Pouco a pouco
Pouco a pouco me esqueço, e não sei nada.
Assim será a morte, e o que da morte
é sono e dor aguda que me crispa plácido
em sonhos dissolvidos sem anseio ou mágoa.
Este ficar de longe, num cansaço;
o ouvir das vozes como outrora infância;
o estar-se imóvel mais, e devagar
perder, um após outro, o gosto a um gesto
mesmo pensado nesta horizontal
que alastra entre o passado e coisa alguma
Este não ter senão a solidão
como silêncio e treva finalmene aceites.
A vida tão vivida e desejada
o ser como o fazer o sexo em tudo visto,
as coisas e as palavras possuidas,
tudo se não dissolve mas se afasta
alheio e sem saudade. Nem repouso
ou calmo abjurar da fúria amarga.
Apenas não sei nada, não recordo nada,
já nada quero, e aos outros deixo tudo.
Jorge de Sena
outubro 1971
Nenhum comentário:
Postar um comentário