quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Marilia Kubota

Ontem fui tomar caldo-de-cana na Praça 29 de Março. Na terra em que nasci, Paranaguá, caldo-de-cana se chama "garapa". Da infância, lembro de uma bebida estranha, sorvida em tacinhas de metal, com filtros de papel, na festa em homenagem à Nossa Senhora do Rocio. Só em Curitiba, a garapa passou a ser caldo-de-cana, e deixar de ser a bebida estranha da festa popular.
Há cerca de duas semanas, na barraca em que costumo tomar caldo-de-cana na Praça 29, um trio chegou. Não sabia se tomava ali ou levava a bebida para o escritório. Afinal decidiram tomar ali . Além de mim, a dona do caldo-de-cana teve que atender outra pessoa que chegava, um carteiro. Pelo visto, o carteiro sempre passava por ali. A senhora ficou um pouco confusa por ter que atender tanta gente. Uma das pessoas do trio começou a zombar, dizendo que a "tia" não conseguia fazer tudo ao mesmo tempo: extrair o caldo, servir e receber o dinheiro de cinco clientes. Não sei se ela ouviu, mas achei cruel. Eu e o carteiro ficamos em silêncio, esperando que ela encontrasse o tempo dela. Na semana anterior, quando fazia um belo dia de sol eu havia parado ali para conversar. Pedi o caldo e, com tempo, papeamos sobre primavera, passarinhos e árvores.
Contar, ler ou ouvir histórias talvez seja perder tempo. Não há nada pior do "perder tempo" na sociedade time’s money. Mas também penso numa crônica de Lya Luft, que dizia que a leitura era útil para os que estão doentes ou são mais velhos. Talvez eu tenha nascido velha, por isso os mais jovens, enérgicos e competitivos sempre me pareceram agressivos e cruéis. Ainda ouço pessoas mais jovens ou rápidas do que eu dizerem que sou muito lenta, tímida e que faço coisas de gente velha. Elas me falam e pensam que não ouço. Tenho certeza que sempre se ouve qualquer sinal de impaciência dos mais jovens, por isso a crueldade. Não se pode fazer nada, essa "ética" demanda de uma sociedade competitiva. Mas acredito que no plano pessoal, cultivar a paciência traz o beneficio mínimo de ouvir belas histórias.


Nenhum comentário: