segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Noite sólida


  
É uma noite sólida
De nuvens compactas
Prestes a despencarem
Em enormes blocos
A esmagar
Os gatos pardos
Que rosnam roufenhos
Sobre os muros caiados
De nossas casas
Limpas por fora
Imundas de neuroses
E prostrações por dentro
É uma noite sólida
De nuvens compactas
Que não geram chuva
Muito menos granizo
Mas podem sim
Cair em blocos
Para esmagar nossas ruas
Vazias de almas
Preenchidas de asfalto
Rígido e negro
É uma noite de asfalto
Negro e sólido
De sólido insulamento
Noite de espreita
Em que olhamos
Por nossas janelas
E ouvimos apenas
O silêncio rígido
Por falta de vida
Automóveis em garagens
Úmidas
Nos encaram com sua dura
Tristeza de máquina
Engrenagens de plástico e metal
Produzidas em fôrmas e prensas
E nós
Máquinas de cartilagem
Ossos
Fluidos
E carne
Reduzidas a formas
Indúcteis de vida
E crenças cruentas
E aqui
Nesta noite
Quente
Sólida de nuvens prenhes
E de peso
Tudo que resta
É esperar
Que elas desabem
Em grandes
Gigantescos
Blocos
A esmagar o grunhido
Melancólico dos gatos famélicos
Mas tão familiares
A esmagar toda nossa mudez
Toda ruína dentro de nossas casas
Ou que ao menos
Nos chegue logo o dia
Com um sol escaldante
A liquefazer
Nossa sólida
Sensibilidade
De chumbo

(p. sandrini)

Um comentário:

Tania regina Contreiras disse...

Assusta a solidez da noite, essencialmente tão líquida. O poema arrasta-me.
Beijos,