E então brotou cor sépia o outono da nossa desesperança.
Mariah brigou com namorado João e ligou. Perguntei se a notícia era o trote
costumeiro do dia 1º de abril. Ela havia esquecido que era 1º de abril. Estava
arrasada. Fiquei até duas horas da madrugada ao telefone. Amigas são para essas
horas. Ela com a voz embargada e o excesso de masoquismo: uma música de
Lupicínio Rodrigues ao fundo. Nenhuma garota de 20 anos ouve Lupicínio. Ouve?
Mariah ouvia.
Gostava da sincronia com Mariah. Nossas almas siamesas,
nossos sonhos tão iguais. Nada na amiga me agredia. Algumas pessoas agridem.
Algumas pessoas são como móveis envernizados que nos agridem ao olhar para
eles. Não gosto de móveis envernizados. Um dia desses parei diante de uma loja
de móveis para ver de perto a cômoda de sete gavetas de madeira fosca.
Os móveis foscos não descascam, nem racham como os de
verniz. Eles vão perdendo brilho lentamente como as nossas vidas. É tão natural
como rio que se entrega às margens e morre no mar, como voos sem fim de
pássaros que desaparecem no horizonte e nuvem que se desfaz sem dor.
- Fragmento do conto "Ausência de Mariah"
_ Paraísos de Pedra _ Bárbara Lia
- lançamento 27 de julho, disponível no site da Editora
Penalux Imagem Wikipédia _ Rua XV - Rua das Flores – Curitiba
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