segunda-feira, 31 de outubro de 2016
NUNCA SE DIZ
NUNCA SE DIZ
nunca
a palavra de mais séculos
se revira à volta de uma trama
nunca palavra de um só amo
nunca tirano sempre nunca
nunca
a palavra muitos anos
resiste ao primeiro solavanco
nunca palavra dita um fim
nunca a palavra se diz nunca
nunca
a palavra destes dias
esconde a sorte enquanto muda
nunca palavra se desdita
nunca escrita na mão nunca
nunca
a palavra num segundo
se retira palavra nunca dada
nunca palavra se silencia
nunca se adia palavra nunca
nunca
a palavra de uma vida
se redime na morte ou na espera
nunca é palavra que adoece
nunca palavra se cura nunca
nunca
palavra dura demais
nunca é mordaça que sempre dure
Manuel Pintor
Nunca se diz | infinitudes
INFINITUDES.INCUBO.COM
POESIA NÃO SE INVENTA
Não é preciso pensar,
Para se fazer poesia.
Ela já esta no ar,
E nossa mente a copia.
O nosso coração a sente,
E logo já nos pede a escrita.
E se a gente se faz indiferente,
Ele nos perturba e nos agita.
A poesia é uma magia,
Que não tem como a explicar,
De onde vem, e quando irá chegar.
Ela nos pega de repente,
Agitando o coração e a mente,
Para torná-la em um lindo versejar.
Elcio moraes
ÁPORO
Carlos Drummond de Andrade
Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.
Que fazer, exausto,
em país bloqueado,
enlace de noite
raiz e minério?
Eis que o labirinto
(oh razão, mistério)
presto se desata:
em verde, sozinha,
antieuclidiana,
uma orquídea forma-se.
Congresso Internacional do Medo
Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.
Carlos Drummond de Andrade
[drummondiana]
se tivesse escrito
dom quixote (III/ o esguio
propósito) de drummond
num tipo fugaz de
palimpsesto
obra menor
(poema com patas
que esfarelam nos dedos)
eu seria bem mais
que o entomologista
que não fui
eu seria
um cuteleiro que apronta
os talheres dos grilos
cardiólogo de auroras
e entardeceres
passarinheiro de
gafanhotos
2
sou o melhor (o pior)
poeta
deste meu tempo
não
nem o melhor nem
o pior
sou
o único
poeta
deste meu tempo (entre
a mãe e a morte)
ainda
de fezes
maus poemas
alucinações e
espera
3
você acha que é fácil
ser mau poeta
quando faz este dia tão limpo
e minha filha sorri para o mundo
assustando as pombas?
Rodrigo Madeira
Luís Henrique Pellanda
"As aves se serviam de um punhado de ratinhos brancos.
Pinçavam os roedores pela barriga e os chacoalhavam com fúria, até que se
rasgassem. Suas vísceras, então, floresciam, numa violenta explosão de tons
vermelhos, suplicando por um leitor divinatório. Como pode haver, pensei, tanta
cor dentro de um ratinho branco? Pois durante o banquete, não só as seriemas
pareciam seres felizes: a própria moça que as admirava, pasma consigo mesma,
sorria. Que futuro teria lido no sangue?"
Trecho da minha crônica "Pedaço de prisão", que
sai amanhã, na Gazeta do Povo,
VI
Sim.
A língua que atravessa
o vale,
onde o sangue é saga,
onde o vento exale.
A língua de um reino
que nos habitasse,
desvelando espelhos,
conjurando enlaces.
Ó rio de açúcares
e vocábulos -- oráculo
de atabaque e pergaminho --
te dou meus oceanos
por caminho!
Um intrincado avesso
de epopeias
no baque das veias;
no recall da luta,
entre esfinges secretas
e alcunhas:
este arrimo de vozes
no lugar das unhas.
SALGADO MARANHÃO
Ser Poeta.
Lutei
Lutei como pude
Neguei
Neguei diariamente
Escondi
Escondi todos os livros
Rasguei todos os versos
Abafei todas as canções
Gritei
Meu deus como eu gritei
Eu queria matar
Que desejo quase incontrolável
Mas a serpente
Sempre à espreita
O bote a minha espera
Ouvia ela sibilar
Sua língua bifurcada
Não me deixaria safar
A morte era certa
Seria impossível escapar
Desde menina
Minha sina era denunciar
O que não se pode contar
Nas cenas de novela
Que vão ao ar para te lograr.
(Mariana de Almeida).
Melhor Dormir
Acordei! Tive um sonho fantástico, morava num país
encantado: o judiciário batia o martelo com retidão; o legislativo criava leis
em prol do povo; o Estado de Bem-Estar Social era prioridade; no executivo
havia alternância de poder, mas de forma democrática; a mídia era ética,
preservava o compromisso com a verdade; os empresários não sonegavam impostos e
a sociedade em harmonia! Bora, voltar dormir! JD
Uma lavada no campo progressista
Uma lavada no campo progressista, do Uiramutã ao Chuí, da
ponta do Seixas ao rio Moa: pelo que entendi, só nas capitais do Acre, do Ceará
e de Sergipe os progressistas foram eleitos. Claro que há razões imediatas para
isso.
(Em Santa Maria, RS, onde o candidato progressista perdeu
por 233 votos, teria vencido se o PSOL (que teve 1224 no 1.o turno) o apoiasse,
em vez de propor o voto nulo, como por sinal esse jovem partido propôs em todas
as capitais onde ele próprio não disputava o segundo turno. Eu apoiei o PSOL no
segundo turno sabendo de seus defeitos)
Mas a grande razão é simples: situações como esta em que
vivemos baixam mesmo o moral. Com uma presidente do PT afastada do cargo, com
uma ofensiva moral contra o principal partido de esquerda, fica difícil manter
o ânimo para ir à luta.
