terça-feira, 29 de junho de 2010
segunda-feira, 28 de junho de 2010
"Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida."
( Clarice Lispector )
( Clarice Lispector )
terça-feira, 22 de junho de 2010
segunda-feira, 21 de junho de 2010
Poema à boca fechada
Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.
Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.
Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.
Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.
José Saramago
(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)
Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.
Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.
Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.
Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.
José Saramago
(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)
sábado, 19 de junho de 2010
sexta-feira, 18 de junho de 2010
O escritor português José Saramago, que morreu hoje aos 87 anos
José Saramago nasceu em 1922 na aldeia de Azinhaga (Golegã) e faleceu hoje na sua residência em Lanzarote, Ilhas Canárias. Fez estudos secundários que, por dificuldades econômicas, não pôde prosseguir. Seu primeiro emprego foi o de serralheiro mecânico, tendo exercido depois, diversas outras profissões: desenhista, funcionário de saúde e de previdência social, editor, tradutor, jornalista.
Publicou o seu primeiro livro, um romance, em 1947. Colaborou como crítico literário na revista “Seara Nova”. Em 1972 e 1973 fez parte da redação do jornal “Diário de Lisboa”. Pertenceu à primeira direção da Associação Portuguesa de Escritores e foi, desde 1985 a 1994, presidente da Assembléia Geral da Sociedade Portuguesa de Autores. Entre Abril e Novembro de 1975 foi diretor-adjunto do jornal “Diário de Notícias”. A partir de 1976 passou a viver exclusivamente do seu trabalho literário, primeiro como tradutor, depois como autor.
É Doutor Honoris Causa pelas Universidades de Turim (Itália), de Sevilha (Espanha) e de Manchester (Reino Unido); membro Honoris Causa do Conselho do Instituto de Filosofia do Direito e de Estudos Histórico-Políticos da Universidade de Pisa (Itália); membro da Academia Universal das Culturas (Paris); membro correspondente da Academia Argentina das Letras; membro do Parlamento Internacional de Escritores (Estrasburgo).
José Saramago foi laureado com o Prêmio Nobel da Literatura 1998 pela The Nobel Foundation.
Principais obras:
· Ano da Morte de Ricardo Reis (O). Lisboa, Caminho, 1982.
· Ano de 1993 (O). Lisboa, Futura, 1975.
· Apontamentos (Os). Lisboa, Seara Nova, 1976.
· Bagagem do Viajante (A). Lisboa, Futura, 1973.
· Cadernos de Lanzarote I. Lisboa, Caminho, 1994.
· Cadernos de Lanzarote II. Lisboa, Caminho, 1995.
· Cadernos de Lanzarote III. Lisboa, Caminho, 1996.
· Cadernos de Lanzarote IV. Lisboa, Caminho, 1997.
· Cadernos de Lanzarote V. Lisboa, Caminho, 1998.
· Conto da Ilha Desconhecida (O). Lisboa, Expo’98/Assírio&Alvim, 1997.
· Deste Mundo e do Outro. Lisboa, Arcádia, 1971.
· Discursos de Estocolmo. Lisboa, Caminho, 1999.
· Ensaio sobre a Cegueira. Lisboa, Caminho, 1995.
· Ensaio sobre a Cegueira. Lisboa, Círculo de Leitores, 1995.
· Evangelho segundo Jesus Cristo (O). Lisboa, Caminho, 1991.
· História do Cerco de Lisboa. Lisboa, Caminho, 1989.
· In nomine Dei. Lisboa, Caminho, 1993.
· Jangada de Pedra (A). Lisboa, Caminho, 1985.
· Levantado do Chão. Lisboa, Caminho, 1980.
· Manual de Pintura e Caligrafia. Lisboa, Moraes Editores, 1976.
· Memorial do Convento. Lisboa, Caminho, 1982.
· Moby Dick em Lisboa. Lisboa, Expo’98, 1996.
· Noite (A). Lisboa, Caminho, 1979.
· Objecto Quase. Lisboa, Moraes Editores, 1978.
· Opiniões que o D. L. Teve (As). Lisboa, Seara Nova/Editorial Futura, 1974.
· Poemas Possíveis (Os). Lisboa, Portugália, 1966.
· Poética dos Cinco Sentidos – O Ouvido, 1979
· Provavelmente Alegria. Lisboa, Livros Horizonte, 1970.
· Que farei com este livro? Lisboa, Caminho, 1980.
· Segunda Vida de Francisco de Assis (A). Lisboa, Caminho, 1987.
· Terra do Pecado. Lisboa, Minerva, 1947.
· Todos os Nomes. Lisboa, Caminho, 1997.
· Viagem a Portugal. Lisboa, Círculo de Leitores, 1981.
Prêmios recebidos:
· Prêmio Internacional Literário Mondello (Palermo), 1992 (Conjunto da Obra).
· Prêmio Literário Brancatti (Zafferana/Sicília), 1992 (Conjunto da obra)
· Prêmio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores (APE), 1993
· Prêmio Consagração SPA (Sociedade Portuguesa de Autores), 1995
· Prêmio Nobel da Literatura, 1998
Suas obras são publicadas em diversos países. Seu romance “Memorial do Convento” foi adaptado para a ópera pelo compositor italiano Azio Corghi, com o título “Blimunda”.
A peça de teatro “In Nomine Dei” foi adaptada para a ópera por Azio Corghi, com o título “Divara”.
O texto acima foi extraído do livro “O Conto da Ilha Desconhecida”, Companhia das Letras – São Paulo, 1998, com aquarelas de Arthur Luiz Piza
José Saramago nasceu em 1922 na aldeia de Azinhaga (Golegã) e faleceu hoje na sua residência em Lanzarote, Ilhas Canárias. Fez estudos secundários que, por dificuldades econômicas, não pôde prosseguir. Seu primeiro emprego foi o de serralheiro mecânico, tendo exercido depois, diversas outras profissões: desenhista, funcionário de saúde e de previdência social, editor, tradutor, jornalista.
Publicou o seu primeiro livro, um romance, em 1947. Colaborou como crítico literário na revista “Seara Nova”. Em 1972 e 1973 fez parte da redação do jornal “Diário de Lisboa”. Pertenceu à primeira direção da Associação Portuguesa de Escritores e foi, desde 1985 a 1994, presidente da Assembléia Geral da Sociedade Portuguesa de Autores. Entre Abril e Novembro de 1975 foi diretor-adjunto do jornal “Diário de Notícias”. A partir de 1976 passou a viver exclusivamente do seu trabalho literário, primeiro como tradutor, depois como autor.
É Doutor Honoris Causa pelas Universidades de Turim (Itália), de Sevilha (Espanha) e de Manchester (Reino Unido); membro Honoris Causa do Conselho do Instituto de Filosofia do Direito e de Estudos Histórico-Políticos da Universidade de Pisa (Itália); membro da Academia Universal das Culturas (Paris); membro correspondente da Academia Argentina das Letras; membro do Parlamento Internacional de Escritores (Estrasburgo).
José Saramago foi laureado com o Prêmio Nobel da Literatura 1998 pela The Nobel Foundation.
Principais obras:
· Ano da Morte de Ricardo Reis (O). Lisboa, Caminho, 1982.
· Ano de 1993 (O). Lisboa, Futura, 1975.
· Apontamentos (Os). Lisboa, Seara Nova, 1976.
· Bagagem do Viajante (A). Lisboa, Futura, 1973.
· Cadernos de Lanzarote I. Lisboa, Caminho, 1994.
· Cadernos de Lanzarote II. Lisboa, Caminho, 1995.
· Cadernos de Lanzarote III. Lisboa, Caminho, 1996.
· Cadernos de Lanzarote IV. Lisboa, Caminho, 1997.
· Cadernos de Lanzarote V. Lisboa, Caminho, 1998.
· Conto da Ilha Desconhecida (O). Lisboa, Expo’98/Assírio&Alvim, 1997.
· Deste Mundo e do Outro. Lisboa, Arcádia, 1971.
· Discursos de Estocolmo. Lisboa, Caminho, 1999.
· Ensaio sobre a Cegueira. Lisboa, Caminho, 1995.
· Ensaio sobre a Cegueira. Lisboa, Círculo de Leitores, 1995.
· Evangelho segundo Jesus Cristo (O). Lisboa, Caminho, 1991.
· História do Cerco de Lisboa. Lisboa, Caminho, 1989.
· In nomine Dei. Lisboa, Caminho, 1993.
· Jangada de Pedra (A). Lisboa, Caminho, 1985.
· Levantado do Chão. Lisboa, Caminho, 1980.
· Manual de Pintura e Caligrafia. Lisboa, Moraes Editores, 1976.
· Memorial do Convento. Lisboa, Caminho, 1982.
· Moby Dick em Lisboa. Lisboa, Expo’98, 1996.
· Noite (A). Lisboa, Caminho, 1979.
· Objecto Quase. Lisboa, Moraes Editores, 1978.
· Opiniões que o D. L. Teve (As). Lisboa, Seara Nova/Editorial Futura, 1974.
· Poemas Possíveis (Os). Lisboa, Portugália, 1966.
· Poética dos Cinco Sentidos – O Ouvido, 1979
· Provavelmente Alegria. Lisboa, Livros Horizonte, 1970.
· Que farei com este livro? Lisboa, Caminho, 1980.
· Segunda Vida de Francisco de Assis (A). Lisboa, Caminho, 1987.
· Terra do Pecado. Lisboa, Minerva, 1947.
· Todos os Nomes. Lisboa, Caminho, 1997.
· Viagem a Portugal. Lisboa, Círculo de Leitores, 1981.
Prêmios recebidos:
· Prêmio Internacional Literário Mondello (Palermo), 1992 (Conjunto da Obra).
· Prêmio Literário Brancatti (Zafferana/Sicília), 1992 (Conjunto da obra)
· Prêmio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores (APE), 1993
· Prêmio Consagração SPA (Sociedade Portuguesa de Autores), 1995
· Prêmio Nobel da Literatura, 1998
Suas obras são publicadas em diversos países. Seu romance “Memorial do Convento” foi adaptado para a ópera pelo compositor italiano Azio Corghi, com o título “Blimunda”.
A peça de teatro “In Nomine Dei” foi adaptada para a ópera por Azio Corghi, com o título “Divara”.
