terça-feira, 20 de julho de 2010

A Cartomante

HAMLET observa a Horácio que há mais coisas no céu e na terra do que sonha a nossa

filosofia. Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sextafeira

de novembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma

cartomante; a diferença é que o fazia por outras palavras.

— Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois saiba que fui, e que ela

adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era: Apenas

começou a botar as cartas, disse-me: "A senhora gosta de uma pessoa..." Confessei que

sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu

tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...

— Errou, interrompeu Camilo, rindo.

— Não diga isso, Camilo. Se você soubesse como eu tenho andado, por sua causa. Você

sabe; já lhe disse. Não ria de mim, não ria...

Camilo pegou-lhe nas mãos, e olhou para ela sério e fixo. Jurou que lhe queria muito,

que os seus sustos pareciam de criança; em todo o caso, quando tivesse algum receio, a

melhor cartomante era ele mesmo. Depois, repreendeu-a; disse-lhe que era imprudente

andar por essas casas. Villela podia sabê-lo, e depois...

— Qual saber! tive muita cautela, ao entrar na casa.

— Onde é a casa?

— Aqui perto, na Rua da Guarda Velha; não passava ninguém nessa ocasião. Descansa;

eu não sou maluca.

Camilo riu outra vez:

— Tu crês deveras nessas coisas? perguntou-lhe.

Foi então que ela, sem saber que traduzia Hamlet em vulgar, disse-lhe que havia muita

coisa misteriosa e verdadeira neste mundo. Se ele não acreditava, paciência; mas o certo

é que a cartomante adivinhara tudo. Que mais? A prova é que ela agora estava tranqüila

e satisfeita.

Cuido que ele ia falar, mas reprimiu-se. Não queria arrancar-lhe as ilusões. Também ele,

em criança, e ainda depois, foi supersticioso, teve um arsenal inteiro de crendices, que a

mãe lhe incutiu e que aos vinte anos desapareceram. No dia em que deixou cair tôda

essa vegetação parasita, e ficou só o tronco da religião, ele, como tivesse recebido da

mãe ambos os ensinos, envolveu-os na mesma dúvida, e logo depois em uma só

negação total. Camilo não acreditava em nada. Por quê? Não poderia dizê-lo, não

possuía um só argumento: limitava-se a negar tudo. E digo mal, porque negar é ainda

afirmar, e ele não formulava a incredulidade; diante do mistério, contentou-se em

levantar os ombros, e foi andando.

Separaram-se contentes, ele ainda mais que ela. Rita estava certa de ser amada; Camilo,

não só o estava, mas via-a estremecer e arriscar-se por ele, correr às cartomantes, e, por

mais que a repreendesse, não podia deixar de sentir-se lisonjeado. A casa do encontro

era na antiga Rua dos Barbonos, onde morava uma comprovinciana de Rita. Esta desceu

pela Rua das Mangueiras, na direção de Botafogo, onde residia; Camilo desceu pela da

Guarda Velha, olhando de passagem para a casa da cartomante.

Villela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura e nenhuma explicação das origens.

Vamos a ela. Os dois primeiros eram amigos de infância. Villela seguiu a carreira de

magistrado. Camilo entrou no funcionalismo, contra a vontade do pai, que queria vê-lo

médico; mas o pai morreu, e Camilo preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou

um emprego público. No princípio de 1869, voltou Villela da província, onde casara

com uma dama formosa e tonta; abandonou a magistratura e veio abrir banca de

advogado. Camilo arranjou-lhe casa para os lados de Botafogo, e foi a bordo recebê-lo.

— É o senhor? exclamou Rita, estendendo-lhe a mão. Não imagina como meu marido é

seu amigo, falava sempre do senhor.

Camilo e Villela olharam-se com ternura. Eram amigos deveras. Depois, Camilo

confessou de si para si que a mulher do Villela não desmentia as cartas do marido.

