Um senhor entrou com o filho
deficiente mental numa padaria. O menino engrolava a língua e apontava para
tudo quanto era gôndola, como se estivesse excitado com as fotos nas embalagens
– com o mel que escorria dos pacotes de biscoitos, com as vacas que se
derramavam das caixas de leite. Dois adolescentes, numa mesa lanchando,
começaram a rir do menino. Tentavam, cobrindo a boca com a borda da camisa, mas
não conseguiam controlar os risos. Um deles ria tanto que batia com o bico do
tênis no pé da mesa, quase virando-a. O outro largou os livros no chão num de
seus abalos de corpo inteiro. O senhor, ouvindo o baque dos livros no piso,
notou o riso dos adolescentes. E segurou firme no braço do filho, passou-lhe a
mão nos cabelos e o trouxe para perto do ombro, como que o abrigando da
zombaria. Os adolescentes não conseguiam se conter, e um já até se dirigia para
o caixa para ver se refreava a euforia. O senhor aí deixou escapar uma
lágrimas, mas não quis expor o choro, nem para o filho nem para os
adolescentes, que agora já iam deixando a padaria, um empurrando o outro,
sempre aos risos. O senhor se curvou para (e não estava precisando) alcançar
uma caixa de aveia. Se curvou para ocultar o rosto molhado. Porque não pensava
no agora do filho, com ele, pai, ali bem perto. Pensava no futuro do menino,
depois que já estivesse morto – quem iria acolher o seu Rafael? Quem iria,
acomodando-o em palavras que abrandam, repousam, fazer apagar a tinta suja do
riso alheio? Quem iria imunizar a sua criança contra o mundo?
[Rinaldo de Fernandes]
[De “O Livro dos 1001
Microcontos”, nº 981]
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