O texto acima foi extraído do livro “O Conto da Ilha Desconhecida”, Companhia das Letras – São Paulo, 1998, com aquarelas de Arthur Luiz Piza
In memoriam: O conto da ilha desconhecida, de José Saramago
Um homem foi bater à porta do rei e disse-lhe, Dá-me um barco. A casa do rei tinha muitas mais portas, mas aquela era a das petições. Como o rei passava todo o tempo sentado à porta dos obséquios (entenda-se, os obséquios que lhe faziam a ele), de cada vez que ouvia alguém a chamar à porta das petições fingia-se desentendido, e só quando o ressoar contínuo da aldraba de bronze se tornava, mais do que notório, escandaloso, tirando o sossego à vizinhança (as pessoas começavam a murmurar, Que rei temos nós, que não atende), é que dava ordem ao primeiro-secretário para ir saber o que queria o impetrante, que não havia maneira de se calar. Então, o primeiro-secretário chamava o segundo-secretário, este chamava o terceiro, que mandava o primeiro-ajudante, que por sua vez mandava o segundo, e assim por aí fora até chegar à mulher da limpeza, a qual, não tendo ninguém em quem mandar, entreabria a porta das petições e perguntava pela frincha, Que é que tu queres. O suplicante dizia ao que vinha, isto é, pedia o que tinha a pedir, depois instalava-se a um canto da porta, à espera de que o requerimento fizesse, de um em um, o caminho ao contrário, até chegar ao rei. Ocupado como sempre estava com os obséquios, o rei demorava a resposta, e já não era pequeno sinal de atenção ao bem-estar e felicidade do seu povo quando resolvia pedir um parecer fundamentado por escrito ao primeiro-secretário, o qual, escusado se ria dizer, passava a encomenda ao segundo-secretário, este ao terceiro, sucessivamente, até chegar outra vez à mulher da limpeza, que despachava sim ou não conforme estivesse de maré.
Contudo, no caso do homem que queria um barco, as coisas não se passaram bem assim. Quando a mulher da limpeza lhe perguntou pela nesga da porta, Que é que tu queres, o homem, em lugar de pedir, como era o costume de todos, um título, uma condecoração, ou simplesmente dinheiro, respondeu, Quero falar ao rei, Já sabes que o rei não pode vir, está na porta dos obséquios, respondeu a mulher, Pois então vai lá dizer-lhe que não saio daqui até que ele venha, pessoalmente, saber o que quero, rematou o homem, e deitou-se ao comprido no limiar, tapando-se com a manta por causa do frio. Entrar e sair, só por cima dele. Ora, isto era um enorme problema, se tivermos em consideração que, de acordo com a pragmática das portas, ali só se podia atender um suplicante de cada vez, donde resultava que, enquanto houvesse alguém à espera de resposta, nenhuma outra pessoa se poderia aproximar a fim de expor as suas necessidades ou as suas ambições. À primeira vista, quem ficava a ganhar com este artigo do regulamento era o rei, dado que, sendo menos numerosa a gente que o vinha incomodar com lamúrias, mais tempo ele passava a ter, e mais descanso, para receber, contemplar e guardar os obséquios. À segunda vista, porém, o rei perdia, e muito, porque os protestos públicos, ao notar-se que a resposta estava a tardar mais do que o justo, faziam aumentar gravemente o descontentamento social, o que, por seu turno, ia ter imediatas e negativas consequências no afluxo de obséquios. No caso que estamos narrando, o resultado da ponderação entre os benefícios e os prejuízos foi ter ido o rei, ao cabo de três dias, e em real pessoa, à porta das petições, para saber o que queria o intrometido que se havia negado a encaminhar o requerimento pelas competentes vias burocráticas. Abre a porta, disse o rei à mulher da limpeza, e ela perguntou, Toda, ou só um bocadinho. O rei duvidou por um instante, na verdade não gostava muito de se expor aos ares da rua, mas depois reflexionou que pareceria mal, além de ser indigno da sua majestade, falar com um súdito através de uma nesga, como se tivesse medo dele, mormente estando a assistir ao colóquio a mulher da limpeza, que logo iria dizer por aí sabe Deus o quê, De par em par, ordenou. O homem que queria um barco levantou-se do degrau da porta quando começou a ouvir correr os ferrolhos, enrolou a manta e pôs-se à espera. Estes sinais de que finalmente alguém vinha atender, e que portanto a praça não tardaria a ficar desocupada, fizeram aproximar-se da porta uns quantos aspirantes à liberalidade do trono que por ali andavam, prontos a assaltar o lugar mal ele vagasse. O inopinado aparecimento do rei (nunca uma tal coisa havia sucedido desde que ele andava de coroa na cabeça) causou uma surpresa desmedida, não só aos ditos candidatos mas também à vizinhança que, atraída pelo repentino alvoroço, assomara às janelas das casas, no outro lado da rua. A única pessoa que não se surpreendeu por aí além foi o homem que tinha vindo pedir um barco. Calculara ele, e acertara na previsão, que o rei, mesmo que demorasse três dias, haveria de sentir-se curioso de ver a cara de quem, sem mais nem menos, com notável atrevimento, o mandara chamar. Repartido pois entre a curiosidade que não pudera reprimir e o desagrado de ver tanta gente junta, o rei, com o pior dos modos, perguntou três perguntas seguidas, Que é que queres, Por que foi que não disseste logo o que querias, Pensarás tu que eu não tenho mais nada que fazer, mas o homem só respondeu à primeira pergunta, Dá-me um barco, disse. O assombro deixou o rei a tal ponto desconcertado, que a mulher da limpeza se apressou a chegar-lhe uma cadeira de palhinha, a mesma em que ela própria se sentava quando precisava de trabalhar de linha e agulha, pois, além da limpeza, tinha também à sua responsabilidade alguns, trabalhos menores de costura no palácio como passajar as peúgas dos pajens. Mal sentado, porque a cadeira de palhinha era muito mais baixa que o trono, o rei estava a procurar a melhor maneira de acomodar as pernas, ora encolhendo-as ora estendendo-as para os lados, enquanto o homem que queria um barco esperava com paciência a pergunta que se seguiria, E tu para que queres um barco, pode-se saber, foi o que o rei de facto perguntou quando finalmente se deu por instalado, com sofrível comodidade, na cadeira da mulher da limpeza, Para ir à procura da ilha desconhecida, respondeu o homem, Que ilha desconhecida, perguntou o rei disfarçando o riso, como se tivesse na sua frente um louco varrido, dos que têm a mania das navegações, a quem não seria bom contrariar logo de entrada, A ilha desconhecida, repetiu o homem, Disparate, já não há ilhas desconhecidas, Quem foi que te disse, rei, que já não há ilhas desconhecidas, Estão todas nos mapas, Nos mapas só estão as ilhas conhecidas, E que ilha desconhecida é essa de que queres ir à procura, Se eu to pudesse dizer, então não seria desconhecida, A quem ouviste tu falar dela, perguntou o rei, agora mais sério, A ninguém, Nesse caso, por que teimas em dizer que ela existe, Simplesmente porque é impossível que não exista uma ilha desconhecida, E vieste aqui para me pedires um barco, Sim, vim aqui para pedir-te um barco, E tu quem és, para que eu to dê, E tu quem és, para que não mo dês, Sou o rei deste reino, e os barcos do reino pertencem-me todos, Mais lhes pertencerás tu a eles do que eles a ti, Que queres dizer, perguntou o rei, inquieto, Que tu, sem eles, és nada, e que eles, sem ti, poderão sempre navegar, Às minhas ordens, com os meus pilotos e os meus marinheiros, Não te peço marinheiros nem piloto, só te peço um barco, E essa ilha desconhecida, se a encontrares, será para mim, A ti, rei, só te interessam as ilhas conhecidas, Também me interessam as desconhecidas quando deixam de o ser, Talvez esta não se deixe conhecer, Então não te dou o barco, Darás. Ao ouvirem esta palavra, pronunciada com tranquila firmeza, os aspirantes à porta das petições, em quem, minuto após minuto, desde o princípio da conversa, a impaciência vinha crescendo, e mais para se verem livres dele do que por simpatia solidária, resolveram intervir a favor do homem que queria o barco, começando a gritar, Dá-lhe o barco, dá-lhe o barco. O rei abriu a boca para dizer à mulher da limpeza que chamasse a guarda do palácio a vir restabelecer imediatamente a ordem pública e impor a disciplina, mas, nesse momento, as vizinhas que assistiam das janelas juntaram-se ao coro com entusiasmo, gritando como os outros, Dá-lhe o barco, dá-lhe o barco. Perante uma tão iniludível manifestação da vontade popular e preocupado com o que, neste meio tempo, já haveria perdido na porta dos obséquios, o rei levantou a mão direita a impor silêncio e disse, Vou dar-te um barco, mas a tripulação terás de arranjá-la tu, os meus marinheiros são-me precisos para as ilhas conhecidas. Os gritos de aplauso do público não deixaram que se percebesse o agradecimento do homem que viera pedir um barco, aliás o movimento dos lábios tanto teria podido ser Obrigado, meu senhor, como Eu cá me arranjarei, mas o que distintamente se ouviu foi o dito seguinte do rei, Vais à doca, perguntas lá pelo capitão do porto, dizes-lhe que te mandei eu, e ele que te dê o barco, levas o meu cartão. O homem que ia receber um barco leu o cartão de visita, onde dizia Rei por baixo do nome do rei, e eram estas as palavras que ele havia escrito sobre o ombro da mulher da limpeza, Entrega ao portador um barco, não precisa ser grande, mas que navegue bem e seja seguro, não quero ter remorsos na consciência se as coisas lhe correrem mal. Quando o homem levantou a cabeça, supõe-se que desta vez é que iria agradecer a dádiva, já o rei se tinha retirado, só estava a mulher da limpeza a olhar para ele com cara de caso. O homem desceu do degrau da porta, sinal de que os outros candidatos podiam enfim avançar, nem valeria a pena explicar que a confusão foi indescritível, todos a quererem chegar ao sítio em primeiro lugar, mas com tão má sorte que a porta já estava fechada outra vez. A aldraba de bronze tornou a chamar a mulher da limpeza, mas a mulher da limpeza não está, deu a volta e saiu com o balde e a vassoura por outra porta, a das decisões, que é raro ser usada, mas quando o é, é. Agora sim, agora pode-se compreender o porquê da cara de caso com que a mulher da limpeza havia estado a olhar, foi esse o preciso momento em que ela resolveu ir atrás do homem quando ele se dirigisse ao porto a tomar conta do barco. Pensou ela que já bastava de uma vida a limpar e a lavar palácios, que tinha chegado a hora de mudar de ofício, que lavar e limpar barcos é que era a sua vocação verdadeira, no mar, ao menos, a água nunca lhe faltaria. O homem nem sonha que, não tendo ainda sequer começado a recrutar os tripulantes, já leva atrás de si a futura encarregada das baldeações e outros asseios, também é deste modo que o destino costuma comportar-se connosco, já está mesmo atrás de nós, já estendeu a mão para tocar-nos o ombro, e nós ainda vamos a murmurar, Acabou-se, não há mais que ver, é tudo igual.
