sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Priscila Lopes


[não-ficção, talvez] sou dessas pessoas que vivem atrasadas; minha percepção do tempo me leva a crer, por exemplo, que nasci na época errada, e tomada dessa consciência - imagino, mas não posso me lembrar - me engasguei com água da placenta (ui!) ao vir ao mundo, e após uns tabefes, por fim estupefata de aqui ter chegado e ser só isso, me pus a chorar japonesa e rechonchuda (traços que fui deixando pelo tempo). dos motivos por que me atraso, ouso listar:
- esquecendo-me: celular, chaves, carteira, coisas - e me vendo forçada a voltar.
- tentando dormir mais cinco minutinhos, juro, não mais que isso, dez no máximo, eita!, vinte e cinco, tenho que correr...
- cantando nostálgica uma música (ruim) remota que se eu me mover, esqueço.
- reparando em como há tempos eu não reparava em alguma coisa.
- caminhando com a cabeça toda voltada pra trás pra checar minha noção de direção sem a visão dianteira - desculpa pra contemplar céu.
- salvando borboletas que pousam em lugares arriscados (uma delas já me retornou para agradecer; mas isso eu conto outro dia, se tiver coragem).
- cuidando um cão que vai atravessar a rua.
- colhendo folhas de outono que acho bonitas ou solitárias.
- desviando de uma trilha de formigas.
- batendo um papo inesperado com uma pessoa aleatória e pensando que daria um conto que geralmente não chego a escrever.
- segurando o portão para outro passante, e outro e outro, que não percebeu que estou ali há décadas.
- telefonando para alguém antes de pegar o elevador, e não podendo depois tomá-lo com receio de que caia a ligação.
- tentando ler enquanto caminho.
- contando as cores das coisas todas pelas ruas.
- contando os pombos. as pessoas no celular.
- tentando ajeitar uma lajota quebrada com o pé - e não me aguentando e metendo a mão.
- escrevendo no pensamento.
- gesticulando uma conversa que provavelmente não terei.
- fingindo que não vou entrar onde quero entrar pra não dar de cara com alguém com quem não posso falar naquela hora - na maioria das vezes por estar ocupada com um dos itens acima.
- pensando no banho sem me enxaguar.
- adiando a chegada pra terminar de ouvir a música que começou a tocar.
- esperando algo me acontecer pra que eu não tenha que ir.
- preparando um repertório musical, uma carta, um poema ou outro objeto sentimental para a pessoa com quem vou me encontrar.
- que pássaro é esse cantando?!
- aquela pessoa acenou pra mim? conheço? quem será que era...

ou simplesmente parada naquele meu olhar de água parada.

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