A surra foi total, não dá para disfarçar, e todos apanharam.
Não adianta um partido ou outro dizer, ah eu sou a verdadeira esquerda, ou ah
eu apanhei menos que os outros. Todos apanharam.
Parar com o sectarismo seria um bom primeiro passo.
Discutir os erros do passado também seria bom, mas com uma
ou duas condições: 1. não exigir de ninguém mais do que seria humanamente
possível; 2. criticar o passado para construir o futuro, não para remoer o que
não tem volta; 3. fazer isso com ânimo generoso, não vingativo.
Renato Janine Ribeiro
"amadurecimento" do PSOL
Gente me perguntando o que entendo por
"amadurecimento" do PSOL - uma das razões pelas quais eu torcia por
sua vitória no Rio. Uns, por ignorância ou má fé, insinuando que amadurecimento
= alianças corruptas.
Vamos lá.
Amadurecer é não se enxergar como o centro do universo. É
não pensar que vc é o único que presta, o único que sabe. Conheci muita gente
imatura. Fui imaturo. O PT nasceu imaturo, mas em seu favor teve a enorme
energia da juventude. Essa é a vantagem da imaturidade, aliás: a energia, a
juventude. Mas traz consigo o risco da intolerância. Minha principal crítica ao
PSOL foi que não apoiou outros partidos no segundo turno. Quando muito (e
elogio-os!), psolistas apoiaram candidatos de outros partidos.
Vivemos numa sociedade complexa. A ideia de um partido único
- ou o único a ser decente - não bate com a realidade. Partidos precisam
dialogar, reconhecer a decência de pelo menos alguns outros, recusar a ideia de
que são donos da verdade ou do bem. Isso é bem difícil, reconheço. Mas crescer
é bem difícil.
Há muita gente boa no PSOL, como na Rede, como no PT, como
no PCdoB. Todos estes partidos são criticáveis, também. Nenhum deles é
perfeito. Mas a política é amadurecimento.
Uma sugestão, agora: vejam os candidatos vitoriosos,
sobretudo os que vcs detestam. Pensem por que eles venceram. Vejam suas
qualidades, ou pelo menos o que os leitores consideraram suas qualidades.
Evitem a solução fácil de "eu estou certo, todos os outros errados".
Uma historinha para inspirá-los:
A mãe vai com o pai ver o filho desfilar numa parada
militar. Aí aparece o garoto. Há algo estranho, porém. Os dois pensam o que é,
até que descobrem:
- Você viu que nosso filho é o único que está marchando no
compasso correto?
Renato Janine Ribeiro
Renato Janine Ribeiro
domingo, 30 de outubro de 2016
Da série diálogos altamente etílicos em mesa suja de boteco
barato. Canceriana X Capricorniano:
Eu: Então, ele era muito covarde, mas dizia que me amava...
Ele: Homem covarde é igual cerveja sem álcool, é cara de pau
sem ousadia.
Eu: Mas ele me ligava todo dia de manhã...
Ele: O Itaú me liga todo dia de manhã e nem por isso me ama.
Lilian Sais
sábado, 29 de outubro de 2016
Consultarei os arquivos perdidos na poeira da desmemória
qual o autor que costumava criar palavras da junção de duas formando um forte
símbolo imagético.Osvaldo, Graciliano .Agora que preciso consultar as fichas à
luz do meu neurônio paradista mostra-se na escuridão a imensa aridez salgada onde
nada germina sem antes volar-se .fumaça
e só.
Wilson Roberto Nogueira
DIÁLOGOS PERTINENTES
- Quer um pouco de repolho, Chico?
- Não, vovó Duda. Mas quando eu "ser" adulto, vou
gostar de repolho.
Pano (muito) rápido.
Paulo Roberto Cequinel
Tentou ter, deixou de ser.
Tentou ver, não foi visto.
Tentou ouvir, não foi ouvido.
Tentou abrir, se trancou.
Tentou fazer, se desfez.
Tentou amar, odiado foi.
Tentou morrer, viveu.
Tentou mudar, continuou.
Tentou fugir, encontrado foi.
Tentou continuar vivo.
Descobriu que já não podia mais.
Lasombra Ribeiro
28/12/14
sexta-feira, 28 de outubro de 2016
William Teca
a patroa viu uma receita de cookies e resolveu fazer, pois
bem, fomos ao mercado; lentamente, enquanto pegávamos os ingredientes, fazíamos
as contas (lentamente, porque somos de humanas - caíam zeros e faltavam dedos).
constatamos que com a grana pra fazer as bolachas, dava pra comprar uma porrada
de pacotes prontos (o açúcar mascavo custa praticamente os olhos da cara) - sem
contar que eu não precisaria limpar a cozinha. cozinhar em casa já foi mais
barato - ser gourmet é coisa de rico.
50 anos!!!
- 50 anos, puta que pariu! já? Agora fudeu, sou um senhor de
meia idade!
- Ainda! É senhor menino. Não lastime.
- Sinto que estou velho! Tanta coisa que pensava em fazer
quando chegasse nos 50
--E as tantas que fez, vasculhe suas lembranças, cara!
- Meio século de vida!
- Pare de reclamar, vamos jogar bolinha de gude?