Andando, andando, o homem chegou ao porto, foi à doca, perguntou pelo capitão, e enquanto ele não chegava deitou-se a adivinhar qual seria, de quantos barcos ali estavam, o que iria ser o seu, grande já se sabia que não, o cartão de visita do rei era muito claro neste ponto, por conseguinte ficavam de fora os paquetes, os cargueiros e os navios de guerra, tão-pouco poderia ser ele tão pequeno que resistisse mal às forças do vento e aos rigores do mar, o rei também havia sido categórico neste ponto, Que navegue bem e seja seguro, foram estas as suas formais palavras, assim implicitamente excluindo os botes, as faluas e os escaleres, os quais, sendo bons navegantes, e seguros, conforme a condição de cada qual, não tinham nascido para sulcar os oceanos, que é onde se encontram as ilhas desconhecidas. Um pouco afastada dali, escondida por trás de uns bidões, a mulher da limpeza correu os olhos pelos barcos atracados, Para o meu gosto, aquele, pensou, porém a sua opinião não contava, nem sequer havia sido ainda contratada, vamos ouvir antes o que dirá o capitão do porto. O capitão veio, leu o cartão, mirou o homem de alto a baixo, e fez a pergunta que o rei se tinha esquecido de fazer, Sabes navegar, tens carta de navegação, ao que o homem respondeu, Aprenderei no mar. O capitão disse, Não to aconselharia, capitão sou eu, e não me atrevo com qualquer barco, Dá-me então um com que possa atrever-me eu, não, um desses não, dá-me antes um barco que eu respeite e que possa respeitar-me a mim, Essa linguagem é de marinheiro, mas tu não és marinheiro, Se tenho a linguagem, é como se o fosse. O capitão tornou a ler o cartão do rei, depois perguntou, Poderás dizer-me para que queres o barco, Para ir à procura da ilha desconhecida, Já não há ilhas desconhecidas, O mesmo me disse o rei, O que ele sabe de ilhas, aprendeu-o comigo, É estranho que tu, sendo homem do mar, me digas isso, que já não há ilhas desconhecidas, homem da terra sou eu, e não ignoro que todas as ilhas, mesmo as conhecidas, são desconhecidas enquanto não desembarcarmos nelas, Mas tu, se bem entendi, vais à procura de uma onde nunca ninguém tenha desembarcado, Sabê-lo-ei quando lá chegar, Se chegares, Sim, às vezes naufraga-se pelo caminho, mas, se tal me viesse a acontecer, deverias escrever nos anais do porto que o ponto a que cheguei foi esse, Queres dizer que chegar, sempre se chega, Não serias quem és se não o soubesses já. O capitão do porto disse, Vou dar-te a embarcação que te convém, Qual é ela, É um barco com muita experiência, ainda do tempo em que toda a gente andava à procura de ilhas desconhecidas, Qual é ele, Julgo até que encontrou algumas, Qual, Aquele. Assim que a mulher da limpeza percebeu para onde o capitão apontava, saiu a correr de detrás dos bidões e gritou, É o meu barco, é o meu barco, há que perdoar-lhe a insólita reivindicação de propriedade, a todos os títulos abusiva, o barco era aquele de que ela tinha gostado, simplesmente. Parece uma caravela, disse o homem, Mais ou menos, concordou o capitão, no princípio era uma caravela, depois passou por arranjos e adaptações que a modificaram um bocado, Mas continua a ser uma caravela, Sim, no conjunto conserva o antigo ar, E tem mastros e velas, Quando se vai procurar ilhas desconhecidas, é o mais recomendável. A mulher da limpeza não se conteve, Para mim não quero outro, Quem és tu, perguntou o homem, Não te lembras de mim, Não tenho idéia, Sou a mulher da limpeza, Qual limpeza, A do palácio do rei, A que abria a porta das petições, Não havia outra, E por que não estás tu no palácio do rei a limpar e a abrir portas, Porque as portas que eu realmente queria já foram abertas e porque de hoje em diante só limparei barcos, Então estás decidida a ir comigo procurar a ilha desconhecida, Saí do palácio pela porta das decisões, Sendo assim, vai para a caravela, vê como está aquilo, depois do tempo que passou deve precisar de uma boa lavagem, e tem cuidado com as gaivotas, que não são de fiar, Não queres vir comigo conhecer o teu barco por dentro, Tu disseste que era teu, Desculpa, foi só porque gostei dele, Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar. O capitão do porto interrompeu a conversa, Tenho de entregar as chaves ao dono do barco, a um ou a outro, resolvam-se, a mim tanto se me dá, Os barcos têm chave, perguntou o homem, Para entrar, não, mas lá estão as arrecadações e os paióis, e a escrivaninha do comandante com o diário de bordo, Ela que se encarregue de tudo, eu vou recrutar a tripulação, disse o homem, e afastou-se.
A mulher da limpeza foi ao escritório do capitão para recolher as chaves, depois entrou no barco, duas coisas lhe valeram aí, a vassoura do palácio e a prevenção contra as gaivotas, ainda não tinha acabado de atravessar a prancha que ligava a amurada ao cais e já as malvadas estavam a precipitar-se sobre ela aos guinchos, furiosas, de goela aberta, como se ali mesmo a quisessem devorar. Não sabiam com quem se metiam. A mulher da limpeza pousou o balde, meteu as chaves no seio, firmou bem os pés na prancha, e, redemoinhando a vassoura como se fosse um espadão dos tempos antigos, fez debandar o bando assassino. Foi só quando entrou no barco que compreendeu a ira das gaivotas, havia ninhos por toda a parte, muitos deles abandonados, outros ainda com ovos, e uns poucos com gaivotinhos de bico aberto, à espera da comida, Pois sim, mas o melhor é mudarem-se daqui, um barco que vai procurar a ilha desconhecida não pode ter este aspecto, como se fosse um galinheiro, disse. Atirou para a água os ninhos vazios, quanto aos outros deixou-os ficar, até ver. Depois arregaçou as mangas e pôs-se a lavar a coberta. Quando acabou a dura tarefa, foi abrir o paiol das velas e procedeu a um exame minucioso do estado das costuras, depois de tanto tempo sem irem ao mar e sem terem de suportar os esticões saudáveis do vento. As velas são os músculos do barco, basta ver como incham quando se esforçam, mas, e isso mesmo sucede aos músculos, se não se lhes dá uso regularmente, abrandam, amolecem, perdem nervo, E as costuras são como os nervos das velas, pensou a mulher da limpeza, contente por estar a aprender tão depressa a arte de marinharia. Achou esgarçadas algumas bainhas, mas contentou-se com assinalá-las, uma vez que para este trabalho não podiam servir a linha e a agulha com que passajava as peúgas dos pajens antigamente, quer dizer, ainda ontem. Quanto aos outros paióis, viu logo que estavam vazios. Que o da pólvora estivesse desmunido, salvo uns pozinhos negros no fundo, que primeiro mais lhe pareceram caganitas de rato, não lhe importou nada, de facto não está escrito em nenhuma lei, pelo menos até onde a sabedoria duma mulher da limpeza é capaz de alcançar, que ir em busca duma ilha desconhecida tenha de ser forçosamente uma empresa de guerra. Já a ralou, e muito, a falta absoluta de munições de boca no paiol respectivo, não por si própria, que estava mais do que acostumada ao mau passadio do palácio, mas por causa do homem a quem deram este barco, não tarda que o sol se ponha, e ele a aparecer-me aí a clamar que tem fome, que é o dito de todos os homens mal entram em casa, como se só eles é que tivessem estômago e sofressem da necessidade de o encher, E se já traz marinheiros para a tripulação, que são uns ogres a comer, então é que não sei como nos iremos governar, disse a mulher da limpeza.
Não valia a pena ter-se preocupado tanto. O sol havia acabado de sumir-se no oceano quando o homem que tinha um barco surgiu no extremo do cais. Trazia um embrulho na mão, porém vinha sozinho e cabisbaixo. A mulher da limpeza foi esperá-lo à prancha, mas antes que ela abrisse a boca para se inteirar de como lhe tinha corrido o resto do dia, ele disse, Está descansada, trago aqui comida para os dois, E os marinheiros, perguntou ela, Não veio nenhum, como podes ver, Mas deixaste-os apalavrados, ao menos, tornou ela a perguntar, Disseram-me que já não há ilhas desconhecidas, e que, mesmo que as houvesse, não iriam eles tirar-se do sossego dos seus lares e da boa vida dos barcos de carreira para se meterem em aventuras oceânicas, à procura de um impossível, como se ainda estivéssemos no tempo do mar tenebroso, E tu, que lhes respondeste, Que o mar é sempre tenebroso, E não lhes falaste da ilha desconhecida, Como poderia falar-lhes eu duma ilha desconhecida, se não a conheço, Mas tens a certeza de que ela existe, Tanta como a de ser tenebroso o mar, Neste momento, visto daqui, com aquela água cor de jade e o céu como um incêndio, de tenebroso não lhe encontro nada, É uma ilusão tua, também as ilhas às vezes parece que flutuam sobre as águas, e não é verdade, Que pensas fazer, se te falta a tripulação, Ainda não sei, Podíamos ficar a viver aqui, eu oferecia-me para lavar os barcos que vêm à doca, e tu, E eu, Tens com certeza um mester, um ofício, uma profissão, como agora se diz, Tenho, tive, terei se for preciso, mas quero encontrar a ilha desconhecida, quero saber quem sou eu quando nela estiver, Não o sabes, Se não sais de ti, não chegas a saber quem és, O filósofo do rei, quando não tinha que fazer, ia sentar-se ao pé de mim, a ver-me passajar as peúgas dos pajens, e às vezes dava-lhe para filosofar, dizia que todo o homem é uma ilha, eu, como aquilo não era comigo, visto que sou mulher, não lhe dava importância, tu que achas, Que é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós, Se não saímos de nós próprios, queres tu dizer, Não é a mesma coisa. O incêndio do céu ia esmorecendo, a água arroxeou-se de repente, agora nem a mulher da limpeza duvidaria de que o mar é mesmo tenebroso, pelo menos a certas horas. Disse o homem, Deixemos as filosofias para o filósofo do rei, que para isso é que lhe pagam, agora vamos nós comer, mas a mulher não esteve de acordo, Primeiro, tens de ver o teu barco, só o conheces por fora, Que tal o encontraste, Há algumas bainhas das velas que estão a precisar de reforço, Desceste ao porão, encontraste água aberta, No fundo vê-se alguma, de mistura com o lastro, mas isso parece que é próprio, faz bem ao barco, Como foi que aprendeste essas coisas, Assim, Assim como, Como tu, quando disseste ao capitão do porto que aprenderias a navegar no mar, Ainda não estamos no mar, Mas já estamos na água, Sempre tive a idéia de que para a navegação só há dois mestres verdadeiros, um que é o mar, o outro que é o barco, E o céu, estás a esquecer-te do céu, Sim, claro, o céu, Os ventos, As nuvens, O céu, Sim, o céu.
