sábado, 26 de outubro de 2013

Dizer é fazer



Tenho desenvolvido uma escrita como gesto e ação e gostaria de fazer uma observação pontual: a escrita performática não é performance. Portanto, na escrita dos meus livros mais recentes – refiro-me a “Curare”, “Ahn?” e em “Mandrágora” (inédito, mas que será publicado em breve), trabalhei com um conceito geral que chamo desde muito de “livro-livre”, que é quando a linguagem do poético deixa de ser poesia formalmente construída, explorando mais densamente suas exterioridades, e expondo-se em sua própria expansão (chame isso de “poética”), a qual se mediaria por gestos escriturais que a atravessam de muitas maneiras. Mas o que seriam esses gestos e ações que produzem ressonâncias desde o corpo do livro até o corpo do próprio poeta?

São linhas de fuga do próprio trabalho que podem apresentar-se em situações muito simples, ordinárias, por exemplo, uma fala pública em que o autor se encontre na incumbência limiar de: 1) estruturar conceitualmente e, assim, explicar a sua poética ou 2) produzir uma escrita performática com o entorno de sua poética. Com efeito, desdobrar as sobras de um arquivo, um arquivivo. Neste momento em que o corpo se expõe, interessa-me percebê-lo como extensão da poética antes de simples estratégia, apesar de não deixar de sê-lo. A partir desse limite que considero estes gestos e ações, pois, acrescente-se, ingenuamente ou não, em qualquer circunstância, o autor sempre lerá a poesia, e, portanto, abrindo-a para um jogo.
Esta questão também é transpassada por um saber que vem de fora da linguagem e que produz no corpo escritas a partir de sobras para quem souber amalgamar a experiência à poética e assegurar-lhe a sua força na exterioridade. Por outro lado, isso não significa que podemos transformar essas ações e gestos em atos de performance, mas podemos relacioná-los com este espaço. A escrita performática não é performance: uma reserva a ser feita, uma ponderação que ressalto e que poderá ser mais bem compreendida se tomada como um conceito comum, ou seja, as fronteiras entre as linguagens são tênues quando estas escapam ao âmbito de suas categorias fixas. A escrita performática é uma linguagem tênue. Isto é uma certeza. (RC)

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