-rosa e com antena de TV digital é da sua avó. E me mostra esses lugares, o meu amigo, preocupado em apresentar-me, principalmente à sua tia-mãe, como ele intitula e à sua mãe.
Chegados no seu beco, Santos saúda a sua tia que o indaga sobre o porquê de estar ali naquela hora “já para casa”, vociferou. Logo na porta da varanda, o único quintal que a casa tem, saúda uma mulher que não consigo ver o rosto. É sua mãe.
Calado, senti que era aquele, o fim da nossa amizade, pois aos que me perguntavam apenas dizia que o ajudava a atravessar a estrada.
Ele apresentou-me as pressas à sua mãe que zangada pela sua chegada antes da hora habitual, nem se que presta-me alguma atenção.
_ Ele é meu amigo mãe.
Da sala saia uma menina. Tão linda! Devia ser irmã de Santos. Olha para mim e pisca os olhos em jeito de saudação. Que criança linda e espertinha! Mas não me alongo, dispenso-me da família e do meu grande amigo, o Santos.
Dia inesquecível este 17 de Abril de 2012. Dia ímpar naquela ilha anexa à cidade de Luanda onde nem amigos tinha, além de poetas. Agora, um já figura a minha lista. Seu nome é Santos.

Luanda, 17 de Abril de 2012


a procura de





Por Ju Blasina

Creio ter perdido
a mão
para fazer certas coisas
que sei
(ou sabia)
tão bem.
melhor que a maioria
(não que isso valha
grande coisa, mas
era bom saber).

creio ter perdido
o que antes tinha
de mais valioso
(talvez por ter agora outros
valores de carne e osso)
e lamento tanto
por já não ter
aquilo que me fazia
saber quem ser.
(ah, e eu o era tão bem!)

creio ter perdido
o traquejo da coisa toda
embora ainda sinta
a poesia aqui
viva do lado de dentro
mas por fora, não
vivo mais o que me fazia
ser aquela dos poemas
deles. sinto saudades
de ser.
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Camões deixou de dizer






Ódio é fogo que arde sem doer
É ferida aberta que se sente
É um arrependimento descontente
É dor que mata aos poucos sem morrer

É uma recusa ao bem querer
É solitário andar dentro da gente
É nunca saciar-se de estar doente
É cuidar que se perde, pois se quer perder

É querer fingir-se estar a vontade
É servir a medalha ao perdedor
É ter motivos para matar a lealdade

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos tal maldade
Se tão contrário a si é o mesmo rancor?


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Jussara Salazar

vagando
as ondas
o tule
do mar
do extremo amor
devolveu a
cabeça do querubim
perdido

os dias
os dias
os mesmos dias
viram teu torso
um desenho
costurado
à linha do horizonte

te aguardarei
menino
quando retornares
com o tempo
teu corpo
e tuas cicatrizes
*
*
*
|_Retrato amoroso ou o retorno do querubim sobre as ondas // com tema de Beth Moysés | Reconstruindo Sonhos | Performance realizada em Cáceres, Espanha. 2007_|


A infinita afinidade do ser


O ser e o nada
E metade inacabada
Poesia

Pois olhos de quem olha
Sem ver

Analisa água-fria, furta-cor
Ou sabor do que jazia
Sobre mim
Sobre a dor

E longe se distrai, impessoal

Pois o si mesmo mais dual
Que se quis distante

De um rampante sol

Volveu ao mar, navegar
O seu formol

Séculos se contarão

Nos anéis secos do tempo
A arderem meus dentes

Em louvor real
ACM


Envio de poemas, crônicas, contos e ensaios.

kolodycz@gmail.com

terça-feira, 5 de junho de 2018

Vagas



Decantação do espírito

Esquizotermia do real
Nas luas da percepção
Relevam meu mal, a
Sutil
Desintoxicação.

Revelam meu pão, mais
Que sinapses defeituosas
Da rotina, ou

Extinção da espécie e
Da retina, dos que se vão

A rima lá em cima na
Rua de baixo
Teu mar de concreto

Nem sequer me surfa
A delicadeza da flor

Sobre a sepultura da verdade
Amorosa
Que me tomou a mão

E fez-me feliz
Em suave decantação.
ACM

VAGAS




Na vela desfraldada
Debruçado na amurada
Na amurada debruçado
Na fria madrugada
Num cântico interrompido
Sufocado
Num reflexo devolvido
Rejeitado
Via-me reflectido
Transfigurado
Em espuma dissolvido
Olhar fito aniquilado!

Imagem lapidada
Em circulos fechada
Pela onda devastada
E a onda voraz seguia
Na muralha se esbatia
E a imagem ressurgia
No verde mar salgado!

Outra onda se formava
Outra onda se acercava
Outra onda me afogava
E eu ali continuava
Só! Imóvel! Mortificado!

Quisera deter essa onda
Que de mim nunca se esconda
Quisera reter essa imagem
Que no mar fora miragem
Sorriso de Gioconda
Sorriso inanimado
Mas o mar seguira viagem
Estiolara-se na viragem
Cabo há muito dobrado!

E o mar não mais voltou
E o mar ali me deixou
Só! Supremo! Naufragado!

Rogério do Carmo
Paris, 18/5/1990

Róseos chavões




Se todo o mal no
Espelho
Fosse real

Eu ou não eu
Não seria, sendo

Espelhos refletem
Peçonhas brancas
Em pó de estrelas

Que se vertem

E vão, incógnitas
Cartilagens, projéteis

Como insana crítica
Da ovelha aos lobos
Solitários redimidos

Pela fome de sangue.
ACM

Sombra Morta


Anseio a noite sinuosamente
E tudo se esvazia à minha volta
Abismo a sombra morta e ela me converte pavor.
Cerram-se-me os olhos
com o cintilar das estrelas
E agora; mais sensível ao segredo
projecto mistérios.

(Poema de Jacinta Lopes )