Em menos de um quarto de hora tinham acabado a volta pelo barco, uma caravela, mesmo transformada, não dá para grandes passeios. É bonita, disse o homem, mas se eu não conseguir arranjar tripulantes suficientes para a manobra, terei de ir dizer ao rei que já não a quero, Perdes o ânimo logo à primeira contrariedade, A primeira contrariedade foi estar à espera do rei três dias, e não desisti, Se não encontrares marinheiros que queiram vir, cá nos arranjaremos os dois, Estás doida, duas pessoas sozinhas não seriam capazes de governar um barco destes, eu teria de estar sempre ao leme, e tu, nem vale a pena estar a explicar-te, é uma loucura, Depois veremos, agora vamos mas é comer. Subiram para o castelo de popa, o homem ainda a protestar contra o que chamara loucura, e, ali, a mulher da limpeza abriu o farnel que ele tinha trazido, um pão, queijo duro, de cabra, azeitonas, uma garrafa de vinho. A lua já estava meio palmo sobre o mar, as sombras da verga e do mastro grande vieram deitar-se-lhes aos pés. É realmente bonita a nossa caravela, disse a mulher, e emendou logo, A tua, a tua caravela, Desconfio que não o será por muito tempo, Navegues ou não navegues com ela, é tua, deu-ta o rei, Pedi-lha para ir procurar uma ilha desconhecida, Mas estas coisas não se fazem do pé para a mão, levam o seu tempo, já o meu avô dizia que quem vai ao mar avia-se em terra, e mais não era ele marinheiro, Sem tripulantes não poderemos navegar, Já o tinhas dito, E há que abastecer o barco das mil coisas necessárias a uma viagem como esta, que não se sabe aonde nos levará, Evidentemente, e depois teremos de esperar que seja a boa estação, e sair com a boa maré, e vir gente ao cais a desejar-nos boa viagem, Estás a rir-te de mim, Nunca me riria de quem me fez sair pela porta das decisões, Desculpa-me, E não tornarei a passar por ela, suceda o que suceder. O luar iluminava em cheio a cara da mulher da limpeza, É bonita, realmente é bonita, pensou o homem, que desta vez não estava a referir-se à caravela. A mulher, essa, não pensou nada, devia ter pensado tudo durante aqueles três dias, quando entreabria de vez em quando a porta para ver se aquele ainda continuava lá fora, à espera. Não sobrou migalha de pão ou de queijo, nem gota de vinho, os caroços das azeitonas foram atirados para a água, o chão está tão limpo como ficara quando a mulher da limpeza lhe passou por cima o último esfregão. A sereia de um paquete que saía para o mar soltou um ronco potente, como deviam ter sido os do leviatã, e a mulher disse, Quando for a nossa vez faremos menos barulho. Apesar de estarem no interior da doca, a água ondulou um pouco à passagem do paquete, e o homem disse, Mas baloiçaremos muito mais. Riram os dois, depois ficaram calados, passado um bocado um deles opinou que o melhor seria irem dormir, Não é que eu tenha muito sono, e o outro concordou, Nem eu, depois calaram-se outra vez, a lua subiu e continuou a subir, em certa altura a mulher disse, Há beliches lá em baixo, o homem disse, Sim, e foi então que se levantaram, que desceram à coberta, aí a mulher disse, Até amanhã, eu vou para este lado, e o homem respondeu, E eu vou para este, até amanhã, não disseram bombordo nem estibordo, decerto por estarem ainda a praticar na arte. A mulher voltou atrás, Tinha-me esquecido, tirou do bolso do avental dois cotos de vela, Encontrei-os quando andava a limpar, o que não tenho é fósforos, Eu tenho, disse o homem. Ela segurou as velas, uma em cada mão, ele acendeu um fósforo, depois, abrigando a chama sob a cúpula dos dedos curvados, levou-a com todo o cuidado aos velhos pavios, a luz pegou, cresceu lentamente como faz o luar, banhou a cara da mulher da limpeza, nem seria preciso dizer o que ele pensou, É bonita, mas o que ela pensou, sim, Vê-se bem que só tem olhos para a ilha desconhecida, aqui está como as pessoas se enganam nos sentidos do olhar, sobretudo ao princípio. Ela entregou-lhe uma vela, disse, Até amanhã, dorme bem, ele quis dizer o mesmo doutra maneira, Que tenhas sonhos felizes, foi a frase que lhe saiu, daqui a pouco, quando lá estiver em baixo, deitado no seu beliche, vir-lhe-ão à ideia outras frases, mais espirituosas, sobretudo mais insinuantes, como se espera que sejam as de um homem quando está a sós com uma mulher. Perguntava-se se já dormiria, se teria tardado a entrar no sono, depois imaginou que andava à procura dela e não a encontrava em nenhum sítio, que estavam perdidos os dois num barco enorme, o sonho é um prestidigitador hábil, muda as proporções das coisas e as suas distâncias, separa ás pessoas, e elas estão juntas, reúne-as, e quase não se vêem uma à outra, a mulher dorme a poucos metros e ele não soube como alcançá-la, quando é tão fácil ir de bombordo a estibordo.
Tinha-lhe desejado felizes sonhos, mas foi ele quem levou toda a noite a sonhar. Sonhou que a sua caravela ia no mar alto, com as três velas triangulares gloriosamente enfunadas, abrindo caminho sobre as ondas, enquanto ele manejava a roda do leme e a tripulação descansava à sombra. Não percebia como podiam ali estar os marinheiros que no porto e na cidade se tinham recusado a embarcar com ele para ir à procura da ilha desconhecida, provavelmente arrependeram-se da grosseira ironia com que o haviam tratado. Via animais espalhados pela coberta, patos, coelhos, galinhas, o habitual da criação doméstica, debicando os grãos de milho ou roendo as folhas de couve que um marinheiro lhes atirava, não se lembrava de quando os tinha trazido para o barco, fosse como fosse era natural que ali estivessem, imaginemos que a ilha desconhecida é, como tantas vezes o foi no passado, uma ilha deserta, o melhor será jogar pelo seguro, todos sabemos que abrir a porta da coelheira e agarrar um coelho pelas orelhas sempre foi mais fácil do que persegui-lo por montes e vales. Do fundo do porão veio agora um coro de relinchos de cavalos, de mugidos de bois, de zurros de asnos, as vozes dos nobres animais necessários para o trabalho pesado, e como foi que vieram eles, como podem estar numa caravela onde a tripulação humana mal cabe, de súbito o vento deu uma guinada, a vela maior bateu e ondulou, por trás dela estava o que antes não se vira, um grupo de mulheres que mesmo sem as contar se adivinha serem tantas quantos os marinheiros, ocupam-se nas suas coisas de mulheres, ainda não chegou o tempo de se ocuparem doutras, está claro que isto só pode ser um sonho, na vida real nunca se viajou assim. O homem do leme buscou com os olhos a mulher da limpeza e não a viu, Talvez esteja no beliche de estibordo, a descansar da lavagem da coberta, pensou, mas foi um pensar fingido, porque ele bem sabe, embora também não saiba como o sabe, que ela à última hora não quis vir, que saltou para o cais, dizendo de lá, Adeus, adeus, já que só tens olhos para a ilha desconhecida, vou-me embora, e não era verdade, agora mesmo andam os olhos dele a procurá-la e não a encontram. Neste momento o céu cobriu-se e começou a chover, e, tendo chovido, principiaram a brotar inúmeras plantas das fileiras de sacos de terra alinhadas ao longo da amurada, não estão ali porque se suspeite que não haja terra bastante na ilha desconhecida, mas porque assim se ganhará tempo, no dia em que lá chegarmos só teremos que transplantar as árvores de fruto, semear os grãos das pequenas searas que vão amadurecer aqui, enfeitar os canteiros com as flores que desabrocharão destes botões. O homem do leme pergunta aos marinheiros que descansam na coberta se avistam alguma ilha desabitada, e eles respondem que não vêem nem de umas nem das outras, mas que estão a pensar em desembarcar na primeira terra povoada que lhes apareça, desde que haja lá um porto onde fundear, uma taberna onde beber e uma cama onde folgar, que aqui não se pode, com toda esta gente junta. E a ilha desconhecida, perguntou o homem do leme, A ilha desconhecida é coisa que não existe, não passa duma ideia da tua cabeça, os geógrafos do rei foram ver nos mapas e declararam que ilhas por conhecer é coisa que se acabou desde há muito tempo, Devíeis ter ficado na cidade, em lugar de vir atrapalhar-me a navegação, Andávamos à procura de um sítio melhor para viver e resolvemos aproveitar a tua viagem, Não sois marinheiros, Nunca o fomos, Sozinho, não serei capaz de governar o barco, Pensasses nisso antes de ir pedi-lo ao rei, o mar não ensina a navegar. Então o homem do leme viu uma terra ao longe e quis passar adiante, fazer de conta que ela era a miragem de uma outra terra, uma imagem que tivesse vindo do outro lado do mundo pelo espaço, mas os homens que nunca haviam sido marinheiros protestaram, disseram que ali mesmo é que queriam desembarcar, Esta é uma ilha do mapa, gritaram, matar-te-emos se não nos levares lá. Então, por si mesma, a caravela virou a proa em direcção à terra, entrou no porto e foi encostar à muralha da doca, Podeis ir-vos, disse o homem do leme, acto contínuo saíram em correnteza, primeiro as mulheres, depois os homens, mas não foram sozinhos, levaram com eles os patos, os coelhos e as galinhas, levaram os bois, os burros e os cavalos, e até as gaivotas, uma após outra, levantaram voo e se foram do barco transportando no bico os seus gaivotinhos, proeza que não tinha sido cometida antes, mas há sempre uma vez. O homem do leme assistiu à debandada em silêncio, não fez nada para reter os que o abandonavam, ao menos tinham-no deixado com as árvores, os trigos e as flores, com as trepadeiras que se enrolavam nos mastros e pendiam da amurada como festões. Por causa do atropelo da saída haviam-se rompido e derramado os sacos de terra, de modo que a coberta era toda ela como um campo lavrado e semeado, só falta que venha um pouco mais de chuva para que seja um bom ano agrícola. Desde que a viagem à ilha desconhecida começou que não se vê o homem do leme comer, deve ser porque está a sonhar, apenas a sonhar, e se no sonho lhe apetecesse um pedaço de pão ou uma maçã, seria um puro invento, nada mais. As raízes das árvores já estão penetrando no cavername, não tarda que estas velas içadas deixem de ser precisas, bastará que o vento sopre nas copas e vá encaminhando a caravela ao seu destino. É uma floresta que navega e se balanceia sobre as ondas, uma floresta onde, sem saber-se como, começaram a cantar pássaros, deviam estar escondidos por aí e de repente decidiram sair à luz, talvez porque a seara já esteja madura e é preciso ceifá-la. Então o homem trancou a roda do leme e desceu ao campo com a foice na mão, e foi quando tinha cortado as primeiras espigas que viu uma sombra ao lado da sua sombra. Acordou abraçado à mulher da limpeza, e ela a ele, confundidos os corpos, confundidos os beliches, que não se sabe se este é o de bombordo ou o de estibordo. Depois, mal o sol acabou de nascer, o homem e a mulher foram pintar na proa do barco, de um lado e do outro, em letras brancas, o nome que ainda faltava dar à caravela. Pela hora do meio-dia, com a maré, A Ilha Desconhecida fez-se enfim ao mar, à procura de si mesma
quarta-feira, 16 de junho de 2010
CANÇÃO
quando você passar
por esta praia em qualquer
barco leve a canção
em que te aguardo
depois de ter partido
apenas antes para o mesmo
luar em que nunca
nos encontraremos
você sabe que esperarei o quanto for
preciso para tocar o interior de seus sentidos
deixe-me tecer o seu dia
inteiro com as cordas da minha
inédita noite a aquecer
a aridez pelo mar
quando você passar
a canção
Yuri Miyamura
por esta praia em qualquer
barco leve a canção
em que te aguardo
depois de ter partido
apenas antes para o mesmo
luar em que nunca
nos encontraremos
você sabe que esperarei o quanto for
preciso para tocar o interior de seus sentidos
deixe-me tecer o seu dia
inteiro com as cordas da minha
inédita noite a aquecer
a aridez pelo mar
quando você passar
a canção
Yuri Miyamura
terça-feira, 15 de junho de 2010
Angústias
Perder o nunca tido,
isso tenho perdido.
