sábado, 15 de agosto de 2009

Pouco a pouco

Pouco a pouco me esqueço, e não sei nada.
Assim será a morte, e o que da morte
é sono e dor aguda que me crispa plácido
em sonhos dissolvidos sem anseio ou mágoa.

Este ficar de longe, num cansaço;
o ouvir das vozes como outrora infância;
o estar-se imóvel mais, e devagar
perder, um após outro, o gosto a um gesto

mesmo pensado nesta horizontal
que alastra entre o passado e coisa alguma
Este não ter senão a solidão
como silêncio e treva finalmene aceites.

A vida tão vivida e desejada
o ser como o fazer o sexo em tudo visto,
as coisas e as palavras possuidas,
tudo se não dissolve mas se afasta

alheio e sem saudade. Nem repouso
ou calmo abjurar da fúria amarga.
Apenas não sei nada, não recordo nada,
já nada quero, e aos outros deixo tudo.


Jorge de Sena
outubro 1971

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