domingo, 30 de junho de 2013

NAQUELA NOITE




Naquela noite eu não fiz nada que não confirmasse plenamente minha opção de vida, meu sacerdócio. Não decepcionei meu fígado bebendo menos do que ele esperava. Não fui pra casa e fiquei ouvindo alguma música vagabunda em alguma rádio de Internet. Não pedi desculpas, nem admiti erros que não cometi. Em vez disso, apenas andei sem rumo como costumo fazer quando as coisas fogem do controle. Entrei em bares e bebi Domecq como não costumo fazer. Sempre vou de whisky, mas naquela noite a porra do bar não tinha gelo. Então fui de Domecq já que a merda do boteco também não tinha Jack Daniels. Vi uma mulher fazendo um boquete num sujeito dentro de um carro e o cara não parecia feliz. E quer saber? Não o culpei por isso. Tenho evitado apontar o dedo na cara de quem quer que seja. Tenho pensado insistentemente que no segundo seguinte posso estar sendo chutado com a cara no chão. Então que adianta bancar o fodão? Penso que apenas devo fazer as coisas do meu jeito antes de atravessar a fronteira. Dizem que é pra breve. Naquela noite, pessoas morreram em algum lugar. Outras enlouqueceram. Algumas até pareciam felizes. Eu era só um cara andando sem rumo e bebendo Domecq como não costumo fazer. Mas teve um momento que eu me emocionei ouvindo no telefone uma amiga que contava chorando sobre o amigo que ela tinha perdido. Definitivamente perdido. Algumas coisas são definitivas. Eu estava bêbado demais pra acreditar que aquele era o lugar ideal, pra se estar, naquele momento, naquela hora da madrugada. Mas não era uma noite perfeita. Eu estava bebendo Domecq. Pensando bem, era uma noite bem esquisita aquela. Então voltei pra casa. Minha filha estava dormindo. Ela parecia tranqüila. Abri as janelas e respirei com dificuldade. O telefone tocou e eu deixei tocar. Deitei na rede e dormi como fazem os caras que não traem seu estilo de vida, seu sacerdócio. Foi uma noite filha da puta de desgraçada, mas ainda era eu que estava ali balançando naquela rede. E ainda era eu quando finalmente adormeci. Eu merecia um sonho bom. Naquela noite.
Mário Bortolotto

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