Areias, dedos, firo,
Faro, fúria, ímpeto.
Fera envolta em linho.
Feroz, em desalinho.
Choro, quando brinco.
Brinca, meu destino.
Brinca, o que há de ser,
sem ser tudo, brinca.
Brinca o desdizer.
Brinca o revelado.
Brincando, o clandestino,
lábio inflamado.
Brinca, o que não é,
pinçado entre as sombras,
caminho não nomeado,
futuro assombra,
segundos antes, de ser passado.
Julio Almada, Livro dos Silêncios
isso tenho perdido.
Areias, dedos, firo,
Faro, fúria, ímpeto.
Fera envolta em linho.
Feroz, em desalinho.
Choro, quando brinco.
Brinca, meu destino.
Brinca, o que há de ser,
sem ser tudo, brinca.
Brinca o desdizer.
Brinca o revelado.
Brincando, o clandestino,
lábio inflamado.
Brinca, o que não é,
pinçado entre as sombras,
caminho não nomeado,
futuro assombra,
segundos antes, de ser passado.
Julio Almada, Livro dos Silêncios
Borboletas
Após a convulsão de corpos, feitos estrelas e redemoinhos, muito se perdeu: ou melhor: muito se deu por perdido: Um par de brincos não localizado na escuridão e nem depois do acender de todas as possíveis luzes: Perdidos ou escondendo-se. Imbuídos do desejo de poder decidir sobre seu destino: Permanecer entre os lençóis, viciados de carícias e lascívia, tornados portos de incineração da angústia. Borboletas: Pensei: As flores que voam sempre povoam nossa imaginação. Pensei havê-las visto: estilizadas nas femininas orelhas da mulher que amei. Ontem: Sexta-feira: Sepulcro da semana: os encontrei: Um par de brincos: borboletas? Não: laçarotes com pedras incrustadas. Adorno de um presente: o corpo dela amealhado a falta do meu.
Julio Almada, Caderno de Ontem
Julio Almada, Caderno de Ontem
Asfixia
Versificar é moer o grito
Do não sonoro com as mãos do ouvido
Estender a presa respiração e
O suspiro
O desenho
Invade a tesoura do infinito.
Júlio Almada
Do não sonoro com as mãos do ouvido
Estender a presa respiração e
O suspiro
O desenho
Invade a tesoura do infinito.
Júlio Almada
Explica estrelas: sacia sedes: defende orvalhos: apascenta lobos: louva gostos: acaricia farpas: grita: geme: reflete: sangra: anuncia: bebe estrelas: sabe de saudades: verte cheiros doces: trança alvoradas e ocasos: grita o grito dos calados: engendra o erro dos sábios: afia o consolo dos caminhos: desenha o verbo das folhas do outono: invade a casa do impreciso: embebe de prazer o constante: inflama a flor dos campos: corrói a erva-daninha: raspa o segredo da lua: planta flores em seu corpo: diverte-se com o silêncio: fala a língua nascitura: bebe a ousadia das eras: desenha a flor da morte prenunciada: conversa primaveras, outonos, invernos, verões e verossimilhanças. Beija tempos e fatos inverossímeis: verbo, adjetivo e substantiva o desconhecido: ignora último e primeiro: legisla com a memória a dor de seu tempo: entende de titubeios e escândalos: queima desenganos: abre euforias: beija amanheceres. Delícia: corta o desvanecimento da virtude: aplaca o vício do vício: constrói o desprover, só de despedidas: extermina a solidão e a encurrala: descobre a casa das estrelas: ama o amor do tempo infinito: ensina a paixão dos redemoinhos: desaparece.
Julio Almada, Caderno de Ontem
Julio Almada, Caderno de Ontem
Coragem, Ana !
perambulei
até
encontrar
um
lugar
onde
eu
pudesse
vomitar
minha
poesia
pagã
coragem, ana!,
que o sal que pinga nas lágrimas de quem tem fome
é mais salgado que os mares do mundo
nada melhor que a sujeira de muitos dias
as folhas e a terra confundindo os cabelos
as pernas cansadas e cada vez mais rígidas
o topo do mundo é debaixo dos galhos
suor escorre
pra unir as pregas do corpo
qualquer que seja o dia da semana
o sol não cede
esse é o preço de viver na brasa
cuidado com os pés, rapaz!
não faz muito tempo que o fogo apagou
não tem muito jeito de viver aqui
de noite tem sempre um barulho no meio do nada
um grito de ódio
um latido de cachorro
um estouro de cano de fusca
há sempre uma palavra rara que nos salta a boca como refluxo
há sempre uma tristeza rala que nos corta as tripas, que nos corta os pulsos
com o tempo, parei de zombar desgraças
evaporou-me o interesse
lá vai a bola
que cai na caixa
que tomba n’água
que cresce em onda
que leva o polvo
que aporta em terra
que cobre a vala
que guarda o morto
que não faz nada
faltam 10 anos para a minha morte súbita
faltam 10 vozes, 10 graves diferentes
sempre me faltarão cartas
sempre me faltarão filhos
e daqui a 10 anos
não me faltará mais nada
morrerei sem saber o que me acontece
do lado, uma cartela colorida
na mente, nada mais que desconexões
faltam 10 anos, meu bem
que eles sejam bem vividos
que eu encarne muitas janis
muitas, muitas, muitas vezes
faltam 10 anos
e eu prometo que não vou chorar
eu fui uma criança que sempre quis muito pular
mas eu não pulava alto nem bonito
só muito
só
muito
é que me atormenta o fim das coisas
* * *
Ana F. tem 19 anos,é libriana e escreve desde criança.Morou em Mateus Leme até recentemente, quando se mudou para Belo Horizonte para cursar biologia na UFMG. Publica exercícios de poesia no Blog: http://www.ornitorrincodefenestrado.blogspot.com/
E-mail: ornitorrincomendes@gmail.com
Fonte:Cronópios
até
encontrar
um
lugar
onde
eu
pudesse
vomitar
minha
poesia
pagã
coragem, ana!,
que o sal que pinga nas lágrimas de quem tem fome
é mais salgado que os mares do mundo
nada melhor que a sujeira de muitos dias
as folhas e a terra confundindo os cabelos
as pernas cansadas e cada vez mais rígidas
o topo do mundo é debaixo dos galhos
suor escorre
pra unir as pregas do corpo
qualquer que seja o dia da semana
o sol não cede
esse é o preço de viver na brasa
cuidado com os pés, rapaz!
não faz muito tempo que o fogo apagou
não tem muito jeito de viver aqui
de noite tem sempre um barulho no meio do nada
um grito de ódio
um latido de cachorro
um estouro de cano de fusca
há sempre uma palavra rara que nos salta a boca como refluxo
há sempre uma tristeza rala que nos corta as tripas, que nos corta os pulsos
com o tempo, parei de zombar desgraças
evaporou-me o interesse
lá vai a bola
que cai na caixa
que tomba n’água
que cresce em onda
que leva o polvo
que aporta em terra
que cobre a vala
que guarda o morto
que não faz nada
faltam 10 anos para a minha morte súbita
faltam 10 vozes, 10 graves diferentes
sempre me faltarão cartas
sempre me faltarão filhos
e daqui a 10 anos
não me faltará mais nada
morrerei sem saber o que me acontece
do lado, uma cartela colorida
na mente, nada mais que desconexões
faltam 10 anos, meu bem
que eles sejam bem vividos
que eu encarne muitas janis
muitas, muitas, muitas vezes
faltam 10 anos
e eu prometo que não vou chorar
eu fui uma criança que sempre quis muito pular
mas eu não pulava alto nem bonito
só muito
só
muito
é que me atormenta o fim das coisas
* * *
Ana F. tem 19 anos,é libriana e escreve desde criança.Morou em Mateus Leme até recentemente, quando se mudou para Belo Horizonte para cursar biologia na UFMG. Publica exercícios de poesia no Blog: http://www.ornitorrincodefenestrado.blogspot.com/
E-mail: ornitorrincomendes@gmail.com
Fonte:Cronópios
Měsíčku no nebi hlubokém (Canção à Lua)
Renée Fleming
Antonín Dvořák. Opera Rusalka.
Czech:
Měsíčku no nebi hlubokém,
světlo tvé daleko vidí,
po světě bloudíš širokém,
díváš se v příbytky lidí.
Měsíčku, postůj chvíli,
řekni mi, kde je můj milý!
Řekni mu, stříbrný měsíčku,
mé že jej objímá rámě,
aby si alespoň chviličku
vzpomenul ve snění no mne.
Zasvit mu do daleka,
řekni mu, kdo tu naň čeká!
O mně-li duše lidská sní,
af se tou vzpomínkou vzbudí!
Měsíčku, nezhasni, nezhasni!
