domingo, 27 de outubro de 2013

.contos de criptonita. ou .fazendo experiências caseiras com felinos.



.deixei no ambiente os sons de "A grande orquestra da natureza / Descobrindo as origens da música no mundo selvagem" (Bernie Krausedo), que estão disponíveis no canal soundcloud da Zahar Editora.

.gorilas, onças, orcas, castor chorando e tudo mais. meus gatos nem mexeram as orelhas. nada. eu pensei: a culpada sou eu, já que eles são gatos de apartamento e nem sabem a diferença entre um graveto e um bicho-pau, pelo cárcere urbano.

.até que o uirapuru-verdadeiro cantou e percebi uma reação em um dos gatos. estalou os olhos amarelados e reproduziu perfeitamente a ilustração famosa do Chat Noir.

.fiquei atenta para perceber os sons corriqueiros dos apartamentos ao lado, para ter certeza de que o gato tinha reagido pelo uirapuru e não pelo piano de um vizinho ou o chuveiro de outro, como normalmente acontece.

.nada. silêncio de domingo. os vizinhos estão silenciosos. foi o canto digital do pássaro.

.continuei ouvindo os sons da floresta. e os gatos voltaram ao seu estado natural: esfinge entre almofadas.

.outro pulo de gato no momento do som de orcas atacando uma jubarte.

.mas não foi pela luta marinha a reação felina. era um outro miado no banheiro atraindo o espécime. fui conferir. o gato do banheiro fazia um escândalo macio porque focou uma aranha no teto.

.fiquei em dúvida se ele reconheceu a aranha como ser vivo, porque também mia da mesma forma quando as penas de meus filtros-de-sonho se balançam pelos ventos curitibanos, sempre gelados.

.tirei o gato do banheiro e fechei a porta, para não interromper o experimento.

.a aranha que fique lá pelo box. não vou sacrificá-la em nome da ciência, mas espero que ela tenha o bom senso de não fincar seus oito olhos no meu sabonete de erva-doce e que nem queira escapar pelo ralo desinfetado, senão vai se asfixiar com a parafernália asséptica com que revestimos os nossos dias, para escapar da floresta e dormirmos tranquilos e bem acondicionados em nossas celas justas, limpas e civilizadas.

.ao som de larvas de insetos, concluo o experimento: incompleto por falta de dados.

.volto a cochilar com os gatos. ando exausta. com este cansaço, temo que nem o uirapuru-verdadeiro consiga que os martelos de meus ouvidos vibrem qualquer julgamento sonoro sobre o próximo réu, que tentará em vão, me despertar de um sono de séculos.

Andreia Carvalho Gavita 

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