- Capaz, não vou ficar me agachando e levantando, minha
vista está ruim.
- Não seja folgado. Podemos andar de carrinho de rolimã.
-Não quero mais brincar! Agora vou ser adulto.
-50 anos, são três adolescentes em um, não seja pessimista!
-Quem você pensa que é pra falar com essa propriedade de
mim?
-Eu sou sua parte juvenil, a que não te deixa envelhecer.
Vamos pegar mexerica no pé.
- Mas não tem essa fruta no quintal.
-Bobo, vamos pular o muro e pegar no vizinho.
-É... vamo bora!!!
Grato pelo carinho, amigos(as)! Caso deixe de responder
algumas felicitações , não foi por esnobismo, apenas descuido da vista cansada
de um senhor de meia idade. Não tenho usado óculos, teimosia de adolescente.
JDamasio
master tese
William Teca
o orientador se aproxima da bancada (sotaque francês,
pós-doc da sorbonne):
"o que é que você está fazendo?"
"uma tese sobre herberto helder, chef."
"e está usando o quê?"
"vou usar um pouco de heidegger, uma pitada de hegel e
nietzsche pra acrescentar alguma rebeldia."
"nenhum derridá, nancy, deleuze?"
"não me dou muito bem com eles, chef."
"você sabe que filósofos franceses caem bem em
tese?!"
"sei sim, chef."
"mesmo assim, não vai usar?!"
"prefiro não arriscar, chef."
"hum...e isso aqui o que é?"
"são as citações, chef."
"tudo isso de citações?"
"é pra dar mais sabor, chef."
"e já está encaminhado?"
"quase tudo chef, a introdução está pronta, alguns
capitulos já saíram do forno e os outros estão marinando."
"e você acha que vai dar tempo?"
"espero que sim, chef."
"vamos ver, vamos ver; tese sem franceses, nunca vi
isso."
soneto para ninar a selvagem em mim
.
há seis décadas luto como uma menina
na rua no quintal e numa velha campina
lado a lado com o amor sem dar propina
sem medo e só com o que a vida ensina
dá-me o ombro magro e, suave, me nina
em alguns dias cansa ser quase heroína
rasga meu peito pra arrancar alma felina
deixa o sol bater com o fogo que calcina
lava minha fúria para que mude esta sina
diga-me suave: - quem ama não domina!
cuida que eu abandone esta adrenalina
de viver a roubar o sol em cada esquina
quero um beijo eterno - tua boca fascina
quiçá o tempo que resta seja - purpurina
Bárbara Lia
Ocupa Tudo Brasil
Ocupa meu coração de Amor
Ocupa minha alma de Paz
Ocupa minha razão de Coletividade
Ocupa minha emoção de Sonhos
Ocupa tudo de Solidariedade
Ocupa tudo de senso Crítico
Ocupa tudo de Sensibilidade
Ocupa e semeia a Filosofia
Ocupa e me lembra a História
Ocupa e me mostra a Sociologia
Ocupa e mexe com o meu Corpo
Ocupa e revira minhas Emocões
Ocupa e me faz Poesia
Ocupa meu eu do Outro
Ocupa o outro do meu Eu
Ocupa e desata o Nós!!!
Arranca toda Desesperança
Arranca toda Descrença
Arranca o Temer.
(Jão Bello)
Esquerda ou direita?
−Táxi, táxi!
−Para onde vai?
−Toca em frente, taxista, estou meio sem rumo! Quero fazer
um passeio. O que tem na direita?
−Área nobre, prédios arranha-céus, shopping centers,
colégios particulares, faculdades restritas, clínicas médicas especializadas no
atendimento aos ricos. Avenidas largas de uma mão destinadas à elite, onde
carro velho é suspeito, e carro novo, na mão de negro, mais suspeito ainda.
Bolsa, só a de valores, discutida pelos homens de negócios, e bolsa Prada para
senhoras elegantes. Tudo terceirizado para as mãos dos agentes financeiros.
Estado mínimo para o pobre. Estado máximo para a especulação e exploração do
trabalhador. Tem uma praça, ponto de encontro dos golpistas,a praça dos Três
Poderes. O prédio do quarto poder também fica lá, a grande mídia. Mas o poder
da direita mesmo é o poder econômico, que compra todos os demais poderes.
−Estou pensando em voltar para trás, então.
−Voltar para trás não, é só redundância, é tortura, é
tenebroso, lá não levo o senhor, tenho marcas desse caminho escuro.
−E na esquerda?
− Tem muitas carências ainda. Não é o paraíso, na esquerda
vamos entrar na periferia, com suas ruelas, um vai e vem de pessoas
trabalhadoras, muitos são desorientados. Os adolescentes têm escolas públicas e
possibilidades de entrarem nas universidades. Têm cotas sociais e raciais, que
não são um favor, apenas uma tentativa de reparação histórica. Não se sabe até
quando. Quatorze novas universidades para atendê-los. Mas o governo golpista
pensa em privatizá-las. Tem bolsas lá também, bolsa família que atende os
pobres, com pagamentos recebidos pelas mãos das mães, que mantêm os filhos na
escola, vacinados, uma forma encontrada para tirá-los da miséria absoluta e
para promover a aspiração a uma condição menos injusta. Há também bolsas de
estudos, PIBIC para estimular o pensamento científico e PIBID para incentivar a
boa licenciatura. Hoje tudo está sendo questionado, os investimentos sociais
são vistos como gastos. Temos novas casas, sonhos de muitos pobres que foram
realizados. Moro lá. Na esquerda, tem luz para todos!