Español:
Luna, que con tu luz iluminas todo
desde las profundidades del cielo
y vagas por la superficie de la tierra
bañando con tu mirada el hogar de los hombres.
¡Luna, detente un momento
y dime dónde se encuentra mi amor!
Dile, luna plateada,
que es mi brazo quien lo estrecha,
para que se acuerde de mí
al menos un instante.
¡Búscalo por el vasto mundo
y dile, dile que lo espero aquí!
Y si soy yo con quien su alma sueña
que este pensamiento lo despierte.
¡Luna, no te vayas, no te vayas!
English:
Silver moon upon the deep dark sky,
Through the vast night pierce your rays.
This sleeping world you wonder by,
Smiling on men’s homes and ways.
Oh moon ere past you glide, tell me,
Tell me, oh where does my loved one bide?
Tell him, oh tell him, my silver moon,
Mine are the arms that shall hold him,
That between waking and sleeping
Think of the love that enfolds him.
May between waking and sleeping
Think of the love that enfolds him.
Light his path far away, light his path,
Tell him, oh tell him who does for him stay!
Human soul, should it dream of me,
Let my memory wakened be.
Moon, oh moon, oh do not wane, do not wane,
Moon, oh moon, do not wane
Antonín Dvořák. Opera Rusalka.
Czech:
Měsíčku no nebi hlubokém,
světlo tvé daleko vidí,
po světě bloudíš širokém,
díváš se v příbytky lidí.
Měsíčku, postůj chvíli,
řekni mi, kde je můj milý!
Řekni mu, stříbrný měsíčku,
mé že jej objímá rámě,
aby si alespoň chviličku
vzpomenul ve snění no mne.
Zasvit mu do daleka,
řekni mu, kdo tu naň čeká!
O mně-li duše lidská sní,
af se tou vzpomínkou vzbudí!
Měsíčku, nezhasni, nezhasni!
Español:
Luna, que con tu luz iluminas todo
desde las profundidades del cielo
y vagas por la superficie de la tierra
bañando con tu mirada el hogar de los hombres.
¡Luna, detente un momento
y dime dónde se encuentra mi amor!
Dile, luna plateada,
que es mi brazo quien lo estrecha,
para que se acuerde de mí
al menos un instante.
¡Búscalo por el vasto mundo
y dile, dile que lo espero aquí!
Y si soy yo con quien su alma sueña
que este pensamiento lo despierte.
¡Luna, no te vayas, no te vayas!
English:
Silver moon upon the deep dark sky,
Through the vast night pierce your rays.
This sleeping world you wonder by,
Smiling on men’s homes and ways.
Oh moon ere past you glide, tell me,
Tell me, oh where does my loved one bide?
Tell him, oh tell him, my silver moon,
Mine are the arms that shall hold him,
That between waking and sleeping
Think of the love that enfolds him.
May between waking and sleeping
Think of the love that enfolds him.
Light his path far away, light his path,
Tell him, oh tell him who does for him stay!
Human soul, should it dream of me,
Let my memory wakened be.
Moon, oh moon, oh do not wane, do not wane,
Moon, oh moon, do not wane
domingo, 13 de junho de 2010
“It’s my body”
“Era-se um tempo em que a Barbie nem podia dobrar
os joelhos”, eu falo para minhas sobrinhas Kerri e Katie
que sentam na minha frente no chão da sala
desta América de colarinho azul e rosa. Estão abrochando as minúsculas
calças de courino
nas suas Barbies Roqueiras
e grandes guitarras pretas
sobre seus ossudos quadris de relâmpago. Katie me entrega
sua boneca porque precisa da minha ajuda
com os pequenos botões que serpenteiam nas costas
da blusinha tomara que caia da Barbie. “Minha primeira Barbie
nem podia mover a cintura”. Eu estou falando como alguém
que já vivesse o suficiente
para ver mudanças significativas. Minhas sobrinhas
estão de costas para a TV que parece estar sempre ligada,
onde eu estiver. E atrás de suas cabecinhas
loiras inocentes, Jessica Hahn
faz uma aparência-relâmpago num vídeo da MTV.
Ela roda como uma sexy bola de pinball ,
e tenta desesperadamente sair de uma jaula côncava.
“O corpo é meu”, recentemente ouvi ela dizer
numa entrevista matinal na TV. Ela começou
justificando suas fotos nuas na Playboy.
“O corpo é meu”, ela repete
como uma boneca Chatty Cathy
com um disco arranhado enfiado nas costas.
“O corpo é meu”, ela começava a responder
a toda e qualquer pergunta do entrevistador –
onde ela cresceu, se ainda vai à igreja.
“O corpo é meu?”
Ainda assim as palavras eram as mesmas,
mas quanto mais acusações, mais mudavam
suas inflexões. Jessica olhava para além
do set onde alguém lhe parecia estar dando
pistas. Meu namorado dava risada.
“Que tal pôr um pouco de convicção nisso, Jessica?”,
ele falava para a TV. Então, tentando estimular
mais a conversa, ele me dizia, “Olha, meu bem,
ela nem parece saber se o corpo é seu
ou não!” Ele tinha razão
mas sabia enquanto o colocava
que tinha escolhido as palavras erradas.
Eu tinha bebido muito café. Encontrei-me
defendendo Jessica energicamente,
culpando sua desorientação
como resposta a nossa sociedade misógina –
o deslocamento que todas as mulheres sentem
do seu eu corporal.
E depois com todas essas teorias que eu vinha lendo!
Ele foi trabalhar mais ou menos concordando
mas dizia também que o tinha deixado exaurido.
E agora minha irmã me culpa da mesma coisa
porque assinalo para Katie que ela está errada
ao pensar que só meninos devem sujar-se
e só meninas usarem brincos.
“As pessoas devem fazer qualquer coisa que desejarem”.
Discorro sobre minha amiga que usa capacete
quando vai ao trabalho onde mexe
com eletricidade igual seu pai.
Katie brinca com seus cadarços
e pede suquinho. Minha irmã diz,
“Deixe ela em paz. Nem entrou no primário ainda”.
Kerri, a maior, se concentra, tentando
passar um grande pente para humanos
no cabelo sintético cheio de gel
da boneca. Por tanta força que exige desemaranhá-lo
de repente, sem querer, sai a cabeça da Barbie,
e uma menor, sem rosto, suporte apenas,
emerge do pescoço. Por um instante
nós todas – dois pares de irmãs, com um
intervalo de vinte anos – compartimos a epifania
sobre Mattel: lavagem cerebral, pedaço de plástico
que nos diz quem Barbie é. Mas logo
o rosto de Kerri é todo pânico, como esperando um castigo.
As lágrimas despontam no canto dos seus olhos.
Faço um resgate rápido,
enfiando a cabecinha moldada
de novo no corpo, seus traços maleáveis
se distorcendo sob meu polegar. Apesar de boneca adulta,
sua moleira ainda está aberta. Sob a pressão
do meu toque, seu rosto esmaga, como alguém
que se olha na casa dos espelhos.
Mas ao soltá-la, ela imediatamente volta,
o sorrisinho educado, o nariz perfeito
e pronta para pôr tudo em seu lugar:
a Barbie pertence à América -
metade vítima, metade pequeno soldado
cor-de-rosa
“It’s my body”
(Orchises Press, 1997)
Tradução: Miriam Adelman
Revisão: Sabrina Lopes.
os joelhos”, eu falo para minhas sobrinhas Kerri e Katie
que sentam na minha frente no chão da sala
desta América de colarinho azul e rosa. Estão abrochando as minúsculas
calças de courino
nas suas Barbies Roqueiras
e grandes guitarras pretas
sobre seus ossudos quadris de relâmpago. Katie me entrega
sua boneca porque precisa da minha ajuda
com os pequenos botões que serpenteiam nas costas
da blusinha tomara que caia da Barbie. “Minha primeira Barbie
nem podia mover a cintura”. Eu estou falando como alguém
que já vivesse o suficiente
para ver mudanças significativas. Minhas sobrinhas
estão de costas para a TV que parece estar sempre ligada,
onde eu estiver. E atrás de suas cabecinhas
loiras inocentes, Jessica Hahn
faz uma aparência-relâmpago num vídeo da MTV.
Ela roda como uma sexy bola de pinball ,
e tenta desesperadamente sair de uma jaula côncava.
“O corpo é meu”, recentemente ouvi ela dizer
numa entrevista matinal na TV. Ela começou
justificando suas fotos nuas na Playboy.
“O corpo é meu”, ela repete
como uma boneca Chatty Cathy
com um disco arranhado enfiado nas costas.
“O corpo é meu”, ela começava a responder
a toda e qualquer pergunta do entrevistador –
onde ela cresceu, se ainda vai à igreja.
“O corpo é meu?”
Ainda assim as palavras eram as mesmas,
mas quanto mais acusações, mais mudavam
suas inflexões. Jessica olhava para além
do set onde alguém lhe parecia estar dando
pistas. Meu namorado dava risada.
“Que tal pôr um pouco de convicção nisso, Jessica?”,
ele falava para a TV. Então, tentando estimular
mais a conversa, ele me dizia, “Olha, meu bem,
ela nem parece saber se o corpo é seu
ou não!” Ele tinha razão
mas sabia enquanto o colocava
que tinha escolhido as palavras erradas.
Eu tinha bebido muito café. Encontrei-me
defendendo Jessica energicamente,
culpando sua desorientação
como resposta a nossa sociedade misógina –
o deslocamento que todas as mulheres sentem
do seu eu corporal.
E depois com todas essas teorias que eu vinha lendo!
Ele foi trabalhar mais ou menos concordando
mas dizia também que o tinha deixado exaurido.
E agora minha irmã me culpa da mesma coisa
porque assinalo para Katie que ela está errada
ao pensar que só meninos devem sujar-se
e só meninas usarem brincos.
“As pessoas devem fazer qualquer coisa que desejarem”.
Discorro sobre minha amiga que usa capacete
quando vai ao trabalho onde mexe
com eletricidade igual seu pai.
Katie brinca com seus cadarços
e pede suquinho. Minha irmã diz,
“Deixe ela em paz. Nem entrou no primário ainda”.
Kerri, a maior, se concentra, tentando
passar um grande pente para humanos
no cabelo sintético cheio de gel
da boneca. Por tanta força que exige desemaranhá-lo
de repente, sem querer, sai a cabeça da Barbie,
e uma menor, sem rosto, suporte apenas,
emerge do pescoço. Por um instante
nós todas – dois pares de irmãs, com um
intervalo de vinte anos – compartimos a epifania
sobre Mattel: lavagem cerebral, pedaço de plástico
que nos diz quem Barbie é. Mas logo
o rosto de Kerri é todo pânico, como esperando um castigo.
