Tenho desenvolvido uma escrita como gesto e ação e gostaria
de fazer uma observação pontual: a escrita performática não é performance.
Portanto, na escrita dos meus livros mais recentes – refiro-me a “Curare”, “Ahn?”
e em “Mandrágora” (inédito, mas que será publicado em breve), trabalhei com um
conceito geral que chamo desde muito de “livro-livre”, que é quando a linguagem
do poético deixa de ser poesia formalmente construída, explorando mais
densamente suas exterioridades, e expondo-se em sua própria expansão (chame
isso de “poética”), a qual se mediaria por gestos escriturais que a atravessam
de muitas maneiras. Mas o que seriam esses gestos e ações que produzem
ressonâncias desde o corpo do livro até o corpo do próprio poeta?
São linhas de fuga do próprio trabalho que podem
apresentar-se em situações muito simples, ordinárias, por exemplo, uma fala
pública em que o autor se encontre na incumbência limiar de: 1) estruturar
conceitualmente e, assim, explicar a sua poética ou 2) produzir uma escrita
performática com o entorno de sua poética. Com efeito, desdobrar as sobras de
um arquivo, um arquivivo. Neste momento em que o corpo se expõe, interessa-me
percebê-lo como extensão da poética antes de simples estratégia, apesar de não
deixar de sê-lo. A partir desse limite que considero estes gestos e ações,
pois, acrescente-se, ingenuamente ou não, em qualquer circunstância, o autor
sempre lerá a poesia, e, portanto, abrindo-a para um jogo.
Esta questão também é transpassada por um saber
que vem de fora da linguagem e que produz no corpo escritas a partir de sobras
para quem souber amalgamar a experiência à poética e assegurar-lhe a sua força
na exterioridade. Por outro lado, isso não significa que podemos transformar
essas ações e gestos em atos de performance, mas podemos relacioná-los com este
espaço. A escrita performática não é performance: uma reserva a ser feita, uma
ponderação que ressalto e que poderá ser mais bem compreendida se tomada como
um conceito comum, ou seja, as fronteiras entre as linguagens são tênues quando
estas escapam ao âmbito de suas categorias fixas. A escrita performática é uma
linguagem tênue. Isto é uma certeza. (RC)
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