−Bem... Pode pegar a primeira à esquerda!
JDamasio.
""(...) O último andar é muito longe:
custa-se muito a chegar.
Mas é lá que eu quero morar.
(...) Os passarinhos lá se escondem
para ninguém os maltratar:
no último andar.
De lá se avista o mundo inteiro:
tudo parece perto, no ar.
É lá que eu quero morar:
no último andar."
(Trechos de O Último Andar - Cecília Meireles)"
Música Azul
As notas musicais tingem
De azul, o céu, o mar e as montanhas...
Os tons de azul são pincelados sem pressa,
A música e cores envolvem-me
Refletem em meu olhar,
Um poema azul, tecendo
Um sonho lindo em sete versos.
Van Zimerman
AMOR E PERDÃO
Espere um pouco, não fuja,
a noite está por um fio.
Bem cedo o dia amanhece
e a dor se esvai, como um rio.
Espere, que não há nada
que dure mais que um momento.
O inverno é tão passageiro,
e segue nas mãos do vento.
Deixe bem abertos os braços
e o coração desarmado
para pulsar levemente
ou bater acelerado.
Não seja regado a pranto
o som da sua canção.
A vida é o ponto de encontro
entre o amor e o perdão.
Marilia Abduani
ORAÇÕES AO VENTO
O Mosteiro em silêncio,
Uma chávena de chá...
E as bandeiras de orações
Levadas pelo vento...
Van Zimerman
segunda-feira, 24 de outubro de 2016
Procura
Percorram as trilhas
abram as linhas
alinhem as flechas
flechem as reticências
Ouçam o claro silêncio
no bater acústico
do coração do poema
flechado no olhar
do leitor que o olha
Sérgio Villa Matta
Dentro daquela mosca varejeira habitava a corrupção que teimavam chamar politica de resultados.
Azulescida o coprofago inseto gozava do culto de milhões de cunhas que viralizavam em cada sangue pútrido exalado das calçadas , nas vielas , embaixo da saia das vestais democráticas e supra partidárias
a a amorfa moral anfibia alimentava-se de moscas azuis e seus cocôs dourados nas vielas da nossa democracia de pés podres.
Wilson Roberto Nogueira
A minha pátria é a pálpebra cobrindo a retina de sangue.O exílio do coro das cores na harmonia da memória presa no arame farpado das rosas de aço dessa pax silenciosa , as quais sórdidas ruínas me contemplam. Esperança molhara meus pés um dia. O sol da minha pátria tratara de secar minhas caminhadas.
Wilson Roberto Nogueira
Os trapos constituíam uma segunda pele daquele resíduo humano viralateando pelas cicatrizes da urbe bêbada de pesadelos.Aedo delirante das mazelas encrustadas em seus nervos estiolados, exalava no desmazelo do existir suas vísceras .Desviveu por momentos ao pé do poste e com ele o seu guardião e irmão nesse inverno de nevascas o uivo de um cão e suas pulgas sua última morada.
Wilson Roberto Nogueira
PEQUENAS MÃOS
Minhas mãos tentaram lhe segurar.
Pois pequeno imaginava que poderia.
Consegui colocar o sol atrás das nuvens.
Em um dia de muita quentura.
Minhas mãos construíram castelos.
Capturaram besouros rinocerontes.
Brincou com as borboletas com delicadeza.
Afagou o rosto e os cabelos de mainha.
Minhas mãos estão grandes e marcadas.
E ainda tento lhe segurar sabendo não poder.
Peguei com elas Beija-Flores e Libélulas.
Ferramentas, tijolos... Empurrei carros.
Mas nunca consegui lhe capturar.
Nem por um instante em toda minha vida.
Tempo danado e arteiro.
Sempre foi mais ligeiro...
Que minhas mãos.
Marcio Gleide Nunes dos Santos
Curitiba-PR 23/10/2016
Dividida
entre os dias mornos
e os poentes incandescentes
despedi um sonho...
sem saber dizer adeus!
Ana Andrade
Convite a uma dança
Eis-me aqui
a contemplar encantos,
danças ao fogo cigano
Que brotam do teu
sorriso e tornam-me
lago e Narciso
em Ti.
Musa descarada,
mal sabes
a que cobra
deste asas.
Por quanto tempo
queres
te manter
ilesa?
Eu,
que já flertei medusas
sei, há mais perigos
em teu afeto franco
a despertar minha alma
a tudo que é sensível,
que tanto quanto
possa descrever
é apenas
tocar pássaros
de seda,
comer com
os olhos
banquetes
sobre a mesa.
Saiba,
o desejo é
armadilha estranha;
nos conduz
a jardins magníficos,
quais girassóis imprecisos
que tangem-se,
momentâneos,
e ruborizam
na fronte do sol.
( Ricardo Pozzo)
As Tardes com Cães Danados
(trecho )
Ladram
de largos espelhos
esses cães de pedra e
mormaço
de lume e arame
farpado.
Ladram quentes
e mordem
e inflamam
os calcanhares do vento.
E sobre os relógios
pairam
ameaçando-lhes de
silêncio. "
De "Geografia Íntima do Deserto ", de Micheliny Verunschk
Ladram
de largos espelhos
esses cães de pedra e
mormaço
de lume e arame
farpado.
Ladram quentes
e mordem
e inflamam
os calcanhares do vento.
