.deixei no ambiente os sons de "A grande orquestra da
natureza / Descobrindo as origens da música no mundo selvagem" (Bernie
Krausedo), que estão disponíveis no canal soundcloud da Zahar Editora.
.gorilas, onças, orcas, castor chorando e tudo mais. meus
gatos nem mexeram as orelhas. nada. eu pensei: a culpada sou eu, já que eles
são gatos de apartamento e nem sabem a diferença entre um graveto e um
bicho-pau, pelo cárcere urbano.
.até que o uirapuru-verdadeiro cantou e percebi uma reação
em um dos gatos. estalou os olhos amarelados e reproduziu perfeitamente a
ilustração famosa do Chat Noir.
.fiquei atenta para perceber os sons corriqueiros dos
apartamentos ao lado, para ter certeza de que o gato tinha reagido pelo
uirapuru e não pelo piano de um vizinho ou o chuveiro de outro, como
normalmente acontece.
.nada. silêncio de domingo. os vizinhos estão silenciosos.
foi o canto digital do pássaro.
.continuei ouvindo os sons da floresta. e os gatos voltaram
ao seu estado natural: esfinge entre almofadas.
.outro pulo de gato no momento do som de orcas atacando uma
jubarte.
.mas não foi pela luta marinha a reação felina. era um outro
miado no banheiro atraindo o espécime. fui conferir. o gato do banheiro fazia
um escândalo macio porque focou uma aranha no teto.
.fiquei em dúvida se ele reconheceu a aranha como ser vivo,
porque também mia da mesma forma quando as penas de meus filtros-de-sonho se
balançam pelos ventos curitibanos, sempre gelados.
.tirei o gato do banheiro e fechei a porta, para não
interromper o experimento.
.a aranha que fique lá pelo box. não vou sacrificá-la em
nome da ciência, mas espero que ela tenha o bom senso de não fincar seus oito
olhos no meu sabonete de erva-doce e que nem queira escapar pelo ralo
desinfetado, senão vai se asfixiar com a parafernália asséptica com que
revestimos os nossos dias, para escapar da floresta e dormirmos tranquilos e
bem acondicionados em nossas celas justas, limpas e civilizadas.
.ao som de larvas de insetos, concluo o experimento:
incompleto por falta de dados.
.volto a cochilar com os gatos. ando exausta. com este
cansaço, temo que nem o uirapuru-verdadeiro consiga que os martelos de meus
ouvidos vibrem qualquer julgamento sonoro sobre o próximo réu, que tentará em
vão, me despertar de um sono de séculos.
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