Realmente, era graciosa e viva nos gestos, olhos cálidos, boca fina e interrogativa. Era

um pouco mais velha que ambos: contava trinta anos, Villela vinte e nove e Camilo

vinte e seis. Entretanto, o porte grave de Villela fazia-o parecer mais velho que a

mulher, enquanto Camilo era um ingênuo na vida moral e prática. Faltava-lhe tanto a

ação do tempo, como os óculos de cristal, que a natureza põe no berço de alguns para

adiantar os anos. Nem experiência, nem intuição.

Uniram-se os três. Convivência trouxe intimidade. Pouco depois morreu a mãe de

Camilo, e nesse desastre, que o foi, os dois mostraram-se grandes amigos dele. Villela

cuidou do enterro, dos sufrágios e do inventário; Rita tratou especialmente do coração, e

ninguém o faria melhor.

Como daí chegaram ao amor, não o soube ele nunca. A verdade é que gostava de passar

as horas ao lado dela, era a sua enfermeira moral, quase uma irmã, mas principalmente

era mulher e bonita. Odor di femmina: eis o que ele aspirava nela, e em volta dela, para

incorporá-lo em si próprio. Liam os mesmos livros, iam juntos a teatros e passeios.

Camilo ensinou-lhe as damas e o xadrez e jogavam às noites; — ela mal, — ele, para

lhe ser agradável, pouco menos mal. Até aí as coisas. Agora a ação da pessoa, os olhos

teimosos de Rita, que procuravam muita vez os dele, que os consultavam antes de o

fazer ao marido, as mãos frias, as atitudes insólitas. Um dia, fazendo ele anos, recebeu

de Villela uma rica bengala de presente e de Rita apenas um cartão com um vulgar

cumprimento a lápis, e foi então que ele pode ler no próprio coração, não conseguia

arrancar os olhos do bilhetinho. Palavras vulgares; mas há vulgaridades sublimes, ou,

pelo menos, deleitosas. A velha caleça de praça, em que pela primeira vez passeaste

com a mulher amada, fechadinhos ambos, vale o carro de Apolo. Assim é o homem,

assim são as coisas que o cercam.

Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pode. Rita, como uma serpente, foi-se

acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o

veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos,

tudo sentiu de mistura, mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos!

Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada fora, braços

dados, pisando folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, sem padecer nada mais

que algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro. A confiança e estima de

Villela continuavam a ser as mesmas.

Um dia, porém, recebeu Camilo uma carta anônima, que lhe chamava imoral e pérfido,

e dizia que a aventura era sabida de todos. Camilo teve medo, e, para desviar as

suspeitas, começou a rarear as visitas à casa de Villela. Este notou-lhe as ausências.

Camilo respondeu que o motivo era uma paixão frívola de rapaz. Candura gerou astúcia.

As ausências prolongaram-se, e as visitas cessaram inteiramente. Pode ser que entrasse

também nisso um pouco de amor-próprio, uma intenção de diminuir os obséquios do

marido, para tornar menos dura a aleivosia do ato.

Foi por esse tempo que Rita, desconfiada e medrosa, correu à cartomante para consultála

sobre a verdadeira causa do procedimento de Camilo. Vimos que a cartomante

restituiu-lhe a confiança, e que o rapaz repreendeu-a por ter feito o que fez. Correram

ainda algumas semanas. Camilo recebeu mais duas ou três cartas anônimas, tão

apaixonadas, que não podiam ser advertência da virtude, mas despeito de algum

pretendente; tal foi a opinião de Rita, que, por outras palavras mal compostas, formulou

este pensamento: — a virtude é preguiçosa e avara, não gasta tempo nem papel; só o

interesse é ativo e pródigo.

Nem por isso Camilo ficou mais sossegado; temia que o anônimo fosse ter com Villela,

e a catástrofe viria então sem remédio. Rita concordou que era possível.

— Bem, disse ela; eu levo os sobrescritos para comparar a letra com as das cartas que lá

aparecerem; se alguma for igual, guardo-a e rasgo-a...