E sobre os relógios
pairam
ameaçando-lhes de
silêncio. "
De "Geografia Íntima do Deserto ", de Micheliny Verunschk
Sábado a tarde
Sábado à tarde , essa distinta senhora tinge no salão o cabelo grisalho, escolhe o mais bonito vestido. Maquia-se , perfuma-se, admira-se nos três espelhos. Deita-se de sapatinho na cama e primeira vez toda se masturba.
Dalton Trevisan
Dalton Trevisan
Penumbra
A ética é uma preocupação sempre atual. O professor Mazzini era especialista no assunto. mesa redonda em Brasília.Mazzini falava ao microfone. " Tudo é relativo. Tem o preto, tem o branco e tem o cinza. "Ao seu lado, estava a bela empresária Dulcina Salgado. O joelho direito de Mazzini roçou a coxa de Dulcina . Mazzini continuava . " Levanta-se uma grande questão..." Parou. Corte de luz. Penumbra. A mão de Dulcina tocou em algo que não era o microfone.Explorou o campo da privacidade e as atribuições do poder executivo . Mazzin se perdia na zona do agrião. Defendeu ranários na Amazônia e a soltura de pererecas. Quando a luz voltou, ambos viviam o nirvana do amor consensual.A ética pode ser rígida desde que não se perca o prazer.
voltaire de souza. FSP 11/09/01
Avenida Ipiranga
Árvores caem pela cidade como um obscuro sinal.Esta, já podada pelos bombeiros, parece um polvo gigante mutilado de seus tentáculos, ou um Polifemo cego,ainda bêbado, entregue ao poder do vento. Ou , quem sabe, uma deusa insegura, corroída por dentro por uma infinidade de dúvidas, mínimas, mas potentes, capazes de derrubá-la, estupefata, no mar sem ondas do asfalto.
Vincenzo Scarpellini, Folha de São Paulo
Vincenzo Scarpellini, Folha de São Paulo
sexta-feira, 21 de outubro de 2016
RIMAS E VERSOS
Um toque de magia
em uma folha de papel
rascunhos e rabiscos
fazem do lápis, pincel...
Nas entrelinhas solitárias
entre pontos, virgulas e reticências
se embala o poeta a escrever
o fruto de sua essência...
Na doçura das palavras doces
se encaixam as amargas também,
cabe somente ao poeta
escrever a que mais lhe convém...
Envolto as inspirações,
se deleita o poeta a pensar,
nas rimas, de seus versos
jamais falta a palavra SONHAR.
SONIA BRUM
Insônia
Este é o século da nossa insônia
Mentes plugadas em telas isonômicas
Longe dos mitos e da cosmogonia
Dopados de “soma” e monotonia
Este é o século lavado à amônia
Escravos cardíacos da luz de néon
Escravos maníacos dos mantras
Escravos agônicos do abutre Mamon
E havia esperança no pássaro
Havia luz nas colmeias tardias
Havia ar nas barricadas de Paris
Havia armar-te. Havia amar-te... Havia.
Bárbara Lia in Respirar (2014)
Nenhum tempo foi mais propício para o desespero
Tempo do caos e da decadência
Vivemos engolindo empáfias e arremedos
Quando alguém rasga uma nesga de humanidade terna
Você quer sugar esta veia
Comer pelas bordas a pessoa inteira
Guardá-la em ti de todas as maneiras
Bárbara Lia in Forasteira (Vidráguas/2016) - página 48
DANS L'AIR
Tínhamos a mesma idade
Quando vimos o mar
Este mistério de impaciência
Tínhamos a mesma impaciência
Por isto
Pisamos telhados
Ao invés do chão
Por isto
Machucamos nossos amores
Com nossas próprias mãos
Por isto
As velas acabam na madrugada
Antes que o poema acabe
- Por isto, tão pouca a vida para tanta voracidade.
da poeta paranaense Bárbara Lia, que já publicou 4 livros de
poemas:O Sorriso de Leonardo, Noir, O Sal das Rosas e A Última Chuva.
Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio
E suportar é o tempo mais comprido.
Peço-Te que venhas e me dês a liberdade,
Que um só dos teus olhares me purifique e acabe.
Há muitas coisas que eu quero ver.
Peço-Te que sejas o presente.
Peço-Te que inundes tudo.
E que o teu reino antes do tempo venha.
E se derrame sobre a Terra
Em primavera feroz precipitado.
.
Sophia de Mello Breyner Andresen
In Coral, 1950
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sophia de mello breyner andresen
Amor é o que a formiga leva em suas patas, invisível,
pequeno e úmido é o amor - Um cisco: o amor é mais frágil que isto.
Amor é o tamborilar das mãos do cego no couro esticado,
encaixa perfeitamente, como quem conhece as estruturas pelo tato, como quem
sabe o exato espaço entre a dor e a dor.
O amor massacra com a suavidade de um tambor africano...
O amor é um som oco que um cego repercute na tarde suarenta.
Amor é o sacudir das paredes por um trem angustiado que move
o sangue quando passa.
O amor é estremecimento.
Bárbara Lia
Felicidade ocre
.
(para Fernando Cesar de Aquino
onde quer que ele se encontre)
.
.
O ocre impregnava até o vento
A casa da felicidade era ocre
The streets
and my old car
O chão onde os pés resvalavam
Naquelas festas de garagem
Sunset ao acorde de um violão
Universitários à beira do lago
Tão longe, tão longe do
Sangue dos nossos nos porões
“bem que eu me lembro
a gente sentado ali”
A comemorar a anistia
Esperar pela própria esperança
Na aura pulsante de uma veia
Um rio vivo sonoro intenso
.
