sábado, 13 de agosto de 2016

Todas as noites, depois das aulas, Lourdes percorria um longo caminho até chegar em casa. Se ela atravessasse o cemitério chegaria mais rápido. Mas a garota não ousava desobedecer à mãe, que a proibira de atravessar o cemitério para cortar caminho.
Na noite de sexta-feira, a lua cheia brilhava no céu limpo, e a luz do luar motivou Lourdes a cortar caminho por dentro do cemitério. Seria só uma vez e sua mãe nunca ficaria sabendo.
A garota pulou a mureta do cemitério e seguiu andando cuidadosamente por entre os jazigos.
Lourdes caminhava com os olhos fixados para frente, com os passos apertados e o material escolar apertado contra o peito.
Na metade do caminho ela divisou a imagem de uma moça sentada sobre o tumulo. Sua cabeça estava abaixada, parecia estar compenetrada, pensando em alguma coisa. Lourdes diminuiu os passos, quase parou. Pensou em correr, fugir, mas era só uma moça.
Quando Lourdes chegou mais perto, a moça desconhecida ergueu sua cabeça. Revelou sua pele pálida e seus olhos esbranquiçados, neutros.
— O que faz aqui? – perguntou a desconhecida.
— Estou indo embora para a casa – se explicou Lourdes.
— Você não pode andar por aqui durante a noite, é falta de respeito.
— Me desculpe, é só essa noite.
— Gostaria de ficar presa aqui para sempre?
A pergunta fez Lourdes estremecer. Ela deu dois passos para trás.
— Eu só quero voltar para a casa. Prometo que não passo mais por aqui.
— Não quero saber de suas promessas – irritou-se a desconhecida, se levantando do tumulo – Você usou a morada dos mortos como um atalho. Gostaria que gente estranha usasse sua casa para cortar o caminho?
Lourdes virou-se para fugir, mas a desconhecida subitamente surgiu em sua frente. A garota caiu de costas no chão junto com seus materiais escolares.
— Me perdoe, eu não sabia – disse Lourdes.
— Você irá ficar presa aqui para sempre, nunca mais voltará para sua casa! – condenou a desconhecida.
— Não! Não faça isso! Por favor, me deixe ir embora! – pediu Lourdes em desespero.
— Eu só posso deixá-la sair do cemitério com uma condição.
— Qual?
— Terás que me dar um presente.
— Presente? Mas que presente?
— Pode dar qualquer coisa que lhe pertença e eu a deixarei ir embora.
Lourdes pensou por um minuto e lembrou-se de seus brincos.
— Eu lhe dou os meus brincos.
No momento em que pegou os brincos, a pele da desconhecida ganhou vida e seus olhos, que eram opacos, tornaram-se vibrantes.
— Posso ir embora? – perguntou Lourdes, enquanto se abaixava para recolher seus materiais. Porém, seus dedos atravessaram o livro como se ele fosse um holograma.
— O que é isso? – se assustou Lourdes, olhando suas mãos pálidas.
— Você está presa neste cemitério – disse a desconhecida.
— Mas achei que você iria me deixar ir embora se eu desse o presente – protestou Lourdes.
— Quando você ver alguém atravessando o cemitério à noite, faça com ela lhe dê um presente, só assim você conseguirá ir embora.
A desconhecida deu as costas e saiu caminhando. Irritada, Lourdes avançou naquela moça, mas seus braços transpassaram o corpo dela. Não havia jeito de agarrá-la. Tranquilamente, a desconhecida pulou a mureta do cemitério e foi embora. Lourdes tentou fazer o mesmo, mas foi impedida por uma barreira invisível. Estava presa.
Desconsolada, Lourdes sentou-se em um tumulo e chorou. De seus olhos não desciam lágrimas, sua pele não tremia pelo frio da madrugada e ela não sentia o farfalhar de seus cabelos em seu rosto. Era um fantasma.
Tudo o que lhe restava a fazer era esperar algum desavisado passar pelo cemitério à noite.

Biruta Ribeiro 

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