quinta-feira, 23 de julho de 2009

o Verão

O verão beija os namorados, entre a cidade, a floresta, o campo e o mar. O fantasma da gasolina envolve os pulmões, uma segunda pleura. Hoje cavo um bunker no domingo de tua virilha. Deixo minhas mãos pastarem como bois famintos. Temos a idade do pôr-do-sol. A quilha dos olhos já estalou. És a sereia, a única, as várias, rodeando meu naufrágio no abismo da seda.

Tu começas pelos lábios, carne sobre carne (junto à lânguida liquenografia da língua). Os motores lacônicos que elaboram pétalas e cãimbras, que pronunciam pássaros. Oficina de silêncios. Os lábios são o fruto que se colhe com os lábios, a carta (a carne) náutica para as arrebentações das pernas, as vazantes dos olhos, os cais dos seios.

A luz desta lua de cloro atravessa a escuridão de minhas mãos. Gaivotas da eletricidade grasnam, como guitarras distorcidas, sobre a mancha de porra. O corpo jazz na relva. Árvore de ossos, vento. Esta macieira é o único livro que li na vida. É impossível, eu sei, e é isso que me faz seguir adiante: escrevo teu nome com as quatro letras do amor.

Tuas coxas cheiram a terra molhada. No pescoço és uma égua, haste doente. São despenhadeiros teus mamilos. Folheio o alcorão de teus cabelos. E ao folhear-te, folheio-me. Existo também como quem autentica a própria morte no cartório das veias. A vida é enorme, minha amiga. A vida nos acontece à queima-roupa.

Subirei todas as escadas de tua nudez. Sonhar, floração de tesouras. Os óculos no chão. Meu coração é um cavalo escoiceando a caixa torácica. Uma ave que bate contra o vidro. Deus existe por alguns segundos: é a palavra de silêncio, o grafite de néctar no muro das costas. A cama é um bosque onde o perfume lança âncoras de hera. A usina do suor, a adega da saliva. Separar as pernas é como abrir a caixinha de música de tuas súplicas.

Boceta de pandora. Uma fogueira no centro do corpo, do quarto, da galáxia. Eu sei, sou um cego e um analfabeto. Meu esqueleto é um relâmpago. Tateio o braile do* desassombro.

Quase de manhã, o barco fundeia com as luzes apagadas. Nós morreremos, minha amiga, soterrados pelo cheiro feroz do jasmim.

Rodrigo Madeira

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