Sempre que o sol flameja ocre
E uma fogueira espoca
E alguém canta a velha canção
Que dançamos de rosto colado
Antes dos glóbulos brancos
Devorarem o sol líquido que eras
- a parte ocre vida de tuas veias -
Meu coração passeia
Pelas mesmas ruas
Ainda sofro a única lágrima
Que você derramou por mim
Quando te disse
Que ia casar com outro
E te vejo ali à minha espera
Na amurada da cantina da Faculdade
Com sua malha ocre
Respingada de Pollock
E aquele sorriso curativo
No tempo em que tudo era vivo
Bárbara Lia
quarta-feira, 19 de outubro de 2016
Maluquices
O doido quando é sábio,
não acolhe a canalhice,
o cérebro que medita,
mescla a alma com a doidice,
o comum é na verdade,
o ponto alto da mesmice,
o louco pare inventos,
o normal a idiotice,
o maluco só ensina
porque discorda da burrice,
o biruta aponta o vento,
o corriqueiro a babosice.
Edison Gil – 2016
Diário VIII
Coimbra, 18 de Outubro de 1955 — Não chego a saber o que
estes reaccionários pretendem de mim. Saem- me ao caminho, agarran- se colam-
se, dizem piropos, e quanta mais pressa tenho, mais insistem. Ora como se não
trata de qualquer interesse vivo, sincero, profundo, há- de haver uma
explicação para o caso. A que vejo afigura!- se- me sinistra: inquisidores que
são, os sujeitos devem querer investigar, perscrutar, conhecer a última heresia...
Miguel Torga
VALIGIA D'IMMAGINAZIONE
(e as muitas belezas femininas)
(...)
o nosso tempo é um misto de espanto e inércia, idiotice e
fantasia, coisificação e anulação completa.
E, no meio dessa espessa e sufocante nuvem de fogos de
artifício, encontramos a carne suave e a feminilidade daquela mulher, feita de
variadas pedras, variados elementos e multifacetada música corporal.
Nela percebemos a terra, a água, o ar e o fogo, organizados
de forma plena sob a unção feminina, “lugar” em que os elementos se organizam,
completam-se e fazem sentido. A feminilidade dessa mulher é mesmo um lugar,
germinação de algo que vem de dentro, de uma natureza interior, que vai
brotando pelos seus poros e tecidos suavemente dispostos em sua tessitura
epitelial.
Não, ela não é apenas o corpo em si, mas a harmonia entre o
corpo e a alma. Não é inteligência residual, emocional ou artificial, mas
substancial.
(...)
Pietro Nardella-Dellova. A MORTE DO POETA NOS PENHASCOS E
OUTROS MONÓLOGOS. Ed. Scortecci, 2009, pág 264-265. (Livraria Cultura)
AO MEU AMOR COM A SIMPLICIDADE LIBERTÁRIA
ah, meu amor...
se eu pudesse
hoje mesmo,
e em todos os dias,
e não estivesse, assim,
perdido entre três mundos:
ah, meu amor...
se eu pudesse,
transformaria nossa existência
em um recanto,
e deixaria tua janela, e portas,
e corredores, e passagens,
completamente cheios de flores;
e tua boca,
tua boca e língua,
cheia de beijos,
e cheia de mel e do leite,
do leite sob tua língua;
e tua alma cheia de poesia...
e tuas paredes cheias de poesia...
e mil recadinhos de poesia
entre teus livros
entre teus seios
sobre o umbigo
sobre tua pele
e transbordante na imensidão do teu jardim!
Pietro Nardella-Dellova
segunda-feira, 17 de outubro de 2016
domingo, 16 de outubro de 2016
Júlio Damásio Morreu
O telefone toca uma, duas, três vezes, ele atende:
- Alô!
- Alô, quem fala ?
- Aqui é o Damásio
- Olá, meu nome é Sofia, tenho aqui em aberto uma dívida de
cinco mil reais, da financeira Aymoé.
- Desculpe, mas pensava que essa divida havia expirado, tem
mais de três anos anos.
- Expirou? Como assim.
- Caducou minha jovem.
- Ela esta bem sadia da cabeça, continua o registro de
débito, senhor!
- Hum... pensei que o tempo, mas não convém discutir
legislação, eles as mudam tão logo o povo tem conhecimento de seu direito. De
qualquer forma isso não tem mais valor.
- Tem sim, e aumentou muito, mas estamos dispostos a ...
- Não me refiro ao valor monetário, querida.
- Então, vou estar mandando um boleto, no valor de...
- Eu sinto muito, sou José Damásio, Julio Damásio é meu
irmão.
- Posso falar com ele, seu José?
- Não!
- Por quê? Como assim? Preciso de uma resposta, onde posso
encontrá-lo?
- Lamentavelmente no cemitério. Ele morreu. Perfuração de
úlcera, sistema nervoso. Quando vocês deram busca e apreensão do carro
financiado, depois de ter pago dois terços do veiculo, ele ficou .... Não que
fosse apegado em bens materiais, era artista, mas transportava seus livros no
carro, era escritor marginal...
- Marginal?nossa!
- A margem da sociedade querida, era independente. Passou a
carregar a literatura nas costas, não suportou o peso desse ideal. Como ele
mesmo escreveu em seu epitáfio.
- Epitáfio?.
- Breve Inscrição sobre lápides, em forma de poesia ou
prosa.
- Eu sinto muito...
- Eu também, era meu irmão, e era um sujeito bom, sensível,
e não por ter sido meu mano, mas era um ótimo contista...primava pelos
desfechos de suas historias.