As lágrimas despontam no canto dos seus olhos.
Faço um resgate rápido,
enfiando a cabecinha moldada
de novo no corpo, seus traços maleáveis
se distorcendo sob meu polegar. Apesar de boneca adulta,
sua moleira ainda está aberta. Sob a pressão
do meu toque, seu rosto esmaga, como alguém
que se olha na casa dos espelhos.
Mas ao soltá-la, ela imediatamente volta,
o sorrisinho educado, o nariz perfeito
e pronta para pôr tudo em seu lugar:
a Barbie pertence à América -
metade vítima, metade pequeno soldado
cor-de-rosa
“It’s my body”
(Orchises Press, 1997)
Tradução: Miriam Adelman
Revisão: Sabrina Lopes.
Destino Manifesto
Nas Filipinas
as trabalhadoras das fábricas
de bonecas de moda
recebem um bônus em dinheiro
se se esterilizam. Nas esteiras,
rodam com excesso de velocidade
pedaços de corpos.
Nada a ver com o famoso episódio da tv
quando Lucy e Ethel experimentam
um dia de trabalho, botando chocolates dentro de caixas
numa linha de produção nos Estados Unidos. Elas
enchem suas bocas com uma boa parte
dos doces que vêm velozmente, dão risadas
de baba marrom quando são despedidas porque
realmente não tem importância –
Ricky e Fred têm bons empregos.
Para provar que são eles mesmos
os que devem trabalhar,
os garotos fazem uma bagunça na cozinha
da Lucy, uma panela de arroz explodindo
como um vulcão branco. As mulheres
nas Filipinas e noutros lugares ponderam
o big business, os benefícios de descontinuar
a própria linhagem. Nos seus sonhos
estas mulheres embalam úteros de Toys R Us
enquanto uma Barbie estéril, seu cabelo preso
sob um capacete de Lucite, finca a bandeira da Mattel
numa lua que pouco convence.
Denise Duhamel -Sibila
[do livro KINKY],
tradução Miriam Adelman
as trabalhadoras das fábricas
de bonecas de moda
recebem um bônus em dinheiro
se se esterilizam. Nas esteiras,
rodam com excesso de velocidade
pedaços de corpos.
Nada a ver com o famoso episódio da tv
quando Lucy e Ethel experimentam
um dia de trabalho, botando chocolates dentro de caixas
numa linha de produção nos Estados Unidos. Elas
enchem suas bocas com uma boa parte
dos doces que vêm velozmente, dão risadas
de baba marrom quando são despedidas porque
realmente não tem importância –
Ricky e Fred têm bons empregos.
Para provar que são eles mesmos
os que devem trabalhar,
os garotos fazem uma bagunça na cozinha
da Lucy, uma panela de arroz explodindo
como um vulcão branco. As mulheres
nas Filipinas e noutros lugares ponderam
o big business, os benefícios de descontinuar
a própria linhagem. Nos seus sonhos
estas mulheres embalam úteros de Toys R Us
enquanto uma Barbie estéril, seu cabelo preso
sob um capacete de Lucite, finca a bandeira da Mattel
numa lua que pouco convence.
Denise Duhamel -Sibila
[do livro KINKY],
tradução Miriam Adelman
sábado, 12 de junho de 2010
Comi ela.
Comi ela.
Lágrimas correram.
Não gostei, mas comi.
Quando a vi
pisquei e decidi
vo pegá ela.
Disfarcei,
andei pra lá
andei pra cá.
Quando não havia
ninguém à vista
me acheguei
me abaixei
me estiquei todo.
Após tanto esforço
peguei ela
e comi ela.
Inteira.
A última cebola
do canteiro da vizinha velha
da prima da minha tia
que eu tava visitando.
Deisi Perin
po&teias
Lágrimas correram.
Não gostei, mas comi.
Quando a vi
pisquei e decidi
vo pegá ela.
Disfarcei,
andei pra lá
andei pra cá.
Quando não havia
ninguém à vista
me acheguei
me abaixei
me estiquei todo.
Após tanto esforço
peguei ela
e comi ela.
Inteira.
A última cebola
do canteiro da vizinha velha
da prima da minha tia
que eu tava visitando.
Deisi Perin
po&teias
Espero...
Espero...
o que não vem.
De longe quero
o que de perto escondo.
Sentimento doído,
grito calado.
Ausência.
Só sofre
quem por amor
( ou sem ele )
morreria
.
Deisi Perin
o que não vem.
De longe quero
o que de perto escondo.
Sentimento doído,
grito calado.
Ausência.
Só sofre
quem por amor
( ou sem ele )
morreria
.
Deisi Perin
A ARTE DE AMAR
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus – ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Manuel Bandeira
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus – ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Manuel Bandeira
Grau
sorte sua,
a minha
hipermetropia.
por conta disso,
de perto,
nunca enxerguei
direito
seus defeitos.
Lúcia Gönczy
a minha
hipermetropia.
por conta disso,
de perto,
nunca enxerguei
direito
seus defeitos.
Lúcia Gönczy
Morre o “Samurai da sombra” da literatura brasileira
Por Ricardo Peruchi
Faleceu nesta madrugada o editor de livros Massao Ohno aos 74 anos. Responsável pelo lançamento de várias gerações de autores, principalmente poetas, Ohno atuou quase sempre como uma pequena editora independente, muito mais como um artista do livro do que como empresário. Foi considerado por especialistas, como o bibliófilo José Mindlin, como um dos principais designers de livro do Brasil, tendo inovado em formatos, uso de papéis e cortes especiais e introduzido no país elementos gráficos das escolas polonesa e oriental, algumas de suas influências, em trabalho meticuloso e artesanal.
Começou a Editora Massao Ohno em meados da década de 50, dando forma inicialmente a apostilas e títulos didáticos destinados a estudantes de cursinhos pré-vestibulares, especialmente o Anglo. Trabalhava para quem podia pagar e financiava os jovens talentos do próprio bolso a fundo perdido. Lançou em 1960 a “Antologia dos novíssimos”, uma das mais importantes coletâneas de novos poetas da História da Literatura Brasileira.
Revelou nomes como Roberto Piva, Cláudio Willer, Jorge Mautner, Renata Pallottini, Carlos Vogt, Cunha Lima, Celso Luís Paulini, Paulo del Greco, Carlos Felipe Moisés, Eduardo Alves da Costa, dentre muitos outros. Foi também o principal editor da carreira de Hilda Hilst. Quando todos os grandes editores se recusaram a publicá-la em sua dita “fase erótica” – ou “pornográfica”, para alguns – temerosos da polêmica, novamente foi Massao quem mandou imprimir sob seu selo “O Caderno Rosa de Lory Lambi”, que deu novo fôlego à trajetória da autora. Calcula-se que Massao tenha editado mais de mil livros ao todo, a maioria esgotados e hoje itens de colecionador.
Filho de japoneses, formado em odontologia, profissão que nunca chegou a exercer, dedicou toda sua carreira às letras, mas militou também no cinema, tendo co-produzido filmes como “Viagem ao fim do mundo” (1967), de Fernando Coni Campos, e “O bandido da luz vermelha” (1968), de Rogério Sganzerla.
O que disseram sobre Massao Ohno
“É um samurai da sombra.”
Antonio Fernando De Franceschi, poeta.
“Trabalhador do invisível, luminoso nissei, esbelto que, nas horas vagas, seduzia as poetas da nossa juventude, bebedor de uísque e filósofo oriental.”
Renata Pallottini, poeta e dramaturga.
“É talvez o maior editor desorganizado que melhor contribuiu para organizar a poesia brasileira jovem durante pelo menos três décadas.”
Carlos Vogt, poeta e acadêmico.
“Falar de Massao só será possível na linguagem da poesia. É um poeta dos livros, um monge que dedicou sua vida a isto. Publicou a Antologia dos novíssimos, em 1960, na velha prensa da rua Vergueiro. Ele está aí nesse meio como um Dom Quixote a combater a miséria de um tempo feito quase só de angústias.”
Álvaro Alves de Faria, poeta e romancista.
“Ele terá sido um dos poucos que, ao decidir uma edição, não levava em conta se ela seria vendável ou não. (…) Sua obra editorial, no entanto, permanecerá.”
José Mindlin
Fonte: Instituto Moreira Salles
Faleceu nesta madrugada o editor de livros Massao Ohno aos 74 anos. Responsável pelo lançamento de várias gerações de autores, principalmente poetas, Ohno atuou quase sempre como uma pequena editora independente, muito mais como um artista do livro do que como empresário. Foi considerado por especialistas, como o bibliófilo José Mindlin, como um dos principais designers de livro do Brasil, tendo inovado em formatos, uso de papéis e cortes especiais e introduzido no país elementos gráficos das escolas polonesa e oriental, algumas de suas influências, em trabalho meticuloso e artesanal.
Começou a Editora Massao Ohno em meados da década de 50, dando forma inicialmente a apostilas e títulos didáticos destinados a estudantes de cursinhos pré-vestibulares, especialmente o Anglo. Trabalhava para quem podia pagar e financiava os jovens talentos do próprio bolso a fundo perdido. Lançou em 1960 a “Antologia dos novíssimos”, uma das mais importantes coletâneas de novos poetas da História da Literatura Brasileira.
Revelou nomes como Roberto Piva, Cláudio Willer, Jorge Mautner, Renata Pallottini, Carlos Vogt, Cunha Lima, Celso Luís Paulini, Paulo del Greco, Carlos Felipe Moisés, Eduardo Alves da Costa, dentre muitos outros. Foi também o principal editor da carreira de Hilda Hilst. Quando todos os grandes editores se recusaram a publicá-la em sua dita “fase erótica” – ou “pornográfica”, para alguns – temerosos da polêmica, novamente foi Massao quem mandou imprimir sob seu selo “O Caderno Rosa de Lory Lambi”, que deu novo fôlego à trajetória da autora. Calcula-se que Massao tenha editado mais de mil livros ao todo, a maioria esgotados e hoje itens de colecionador.
Filho de japoneses, formado em odontologia, profissão que nunca chegou a exercer, dedicou toda sua carreira às letras, mas militou também no cinema, tendo co-produzido filmes como “Viagem ao fim do mundo” (1967), de Fernando Coni Campos, e “O bandido da luz vermelha” (1968), de Rogério Sganzerla.
O que disseram sobre Massao Ohno
“É um samurai da sombra.”
Antonio Fernando De Franceschi, poeta.
“Trabalhador do invisível, luminoso nissei, esbelto que, nas horas vagas, seduzia as poetas da nossa juventude, bebedor de uísque e filósofo oriental.”
Renata Pallottini, poeta e dramaturga.
