Sakata

Há um grande navio
Cruzando o oceano em noite de lua…
Bandeiras ao vento,
Quarenta dias entre o mar e o firmamento…

Buscam um novo lar,
Uma terra distante no outro lado do mar…
Longe ficou a Casa ancestral,
Com seus templos e rituais,
Costumes antigos, famílias,
Tudo afinal…

Sentados sobre as malas, nos porões,
Às vezes, cansados, sobem ao convés…
Confidências, segredos, linguagem estranha,
Vozes pequenas, sussurros, estranhos sinais…
Uns aos outros sorriem, uns aos outros
Tentam consolar… Uns dos outros dependem… Iguais,
Buscam a esperança que insistem
Em cultivar…

Os jovens sonham, alimentam visões;
Nas mãos como asas, notícias do novo lar:
” – Tanta terra que a vista não alcança,
Tudo se planta, tudo se colhe. É o Paraíso
A nos esperar…”

No entanto, entre os risos abafados
E as canções de esperança,
Alguém, de braços cruzados,

Sobre a amurada
Segura uma estátua de sal,
Uma criança de negros cabelos, rosto de luar,
Face de anjo estrela, imobilizada…

É uma jovem mãe,
Que em sua tristeza imensa,
Cumpre os rituais de sua crença,
Despejando lágrimas sobre o mar…

Seu anjo partiu antes de chegar,
Deixando o vazio quase impossível
De suportar…
Tão linda a sua menina,
Um ano de pura alegria,
Uma estrela a mais, de agora em diante,
No firmamento distante do céu que não termina…
Uma estrela para se buscar
Ao final de cada dia,
Em cada noite que principia…

…No coração de todos paira uma dor
Igual à dela…
Todos ali são iguais, todos perderam
Uma parte de si,
Como ela…

Mas a Vida não pode parar…
E o pequeno fardo, leve como pluma ao vento,
Perde-se entre as ondas escuras,
Tornando-se parte das brancas espumas
Do mar…

Enfim, chega o navio ao distante Porto,
Quarenta dias após o último aceno
Dos lenços brancos que não mais se verão…
Tímidos, pequenos, exaustos,
Desembarcam os viajantes…
Curiosos Irmãos desta terra estão a contemplá-los.
Estranhos costumes, linguagem estranha,
Estranhos sinais…

Entretanto, é tão bela e generosa, tão imensa
Essa terra brasileira de riqueza tamanha,
Que o amor por ela
Os corações aquece
E conforta…

Muito sofrem, de início, na Pátria predestinada…
Melancolia, saudades, desconhecido idioma;
Doentes muitos, vítimas de febres,
Sem forças, sem alento,
Estranhando o novo alimento…
Muitos pais nesse desafio
Os filhos queridos perderam,
Tantos órfãos restaram daquele difícil tempo,
Irmãos em sua dor
Na silenciosa sede de amor…

E na solidão de cada coração vazio
Ergueram-se altares perfumados
De preces, incensos
E oferendas ao Pai de todos
Os ancestrais…

Mas a Vida segue como um rio
Em seu curso que não descansa… Em cada dia
Um horizonte novo,
Uma nova chama no olhar
Daquele antigo povo…
A terra farta e generosa
Suas dádivas oferta como um tesouro;
Em cada semente mil grãos, em cada folha
Milhões de verdes bandeiras
Estendidas no solo, dourado verde esperança…

Aquela gente pequena, valorosa,
Corações e Almas repletos
De milenares tradições,
Mescla-se com a jovem e hospitaleira gente
Deste lugar.

Forças opostas, porém semelhantes,
Unidas nesse esforço de gigantes
Às forças de outros povos, dos quatro cantos do mundo,
Ergueram esta Casa imensa
De amplas janelas e portas abertas,
Abraço sem dimensões,
Mãe gentil, Pátria amada,
Casa abençoada para a gente
De todas as nações…

… Vai longe, na distância, aquela viagem
Do velho navio, quarenta dias
Entre o céu e o firmamento…
O cenário diluiu-se em neblina, feito miragem,
Feito cheiro de nuvens nas asas dos pássaros marinhos,
Feito bruma, névoa, um canto a mais
Na voz do vento…

A fartura se fez através
Da mistura
De raças, de povos, de crenças,
Irmãos como todos
Devemos ser…

No Brasil de agora, entre as dimensões,
Passeiam as Almas dos samurais
De outrora,
Ao lado das Almas dos verdadeiros bandeirantes.
Uns por todos, todos por uns,
Livres e iguais em esforços incessantes,
Sem fronteiras,
Sem limites,
Um só coração para duas nações…

… E aquela estrelinha
Que subiu aos céus entre tantas dores,
Brilha ainda entre as constelações,
Entre as lembranças daquele tempo,
Como um presente daquela jovem bisavó
Aos queridos bisnetos,
Crianças e jovens
De olhos e peles
De todas as cores…

Poema de Neusa Yaeko Sakata Pedroso que retrata a viagem do Japão ao Brasil de seus bisavós, Katoshi e Ine, que presenciaram a morte da própria filha dentro do navio. Enviado pela internauta Mariana Mitti Sakata Sales, sobrinha de Neusa.

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terceira viagem do Kasato Maru