- Então... vou estar a colocar .... me desculpe, vou
recolocar o débito no arquivo morto. Mas por formalidade posso lhe estar
mandando o valor por e-mail, o senhor pode desconsiderar, pura formalidade.
- Sim. Claro. josedamasio@hotmail. com. Se quiser, assim que
eu receber cobrança lhe mando o epitáfio do meu irmão, tenho aqui o arquivo.
- Com certeza, quero! Mandarei já!
- ...
- Recebeu?
- Estou lendo ... terminei... É muito triste!
- Não chore, menina.
- Tá... Sim! Foi muito tocante, me emociono com essas
coisas, ele escreve muito bem, quer dizer escrevia.
- Nosssa!!!
- Que foi seu José?.
- Esse valor e de matar!
- Eu sei...
- Mas agora ele já está morto. De deve estar num mundo
encantado pelas letras. Mas se quiser procure prestigiá-lo, compre um livro
dele nas livrarias Curitiba, deve ter algo encalhado. Sua morte também não teve
publicidade, senão teria vendido todos os livros. Se foi discretamente, como
quem saí a francesa de uma festa. Nem uma nota do principal jornal da cidade,
pelo menos, não no caderno de cultura, apenas um obituário em um pequeno
jornal.
- Obituário?
- Nota de falecimento no jornal!
- Na frente da minha faculdade tem uma livraria,
- Se for qual penso, não perca tempo, lembro que meu irmão
voltou dela e me disse que o dono dessa livraria alegou não ter espaço pra
novos autores independentes.
- Tá, eu vou procurar os livros dele. Felicidades pro
senhor, seu José. Fique com Deus, e seu irmão, que esteja com ele, eu vou
comprar um livro dele...
- Obrigado, suas palavras são reconfortantes, bom trabalho,
que eu também tenho que os meus afazeres agora.
- Mas uma vez eu sinto muito, me desculpe, tchau...
E assim, Julio Damásio desligou o telefone, foi escrever
mais um continho para finalizar seu novo livro, ficando livre de outras
ligações de cobrança, pelo menos daquela financeira.
Fonte : Jornal Rascunho
Acordei!
Acordei! Tive um sonho fantástico, morava num país
encantado: o judiciário batia o martelo com retidão, o legislativo criava leis
em prol do bem estar do povo , no executivo havia alternância de poder, mas de
forma democrática, presidente eleito, a mídia era ética,, preservava o
compromisso com a verdade, os empresários não sonegavam impostos, o povo era
feliz e estudado, não era alienado.Bora, voltar dormir!
Júlio Damásio
SAUDADES
Acordei hoje com saudades de abraçar as pessoas que já
partiram. Aproveitarei meu dia de domingo visitando e levando flores para os
que ainda estão ao alcance dos meus braços. JD
LIÇÃO
Ah! Esses professores. Sempre com mania de ensinar! Fora das
salas dos colégios, vão às ruas, dar aula de cidadania! Apanham de mãos limpas
em defesa da democracia pelos cassetetes das mãos sujas do autoritarismo. JD
sábado, 15 de outubro de 2016
ÊXTASE
Êxtase emocional de ser mulher!
Oh! Êxtase de ver a grandeza total do Universo,
de escutar o concerto esplêndido dos Astros;
de sentir o perfume intenso da Beleza;
de provar o agridoce e esquisito
sabor do Destino;
de apalpar, comovida, as formas do Infinito...
Ah! Êxtase triunfal dos meus cinco sentidos!
Maravilhoso êxtase dos vícios!
De beber emoções até a embriaguez;
de jogar, displicente, a própria Vida;
no voraz pano verde da Vida;
e de fumar ventura e dor e glória e fantasia...
Êxtase delicioso dos crimes!
Êxtase de matar o próprio coração
à força de querer dominar o seu ritmo;
de roubar sensações à Sensação...
de caluniar a própria sede de harmonia...
...êxtase divinal de ser artista!
Êxtase profundo
de ter vícios,
de ser criminosa,
só por ti, minha grande e imortal
ambição de Beleza!
ADA MACCAGGI (1906-1947)
FEITIÇARIA
Dentro da noite, que é um antro de bruxarias,
o teu sorriso audaz de feiticeiro
e o meu temor supersticioso.
Abro os braços num gesto de esconjuro,
mas tu, bruxo insolente,
não temes essa cruz, como o Demônio.
Trazes, pelo contrário, para ela,
para a extasiada cruz impaciente,
o sortilégio dos teus olhos cor de treva,
a magia negra das tuas mãos sacrílegas,
e o filtro misterioso do teu beijo...
um poema de Ada Maccaggi (1906-1947:)
(Ímpeto, Curitiba: Feira do Poeta, 1995)
Na noite inerte, como se visse
Um luar estendido no jardim,
Vi tua sombra triste vindo a mim...
As flores transpiravam meiguice
Como se a lembrança as sentisse
Na flórea tristeza do jasmim...
(Vagava a eternidade no jardim...)
E sem que o meu pobre olhar visse,
Caminhavas para a minha alma
Com os passos tácitos e sombrios,
Qual um longo véu que se espalma
Secretamente nas almas quedas...
Eu era, então, uma folha sobre os rios
Que sonham ao luar das alamedas...
Caio Cardoso Tardelli
São Paulo ·
quarta-feira, 12 de outubro de 2016
às vezes fico aqui filosofando sobre como irei morrer, tenho dúvidas se será avc, dpoc ou ataque cardíaco. certamente não será rápido e nem indolor, a morte não é bonita. a única certeza é que não me converterei ao cristianismo - e nem doarei meus livros à biblioteca. a pior coisa é o altruísmo e a hipocrisia, ainda mais depois de morto. fiquei pensando nisso, porque nunca vi uma quantidade tão grande de gente que conheço se convertendo, parando de beber, fumar e usando "jesus" e "deus" como pontuação, ser bom não tem nada ver com isso e deus, menos ainda. no meu enterro quero que toque ramones, num cover do maxixe machine.
William Teca
William Teca
Amanhã
Se devoras teus sonhos
quando se ensaiam apenas
e secamente represas
essa linguagem de flores
e teu desejo de asas
que restam subterrâneas,
quem serás tu, depois
do grande sono, amanhã?.
- Olga Savary (Caieiras, janeiro 1954), em "Repertório
selvagem: Obra Reunida". Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional; MultiMais
Edições; Universidade de Mogi das Cruzes, 1998.
COMEÇO
Magoei os pés no chão onde nasci.
Cilícios de raivosa hostilidade
Abriram golpes na fragilidade
De criatura
Que não pude deixar de ser um dia.
Com lágrimas de pasmo e de amargura
Paguei à terra o pão que lhe pedia.
Comprei a consciência de que sou
Homem de trocas com a natureza.
Fera sentada à mesa
Depois de ter escoado o coração
Na incerteza
De comer o suor que semeou,
Varejou,
E, dobrada de lírica tristeza,
Carregou.
Miguel Torga
Cântico do Homem, 1950
AGONIA
Quando virás, dia do meu sossego,
Domingo sem as mágoas da semana?
No calendário não, porque me engana
Sempre que lhe confio
Os secretos desejos
Do coração;
Mas na tenção do tempo,
Quando virás,
Hora feliz do grande esquecimento?
Morro, se for preciso...
De tal modo me rói o sofrimento,
Que te compro por tudo, paraíso!
Miguel Torga
Coimbra, 12 de Outubro de 1950.
Diário V
Bucólica
Na orgia dos sons, das cores,
ficou minha alma pagã;
bebendo o aroma das flores,
bebeu a luz da manhã.
Abriu-se-me a flor da vida
sob um sol fecundo e ardente;
amo a palmeira florida
e o soluçar da torrente...
Tenho taças de verdura
junto aos troncos seculares,
em que bebo a linfa pura
do néctar que vem dos ares.
Entendo o canto das aves,
que agitam o azul dos céus,
como de um templo nas naves
as litanias de Deus.
Nas clareiras escalvadas
das grandes, floridas matas,
choram frescas alvoradas
de pérolas as cascatas.
Entro altivo nas imensas
babilônias vegetais,
sob as lianas suspensas,
como arcadas triunfais.
Nas voltas da trepadeira,
leio estéticos segredos
e aprecio a sobranceira
atitude dos rochedos...
A natureza é uma mestra,
uma mestra maternal,
que nos dá lições de orquestra
e nos ensina o ideal.
Na orgia dos sons, das cores,
ficou minha alma pagã;
bebendo o aroma das flores,
bebeu a luz da manhã.
- Augusto de Lima, em "Contemporâneas". 1887.
segunda-feira, 10 de outubro de 2016
... nunca desafies o destino.
Nunca provoque sensações abstrusas
quando inserido em ansiedade da mente, estiveres.
Procure novos braços, novos colos,
novos cantares, novas estradas,
diferentes solos.
Mas quando te sentires caminhando em desatino,
jamais desafies o destino.
joemir(aolongo...)
Josemir Tadeu Souza
sábado, 8 de outubro de 2016
PRIMAVERA
Primavera...
Onde?
Isso não existe mais
Veremos nas telas dos computadores
O significado de tanta exuberância
Uma recordação, uma saudade...
De algo, que aos poucos, se fora.
Na minha infãncia
Eu corria atras das borboletas
Colhia flores nas estradas
Para presentear minha mãe
Os passarinhos com seu canto
Me acordava, fazendo algazarra
Nas árvores dos quintais.
Hoje...
Ninguém mais quer pisar no barro
Compram flores artificiais
Jardim!? É apenas um quadro na sala
As abelhas já entraram em fase de extinção.
Se eu ainda tenho esperança
É nos Poetas...
São professores Existenciais
Tem uma lente a mais no olho
Vivem à margem do capitalismo
Ou vocês mostrem ao mundo a que veio
Ou cairemos todos no abismo!
(Anaira Mafeoli)
[da série “Breve e Sóbria Apreciação do Quadro Político-Partidário Brasileiro”]
* O PMDB tem de tudo, e quase nada cheira bem. É como se a
Política vomitasse no carpet – por ex., no azul royal do Senado – depois de se
empanturrar num self-service.
* Tucanos são aves muito indecisas. Eles nunca sabem, no fim
do ano, se voam pra Paris ou pra Miami.
* Estenderam a Rede do Oiapoque ao Chuí. Agora a Marina já
pode deitar e ficar sonhando...
* Analisando, conforme a Lei da Ficha Limpa, nossa bancada
evangélica (PRB, PR, PSC etc.), não resta a menor dúvida: Deus deveria ficar
inelegível pelos próximos oito anos.
* Sim, o PSOL nasce para todos. Em 1848. E se põe, no
finzinho da tarde, atrás do muro de Berlim.
* O PT vai ter que fazer muita, mas muita terapia.
Rodrigo Madeira
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