“É talvez o maior editor desorganizado que melhor contribuiu para organizar a poesia brasileira jovem durante pelo menos três décadas.”
Carlos Vogt, poeta e acadêmico.
“Falar de Massao só será possível na linguagem da poesia. É um poeta dos livros, um monge que dedicou sua vida a isto. Publicou a Antologia dos novíssimos, em 1960, na velha prensa da rua Vergueiro. Ele está aí nesse meio como um Dom Quixote a combater a miséria de um tempo feito quase só de angústias.”
Álvaro Alves de Faria, poeta e romancista.
“Ele terá sido um dos poucos que, ao decidir uma edição, não levava em conta se ela seria vendável ou não. (…) Sua obra editorial, no entanto, permanecerá.”
José Mindlin
Fonte: Instituto Moreira Salles
terça-feira, 8 de junho de 2010
Vaivém
Vai…
Espaço curvo e finito
Oculta consciência de não ser,
Ou de ser num estar que me transcende,
Numa rede de presenças e ausências,
Numa fuga para o ponto de partida:
Um perto que é tão longe, um longe aqui.
Uma ânsia de estar e de temer
A semente que de ser se surpreende,
As pedras que repetem as cadências
Da onda sempre nova e repetida
Que neste espaço curvo vem de ti.
(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)
…Vem
Sublimemos, amor. Assim as flores
No jardim não morreram se o perfume
No cristal da essência se defende.
Passemos nós as provas, os ardores:
Não caldeiam instintos sem o lume
Nem o secreto aroma que rescende.
José Saramago, in “Os Poemas Possíveis”
Espaço curvo e finito
Oculta consciência de não ser,
Ou de ser num estar que me transcende,
Numa rede de presenças e ausências,
Numa fuga para o ponto de partida:
Um perto que é tão longe, um longe aqui.
Uma ânsia de estar e de temer
A semente que de ser se surpreende,
As pedras que repetem as cadências
Da onda sempre nova e repetida
Que neste espaço curvo vem de ti.
(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)
…Vem
Sublimemos, amor. Assim as flores
No jardim não morreram se o perfume
No cristal da essência se defende.
Passemos nós as provas, os ardores:
Não caldeiam instintos sem o lume
Nem o secreto aroma que rescende.
José Saramago, in “Os Poemas Possíveis”
segunda-feira, 7 de junho de 2010
domingo, 6 de junho de 2010
sábado, 5 de junho de 2010
Tango tinto
No exílio do quarto escuro,
Tragando spleens de Baudelaire,
Entre três tangos e dois tintos
Redescubro meu lado impuro,
Amaldiçoado, sórdido, porém — por que não? — distinto!
Ora, sou caído, não minto...
A Decadência, velha rota, sem dentes,
Me diverte, pulando saltos frementes,
Tangueando, bêbada, só e torta...
Cambaleia a doida (coitada...) e ri, indecente...
Maldito sou! (a natureza condena)
Pois bem! Dancemos, bela bêbada velha!
Tornemos mais rota e impura a cena,
Sangremos de tinto a tela imperfeita,
Bailemos, para levarmos à Noite a cor vermelha!
Ricardo Ruiz
E-Mail: ruiz777@brturbo.com
fonte: Releituras
Tragando spleens de Baudelaire,
Entre três tangos e dois tintos
Redescubro meu lado impuro,
Amaldiçoado, sórdido, porém — por que não? — distinto!
Ora, sou caído, não minto...
A Decadência, velha rota, sem dentes,
Me diverte, pulando saltos frementes,
Tangueando, bêbada, só e torta...
Cambaleia a doida (coitada...) e ri, indecente...
Maldito sou! (a natureza condena)
Pois bem! Dancemos, bela bêbada velha!
Tornemos mais rota e impura a cena,
Sangremos de tinto a tela imperfeita,
Bailemos, para levarmos à Noite a cor vermelha!
Ricardo Ruiz
E-Mail: ruiz777@brturbo.com
fonte: Releituras
- do livro artesanal - cigarras no apocalipse:
pelo dia mundial do meio ambiente...
*
Decreto:
Proibido derrubar
qualquer árvore
(exceto para
construir
berços
e violinos)
Bárbara Lia
pelo dia mundial do meio ambiente...
*
Decreto:
Proibido derrubar
qualquer árvore
(exceto para
construir
berços
e violinos)
Bárbara Lia
Poemas de P. P. Pasolini
Nella notte una precoce pioggia profuma
le insonni felicità dell’ esistenza.
Na noite uma precoce chuva perfuma
as insones felicidades da existência.
*
Bisogna bruciare per arrivare
consumati all’ ultimo fuoco.
E preciso queimar para chegar
consumidos ao derradeiro fogo
tradução: Berenice Lamas
fonte: Sibila
le insonni felicità dell’ esistenza.
Na noite uma precoce chuva perfuma
as insones felicidades da existência.
*
Bisogna bruciare per arrivare
consumati all’ ultimo fuoco.
E preciso queimar para chegar
consumidos ao derradeiro fogo
tradução: Berenice Lamas
fonte: Sibila
Nome
O homem agiu sem dúvida. Nascida a primeira filha, sem consultar a mulher, partiu para o cartório já com o pensamento obstinado a inaugurar um nome que, faltando alcance geral para torná-lo algo como uma linhagem, seria ao menos causa de admiração pela beleza e ineditismo. Assinatura. Nasceu Assinatura apesar dos esforços escrivãos em dissuadir o pai. Uma ameaça calou mais que mil palavras e imprimiu a certidão com um sêlo, muito a contragosto.
Já a mulher se acostumara ao jeito do marido. na segunda gravidez acompanhava aquele remoejo de boca à elaboração do nome do filho ou filha, cujo segredo o pai impunha, ao calar com um simples olhar as investidas da mulher em torno do desejo de um nome. Ela, a mãe, não tinha direito ao nome já que tinha ao feto; calava-se.
A mesma história se repete. Do hospital, assim que vê a criança, examina-lhe a saúde, a normalidade, o sexo e dirige-se ao cartório. Dessa vez batizou Rubrica. O mesmo escrivão flexibilizou-se perante à logica das escolhas; balbuciou uns prós e contras, mas a repelência das lembranças deu causa ganha ao registrante.
E assim, ali estavam as duas certidões. Assinatura e Rubrica, como irmãs na carne, unidas pelo sobrenome comum, exercendo um forte laço e significado entre ambas. Mais que isso, faziam às vezes a representação uma da outra, papel este mais recorrente à Rubrica.
A terceira gravidez não foi adiante. A criança, um menino. Para frustração do pai, que não pode repassar seu legado. Que aliás, poderia não ser para o filho algo a que pudesse assumir. Afinal, quem seria ele de fato sendo Pseudônimo?
Maria José de Menezes
Já a mulher se acostumara ao jeito do marido. na segunda gravidez acompanhava aquele remoejo de boca à elaboração do nome do filho ou filha, cujo segredo o pai impunha, ao calar com um simples olhar as investidas da mulher em torno do desejo de um nome. Ela, a mãe, não tinha direito ao nome já que tinha ao feto; calava-se.
A mesma história se repete. Do hospital, assim que vê a criança, examina-lhe a saúde, a normalidade, o sexo e dirige-se ao cartório. Dessa vez batizou Rubrica. O mesmo escrivão flexibilizou-se perante à logica das escolhas; balbuciou uns prós e contras, mas a repelência das lembranças deu causa ganha ao registrante.
E assim, ali estavam as duas certidões. Assinatura e Rubrica, como irmãs na carne, unidas pelo sobrenome comum, exercendo um forte laço e significado entre ambas. Mais que isso, faziam às vezes a representação uma da outra, papel este mais recorrente à Rubrica.
A terceira gravidez não foi adiante. A criança, um menino. Para frustração do pai, que não pode repassar seu legado. Que aliás, poderia não ser para o filho algo a que pudesse assumir. Afinal, quem seria ele de fato sendo Pseudônimo?
Maria José de Menezes
quinta-feira, 3 de junho de 2010
terça-feira, 1 de junho de 2010
Delírio
Busco a canção que me toque
Desfaço prosaísmos e cálculos
Para rebentar em tuas salinas
O delírio de jabuticabas e abelhas
Tua língua desce
Infiltra-se no caminho da solidão
Vagueio no sombrio de teus medos
A canção afina enleios
procuro-te nos íntimos
Olhares estilhaçam manhãs
Cida Sepulveda
do livro Fronteiras – Poemas de Cida Sepulveda – editora Pontes
Desfaço prosaísmos e cálculos
Para rebentar em tuas salinas
O delírio de jabuticabas e abelhas
Tua língua desce
Infiltra-se no caminho da solidão
Vagueio no sombrio de teus medos
A canção afina enleios
procuro-te nos íntimos
Olhares estilhaçam manhãs
Cida Sepulveda
do livro Fronteiras – Poemas de Cida Sepulveda – editora Pontes
TODOS NECESITAMOS
Todos debemos alguna vez, creer
En el poder de los sueños
Que de un amor, somos dueños
Y que es posible, un mundo mejor.
Todos, debemos a menudo, creer
En la alegría. Esa fuerza que mitiga
Todo dolor, cualquier carga
Y abre puertas a alternativas
Menos amargas, más perfectas.
Todos, debemos alguna vez, creer,
En algo superior
En un Poder, capaz de derrotar el odio
En una fuerza, que diluya la amargura
E ilumine toda alma, ensombrecida.
Todos debemos a menudo, creer
En lo posible de conectarnos
A un universo sublime,
Que es creativo, que inspira
Mostrándonos lo mejor, de la vida.
Todos debemos alguna vez, creer
En el poder de nuestros sueños
Capaces de concretarse, en utopías.
Todos debemos a menudo, creer
En la magia de la vida.
Todos debemos siempre, creer
En el poder del amor.
Emilia Olivera 29/05/10
fonte: elfausto
En el poder de los sueños
Que de un amor, somos dueños
Y que es posible, un mundo mejor.
Todos, debemos a menudo, creer
En la alegría. Esa fuerza que mitiga
Todo dolor, cualquier carga
Y abre puertas a alternativas
Menos amargas, más perfectas.
Todos, debemos alguna vez, creer,
En algo superior
En un Poder, capaz de derrotar el odio
En una fuerza, que diluya la amargura
E ilumine toda alma, ensombrecida.
Todos debemos a menudo, creer
En lo posible de conectarnos
A un universo sublime,
Que es creativo, que inspira
Mostrándonos lo mejor, de la vida.
Todos debemos alguna vez, creer
En el poder de nuestros sueños
Capaces de concretarse, en utopías.
Todos debemos a menudo, creer
En la magia de la vida.
Todos debemos siempre, creer
En el poder del amor.
Emilia Olivera 29/05/10
fonte: elfausto
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