terça-feira, 27 de setembro de 2016

Cangalha


Sentia selvagerias
Sofisticados horrores reeditados
no campo-da-morte – o corpo
Era um arranhar de vísceras,
afogamentos miúdos contra a
correnteza dos fluidos.
Cavar, cavar, cavar estranhamentos
(arrancar células e palavras mortas)
até sangrar a alma,
assim ia .
As tardes escorriam
na grande vidraça da dúbia janela
junto aos poderes que sumiam
na rangedura dos dentes
... ao de quimeras
.
E, na entrada das noites
aparecia o derramamento súbito
da escuridão mesma -
rosário esculpido no outrora
rezando o destino
Se-ia juntando os pedaços
nos ermos, nenhuns, silêncios...
em nadas vivendo
Melaço corria da espada – seu fio
Há um senhorio com mãos feito enxada
abrindo um vazio nos contos de fada
(um amor senil!)
No curso das desdobraduras
(dormente, dorsal, dornalha)
um feixe de siso, percorre a loucura
em chiste (selvagem perdido)
- num ato, palavra, irônico riso ou rito -
lhe salva a cangalha

Maria Regina Alves. Vidráguas

Nenhum comentário: