sábado, 3 de janeiro de 2015

BALADA DE ANO NOVO

Luiz Felipe Leprevost


é de tarde e os pássaros são os únicos que abalam o silêncio aqui em Santa Felicidade. às vezes o motor de uma moto ao longe. mais ao fundo ainda alguns poucos fogos no ar. na sala badala o relógio na parede.

tudo começa com a vontade de escrever um poema, com ter que escrever quando eu deveria ir com os preparativos para hoje a noite

é o último dia do ano e eu sei que vou abraçar meus pais mais o filho do meu irmão e a sua mãe que estará conosco hoje a noite. para isso, não preciso me preparar, dar e receber abraços é algo que sabemos desde sempre

entendo a mitologia das cores e devo ir à festa de camisa rosa, a mais romântica delas. embora eu saiba que vou me sentir gordo, meio palerma e fora de ambiente para as fotografias

sem contar o tormento do verso da canção do Djavan, que tem anos insiste em grudar na minha mente sempre que o festejo se aproxima. é um verso que me parece estar entre o risível e o bonito. risível pela afetação. bonito pelo inesperado, pelo surpreendente da imagem. eis: quando o grito do prazer açoitar o ar, reveillon

açoitar o ar. quer saber, eu trocaria todo o barulho, a euforia dos fogos e o espocar das champanhes por algumas horas de paz dormindo encaixado em você, saciado, assistindo você dormir como se não fosse um mundo cheio de injustiça, solidão e desespero o que está lá fora. mas juntos provaríamos o contrário. e assim, sem palavras, falaríamos sobre o entendimento humano.

o tempo cura ou não cura as feridas? é em nossa corrente sanguínea que o tempo se renova. gosto de saber do sol que o meu rosto já foi para algumas pessoas. gosto de ter notícias da sinceridade terna que vez por outra enxergam em meus olhos

de todos que já acreditei ser não sei bem com qual dos Luiz Felipe termino este ano. mas sei com qual deles começo, começo sem começar, é verdade, porque a coisa toda só continua, não tem nada disso de zerar, tudo é um fluxo e ninguém deixa de ser o que é de um dia para o outro. o que tem de bonito nesta data é mais uma das invenções dos homens, que organizaram o tempo em meses e anos para ter onde se segurar. tem a ver, imagino, com um tipo de organização da vontade. tem a ver com crença. tem a ver com invenção, que talvez esteja entre o que temos de melhor nessa fodida vida. por isso afirmo que começo com aquele que acredita. com o que acredita. pois a esperança ainda tem de ter o tamanho dos meus amigos. a esperança ainda tem de ter o tamanho da minha família. o tamanho do meu amor. bom, por que ter medo desses lugares comuns se eles ajudam a viver e, apesar deles, haverá ainda muito mistério, muita surpresa, muita mudança, muitos passos no escuro pela frente. querer eu quero ser especial, mas sou como toda a gente que vive neste planeta, falível, imperfeito e cheio de planos. querendo acreditar e me movimentando para que daqui em diante as coisas todas sejam melhores

de qualquer maneira, são os 15 primeiros anos deste século percorridos. é o século debutando. um adolescente é este século. estejamos, pois, abertos para tudo


daqui algumas horas chegará o momento de algo novo nascer? tomara. hora de o mar levar oferendas de quem ousar molhar os pés. hora de ferir o céu com nossa alegria que explode. e se por ventura existir algum deus no céu dos céus, nesta noite ele não conseguirá dormir, mas saibamos que será tanto barulho que também não poderá escutar nossas promessas e pedidos. daí que, como diz a canção cafona mas tão verdadeira, tudo passará a depender, como sempre, mais uma vez de nós, somente de nós

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