Nenhuma apareceu; mas daí a algum tempo Villela começou a mostrar-se sombrio,

falando pouco, como desconfiado. Rita deu-se pressa em dizê-lo ao outro, e sobre isso

deliberaram. A opinião dela é que Camilo devia tornar à casa deles, tatear o marido, e

pode ser até que lhe ouvisse a confidência de algum negócio particular. Camilo

divergia; aparecer depois de tantos meses era confirmar a suspeita ou denúncia. Mais

valia acautelarem-se, sacrificando-se por algumas semanas. Combinaram os meios de se

corresponderem, em caso de necessidade, e separaram-se com lágrimas.

No dia seguinte, estando na repartição, recebeu Camilo este bilhete de Villela: "Vem já,

já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora." Era mais de meio-dia. Camilo saiu logo;

na rua, advertiu que teria sido mais natural chamá-lo ao escritório; por que em casa?

Tudo indicava matéria especial, e a letra, fosse realidade ou ilusão, afigurou-se-lhe

trêmula. Ele combinou todas essas coisas com a notícia da véspera.

— Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora, — repetia ele com os olhos no

papel.

Imaginariámente, viu a ponta da orelha de um drama, Rita subjugada e lacrimosa,

Villela indignado, pegando da pena e escrevendo o bilhete, certo de que ele acudiria, e

esperando-o para matá-lo. Camilo estremeceu, tinha medo: depois sorriu amarelo, e em

todo caso repugnava-lhe a idéia de recuar, e foi andando. De caminho, lembrou-se de ir

a casa; podia achar algum recado de Rita, que lhe explicasse tudo. Não achou nada, nem

ninguém. Voltou à rua, e a idéia de estarem descobertos parecia-lhe cada vez mais

verossímil; era natural uma denúncia anônima, até da própria pessoa que o ameaçara

antes; podia ser que Villela conhecesse agora tudo. A mesma suspensão das suas visitas,

sem motivo aparente, apenas com um pretexto fútil, viria confirmar o resto.

Camilo ia andando inquieto e nervoso. Não relia o bilhete, mas as palavras estavam

decoradas, diante dos olhos, fixas, ou então, — o que era ainda pior, — eram-lhe

murmuradas ao ouvido, com a própria voz de Villela. "Vem já, já, à nossa casa; preciso

falar-te sem demora." Ditas assim, pela voz do outro, tinham um tom de mistério e

ameaça. Vem, já, já, para quê? Era perto de uma hora da tarde. A comoção crescia de

minuto a minuto. Tanto imaginou o que se iria passar, que chegou a crê-lo e vê-lo.

Positivamente, tinha medo. Entrou a cogitar em ir armado, considerando que, se nada

houvesse, nada perdia, e a precaução era útil. Logo depois rejeitava a idéia, vexado de si

mesmo, e seguia, picando o passo, na direção do Largo da Carioca, para entrar num

tílburi. Chegou, entrou e mandou seguir a trote largo.

— Quanto antes, melhor, pensou ele; não posso estar assim...

Mas o mesmo trote do cavalo veio agravar-lhe a comoção. O tempo voava, e ele não

tardaria a entestar com o perigo. Quase no fim da Rua da Guarda Velha, o tílburi teve de

parar, a rua estava atravancada com uma carroça, que caíra. Camilo, em si mesmo,

estimou o obstáculo, e esperou. No fim de cinco minutos, reparou que ao lado, à

esquerda, ao pé do tílburi, ficava a casa da cartomante, a quem Rita consultara uma vez,

e nunca ele desejou tanto crer na lição das cartas. Olhou, viu as janelas fechadas,

quando todas as outras estavam abertas e pejadas de curiosos do incidente da rua. Dirse-

ia a morada do indiferente Destino.

