domingo, 3 de fevereiro de 2019

Escrevo



não com o que sobra
mas com o que falta
de mim.

Não com o que resta
mas com a fresta,
a fenda,
a fímbria do abismo.

Só com o gosto
do nada na boca
é que podemos
aspirar ao tudo.

É do vazio profundo
que nasce o desejo
de encher esta página
de riscos -- e tua boca de beijos.

Escrevo com o oco
de mim,
com minha alma virada,
meu corpo do avesso
e o coto de meus desejos
rotos.

Sei que há outros
que escrevem
com rosas e lírios,
do alto de píncaros.

Quanto a mim,
escrevo do fundo
do poço
seco,
com o que falta
de mim,
de ti
e de tudo.

Escrever
não é promessa
ou descarrego,
missa
ou formatura.

Escrever
tem mais a ver
com caminhar de banda
sabendo que tua hora
se foi.

Otto Leopoldo Winck

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