quarta-feira, 20 de julho de 2016

Sou homem, branco, hétero, de classe média e de formação cristã. Portanto sou um privilegiado. Por ser homem, branco, hétero e de classe média, ao andar à noite pelas ruas, meu maior medo é com assaltos. Se fosse mulher, além de assaltos (e olha que as mulheres são mais vítimas de assaltos que os homens), me preocuparia também com assédio e estupro. Se fosse gay, por acaso, não teria a mesma liberdade para demostrar carinho para com meu companheiro ou companheira. Algo tão simples para héteros, como andar de mãos dadas ou trocar um selinho em público, não seria tão fácil para mim. Se eu fosse negro, ah, você sabe "como é que pretos, pobres e mulatos, e quase brancos, quase pretos de tão pobres são tratados", como disseram Gil e Caetano. Esses dias estava saboreando um expresso num café de um shopping. Estava de boa, lendo um livro, sem que ninguém me incomodasse. Aí de repente parei e pensei que não estava sendo incomodado justamente porque tenho o biotipo típico das classe dominantes do Ocidente. Se eu fosse negro, ou pobre (isto é, se eu tivesse "cara" de pobre, o que implica também construções étnicas e sociais), teria que me haver não raro com olhares hostis. Se fosse mulher, poderia ser alvo de cantadas ou olhares indelicados. Se fosse gay, e estivesse com meu namorado ou namorada, teria que reprimir minhas manifestações de afeto. Se fosse, digamos, muçulmano ou adepto de alguma religião de matriz africana, e algo em minha indumentária revelasse isso, poderia ser alvo também de olhares tortuosos. Mas como eu era homem, branco, hétero, de classe média e de formação cristã, estava ali, curtindo um instante de paz, pois afinal vivo numa sociedade erigida em torno de privilégios construídos por e para pessoas como eu. E uma sociedade que tende a naturalizar privilégios de um lado e injustiças de outro. Parece-nos "natural" que o CEO da multinacional seja branco e o porteiro do meu prédio mestiço. Isso é tanto verdade que recentemente um morador de rua em Curitiba, loiro, chamou atenção justamente por ser loiro e caucasiano, atraindo logo os cuidados que deveriam ser para todos. "E aí?" -- você pode perguntar. "E o que você tem a ver com isso?" E aí que, embora gozando de uma posição privilegiada, apenas por ser homem, branco, hétero, de classe média e de formação cristã, eu quero para mim e para todos uma sociedade justa, que não discrimine por cor, etnia, gênero, orientação sexual ou outro motivo qualquer. Para não falar de classe -- pois neste quesito o que eu quero é uma sociedade sem classes, ou ao menos sem os abismos pornográficos que dividem as classes em nossa sociedade. E quero isso simplesmente porque queria ser tratado exatamente da maneira como sou tratado, sem discriminação, sem olhares hostis, sem medo de ser abordado pela polícia por conta de minha aparência, ou bolinado, ou ridicularizado por minhas opções erótico-afetivas.

[Parte de um texto postado ano passado.]


Otto Leopoldo Winck

Nenhum comentário: