Eu sou uma garota que não cresceu. Desisti da engenharia
genética quando percebi que seria imoral criar um frankenstein, abandonando meu
diploma de biologia no meio das ossaturas do museu, onde estagiava como
taxidermista. Mexer com ossos provocou uma cisão em minha mente. Lembro do dia,
quando colei ossos de sapo em um gato-do-mato e percebi que ser criador de
aberrações me fazia desafiar o conceito de um deus harmônico e aceito pelas criaturas
de bem. Percebem? Eu desisti de meus sonhos pensando que não seria aceito pelas
pessoas e adotei a alimentação vegetariana. Anos depois vi uma exposição
surrealista onde as montagens de esqueletos de espécies diferentes causou um
furor contemporâneo na plateia. Poderia ter persistido e hoje seria vista como
um artista excêntrico e inofensivo. Então me vejo, hoje, cercada de caixas de
fármacos, cápsulas de perigosas concentrações, onde o vício é tolerado pela
amnésia da dor. Assim, escrevo e conto muito de minhas alegrias, o que me faz
parecer arrogante, pois o discurso aberto e desenfreado fere a noção de
silêncio nivelador. Pensando bem, não deixei nunca o hábito escarlate de
misturar anatomias pela gramática e nunca obterei a aprovação integral coletiva.
Mas me dizer poeta é menos perigoso, pois o poeta é visto como um ser inocente
e sonhador. Há o descrédito, pois o simples fato de não conseguir seguir o
relógio que rege a conduta dita saudável e correta, já me empacota no bolo das
personas esquizoides e indignas de tolerância morna. Mesmo com todas as
frustrações digeridas e talvez por isto, tenho o costume eloquente de montar
arquiteturas desajeitadas pelos vocábulos. Minha respiração está sempre cheia
de palavras, da expiração à inspiração. Talvez eu não respire como um adulto e
o fato de não ter crescido me faz admitir que meus pulmões efetuam trocas
gasosas cujo produto final seja apenas o deslocamento de infinitas expiações.
Não consigo treinar o diafragma de forma correta. Creio que meu coração também
tenha paralisado em algum segundo traumático de anos passados, porque por mais
que me alimente, sinto a fome de um leão imagético desnutrido. Onde está a
iluminura que enfim me nutrirá para que me complete criatura sadia,
simplesmente arrancada da costela de algo mais palatável que uma cria de
geração espontânea?
Andréia Carvalho Gavita
(do meu livro dos mortos vermelhos)
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