Camilo reclinou-se no tílburi, para não ver nada. A agitação dele era grande,

extraordinária, e do fundo das camadas morais emergiam alguns fantasmas de outro

tempo, as velhas crenças, as superstições antigas. O cocheiro propôs-lhe voltar à

primeira travessa, e ir por outro caminho: ele respondeu que não, que esperasse. E

inclinava-se para fitar a casa... Depois fez um gesto incrédulo: era a idéia de ouvir a

cartomante, que lhe passava ao longe, muito longe, com vastas asas cinzentas;

desapareceu, reapareceu, e tornou a esvair-se no cérebro; mas daí a pouco moveu outra

vez as asas, mais perto, fazendo uns giros concêntricos... Na rua, gritavam os homens,

safando a carroça:

— Anda! agora! empurra! vá! vá!

Daí a pouco estaria removido o obstáculo. Camilo fechava os olhos, pensava em outras

coisas: mas a voz do marido sussurrava-lhe a orelhas as palavras da carta: "Vem, já,

já..." E ele via as contorções do drama e tremia. A casa olhava para ele. As pernas

queriam descer e entrar. Camilo achou-se diante de um longo véu opaco... pensou

rapidamente no inexplicável de tantas coisas. A voz da mãe repetia-lhe uma porção de

casos extraordinários: e a mesma frase do príncipe de Dinamarca reboava-lhe dentro:

"Há mais coisas no céu e na terra do que sonha a filosofia... " Que perdia ele, se... ?

Deu por si na calçada, ao pé da porta: disse ao cocheiro que esperasse, e rápido enfiou

pelo corredor, e subiu a escada. A luz era pouca, os degraus comidos dos pés, o

corrimão pegajoso; mais ele não, viu nem sentiu nada. Trepou e bateu. Não aparecendo

ninguém, teve idéia de descer; mas era tarde, a curiosidade fustigava-lhe o sangue, as

fontes latejavam-lhe; ele tornou a bater uma, duas, três pancadas. Veio uma mulher; era

a cartomante. Camilo disse que ia consultá-la, ela fê-lo entrar. Dali subiram ao sótão,

por uma escada ainda pior que a primeira e mais escura. Em cima, havia uma salinha,

mal alumiada por uma janela, que dava para o telhado dos fundos. Velhos trastes,

paredes sombrias, um ar de pobreza, que antes aumentava do que destruía o prestígio.

A cartomante fê-lo sentar diante da mesa, e sentou-se do lado oposto, com as costas

para a janela, de maneira que a pouca luz de fora batia em cheio no rosto de Camilo.

Abriu uma gaveta e tirou um baralho de cartas compridas e enxovalhadas. Enquanto as

baralhava, rapidamente, olhava para ele, não de rosto, mas por baixo dos olhos. Era uma

mulher de quarenta anos, italiana, morena e magra, com grandes olhos sonsos e agudos.

Voltou três cartas sobre a mesa, e disse-lhe:

— Vejamos primeiro o que é que o traz aqui. O senhor tem um grande susto...

Camilo, maravilhado, fez um gesto afirmativo.

— E quer saber, continuou ela, se lhe acontecerá alguma coisa ou não...

— A mim e a ela, explicou vivamente ele.

A cartomante não sorriu: disse-lhe só que esperasse. Rápido pegou outra vez das cartas

e baralhou-as, com os longos dedos finos, de unhas descuradas; baralhou-as bem,

transpôs os maços, uma, duas. três vezes; depois começou a estendê-las. Camilo tinha

os olhos nela curioso e ansioso.

— As cartas dizem-me...

Camilo inclinou-se para beber uma a uma as palavras. Então ela declarou-lhe que não

tivesse medo de nada. Nada aconteceria nem a um nem a outro; ele, o terceiro, ignorava

tudo. Não obstante, era indispensável muita cautela: ferviam invejas e despeitos. Faloulhe

do amor que os ligava, da beleza de Rita. . . Camilo estava deslumbrado. A

cartomante acabou, recolheu as cartas e fechou-as na gaveta.

— A senhora restituiu-me a paz ao espírito, disse ele estendendo a mão por cima da

mesa e apertando a da cartomante.

Esta levantou-se, rindo.

— Vá, disse ela; vá, ragazzo innamorato...

E de pé, com o dedo indicador, tocou-lhe na testa. Camilo estremeceu, como se fosse a

mão da própria sibila, e levantou-se também. A cartomante foi à cômoda, sobre a qual

estava um prato com passas, tirou um cacho destas, começou a despencá-las e comê-las,

mostrando duas fileiras de dentes que desmentiam as unhas. Nessa mesma ação comum,

a mulher tinha um ar particular. Camilo, ansioso por sair, não sabia como pagasse;

ignorava o preço.

— Passas custam dinheiro, disse ele afinal, tirando a carteira. Quantas quer mandar

buscar?

— Pergunte ao seu coração, respondeu ela.

Camilo tirou uma nota de dez mil-réis, e deu-lha. Os olhos da cartomante fuzilaram. O

preço usual era dois mil-réis.

— Vejo bem que o senhor gosta muito dela... E faz bem; ela gosta muito do senhor. Vá,

vá, tranqüilo. Olhe a escada, é escura; ponha o chapéu...

A cartomante tinha já guardado a nota na algibeira, e descia com ele, falando, com um

leve sotaque. Camilo despediu-se dela em baixo, e desceu a escada que levava à rua,

enquanto a cartomante, alegre com a paga, tornava acima, cantarolando uma barcarola.

Camilo achou o tílburi esperando; a rua estava livre. Entrou e seguiu a trote largo.

Tudo lhe parecia agora melhor, as outras coisas traziam outro aspecto, o céu estava

límpido e as caras joviais. Chegou a rir dos seus receios, que chamou pueris; recordou

os termos da carta de Villela e reconheceu que eram íntimos e familiares. Onde é que

ele lhe descobriu a ameaça? Advertiu também que eram urgentes, e que fizera mal em

demorar-se tanto; podia ser algum negócio grave e gravíssimo.

— Vamos, vamos depressa, repetia ele ao cocheiro.

E consigo, para explicar a demora ao amigo, engenhou qualquer coisa; parece que

formou também o plano de aproveitar o incidente para tornar à antiga assiduidade... De

volta com os planos, reboavam-lhe na alma as palavras da cartomante. Em verdade, ela

adivinhara o objeto da consulta, o estado dele, a existência de um terceiro; por que não

adivinharia o resto? O presente que se ignora vale o futuro. Era assim, lentas e

contínuas, que as velhas crenças do rapaz iam tornando ao de cima, e o mistério

empolgava-o com as unhas de ferro. Às vezes queria rir, e ria de si mesmo, algo vexado;

mas a mulher, as cartas, as palavras secas e afirmativas, a exortação: — Vá, vá, ragazzo

innamorato; e no fim, ao longe, a barcarola da despedida, lenta e graciosa, tais eram os

elementos recentes, que formavam, com os antigos, uma fé nova e vivaz.

A verdade é que o coração ia alegre e impaciente, pensando nas horas felizes de outrora

e nas que haviam de vir.

Ao passar pela Glória, Camilo olhou para o mar, estendeu os olhos para fora, até onde a

água e o céu dão um abraço infinito, e teve assim uma sensação do futuro, longo, longo,

interminável.

Daí a pouco chegou à casa de Villela. Apeou-se, empurrou a porta de ferro do jardim e

entrou. A casa estava silenciosa. Subiu os seis degraus de pedra, e mal teve tempo de

bater, a porta abriu-se, e apareceu-lhe Villela.

— Desculpa, não pude vir mais cedo; que há?

Villela não lhe respondeu; tinha as feições decompostas; fez-lhe sinal, e foram para uma

saleta interior. Entrando, Camilo não pode sufocar um grito de terror: — ao fundo sobre

o canapé, estava Rita morta e ensanguentada. Villela pegou-o pela gola, e, com dois

tiros de revólver, estirou-o morto no chão.

FIM
 
Fonte :site da abl :

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