quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Mulher na árvore

Minha mãe nunca se masturbou.
Chovia.
A porta aberta.
Segui em direção a quem me é mais íntimo: São Judas Tadeu. A agulha da bússola do meu coração sabe onde é o norte por aqui. Canto direito primeira fila de bancos.
Escrevo no bloco azul, encharcada de chuva. Nem me benzi. Sentei ali como sento nos cafés: Aqui só tem pão e vinho tinto. A ratazana de sacristia me espia. Convocaria a Inquisição caso lesse os rabiscos – cena de masturbação.
Estou pura.
A cena é pura. Nenhuma imagem levanta o dedo em riste para mim, São Judas nem ao menos espia com o canto do olho. Dane-se a cantora de altar. Olhos de juiz pra cima de mim. Dane-se! Nunca mudam os hinos? Nunca mudam. Ainda é o mesmo. Sei-o letra a letra há décadas. Vai ser o mesmo quando eu sentar em outro banco outro lugar outra chuva daqui uma década. Começa a missa e a minha cena se adensa. O Padre diz uma poesia de São João e mexe no mais fundo daquela lagoa de lágrimas, uma salta assim ao final da poesia.


Deus é Amor
Quem permanece no Amor
Permanece em Deus
E Deus nele

Simples assim. Gota a gota absolvo-me.
A cantora ratazana arregala os olhos. Não sou feita de grifes pneus peças de computador porra e crack. Encaro-a. Quer um beijo de batom roxo para deixar seus lábios pura sexta-feira santa? O maior susto do dia dela, a mulher estranha molhada de chuva chora. Chorar – deplorar prantear arrepender-se derramar lágrimas lastimar-se exprimir dor tristeza ETCETERA
Sou o etcetera. Risco de não definição. O espanto coletivo me coloca na árvore gravetos e gravetos o canto das harpias no canto esperando. Alguém por favor, um voluntário é só ir até ali com a tocha, rápido, um voluntário. Harpias? Harpias apenas gralham não tem mãos de acender a chama nem para aniquilar o inimigo. Harpias declamam opus de escarro e odes de amianto, mas ficam estancadas em suas árvores. Covardes. Um voluntário, por favor, antes da chuva antes da chuva.
Chove. Fim de missa. Abraços incenso tremor de pavios amarelos. A cena, a cena e o bloco azul borrado. Lágrimas santas na cena maculada.
“Sempre me interrompe
Sempre
Tem um radar
Sempre me interrompe no ápice
(respira fundo olhos cerrados a dança sob os lençóis dedos ágeis olhos cerrados respiração suspensa goza)”
O céu tem cheiro de rio podre. Tietê ao amanhecer.
Minha mãe nunca se masturbou.
É matemática pura.
Lógica.
Minha mãe nunca se masturbou.
Zero chance.
Zero caloria na tabela do pecado.
A cena está modesta.
Escrevo ao final do bloco:
Reescrever a cena da masturbação
Luz.
Nossa Senhora é magnética.
Nunca olhei para ela ali, a leste do éden. Culpa de São Judas que me abduz. Meu outro eu somos das causas impossíveis.
Aqui está o livro da vida.
Procurem pela palavra – Impossível.
Não tem.
Não vou dizer nunca que escrevi a cena da masturbação no primeiro banco à direita - Catedral em dia de chuva.
Permaneço no amor.


Por Bárbara Lia


*Menção Honrosa no Concurso Nacional de Contos Newton Sampaio – 2009 da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná.


Bárbara Lia é uma escritora brasileira. Nasceu em Assaí, norte do Paraná. Em 2004, debutou no mercado editorial com o livro de poesias O Sorriso de Leonardo (Kafka edições baratas). Dois anos depois, publica outro livro de poemas, Noir. Em 2007, saíram outros dois livros de poesia, O Sal das Rosas (Lumme editor) e A Última Chuva (Mulheres Emergentes). Estreou na prosa com Solidão Calcinada (Romance, Secretaria da Cultura / Imprensa Oficial do Paraná - 2008)
Blog: http://chaparaasborboletas.blogspot.com e-mail: barbaralia@gmail.com


fonte Http://www.cronópios.com.br

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