terça-feira, 22 de janeiro de 2013

40





se a vida começa aos 40
não sei o que eu tenho
sei lá o que eu atraio
se é verso ou o contrário
só sei que me avario
até ser vários
se a vida começa aos 40
o que vivi até hoje
já deu um belo ensaio

afinal são 7 livros de poesia
as músicas em cumplicidade
os 3 braços da tradução
uns 2 cursos pela metade
e um curso de letras
completo em sua incompletude
e como se não bastasse
como se já não fosse o fim
um mestrado em inutilidade

são 365 dias vezes 40
14 mil e seiscentos dias
dos quais lembro menos
bem menos do que a metade
da metade da metade
algumas janelas a memória abre
outras não, e eu não sei mais
se há alguém que sabe

de tudo que eu vivi
errei bem mais que a metade
isso é três quartos da verdade
errei o acorde, pensei um sol maior
mas meus dedos só tiravam
notas baixas na guitarra
já na época da sala de aula
ficava no fundo ou no canto
era o último a ser escolhido
para o time de futebol
e o primeiro a ficar no banco

desde o começo da juventude
a compaixão me cercava
ela me rodeava, pedia piedade
mas nas mãos eu só tinha dó menor
e o contrário também era verdade
achava que pra amar bastava a tarde
não sabia que antes era preciso coragem

e assim, errei no jogo, errei no amor,
errei na amizade, errei na sinuca
no supertrunfo, no jogo de dados
de tanto errar na família
disso já fiquei familiarizado

se errar é humano, já devo ser
humano, demasiado humano
dado o tamanho dos danos
mas também tive meus rasgos
acertei algumas respostas,
até que enfim tirei boas notas
no violão de aço,
solei na guitarra de plástico

e voltei a caminhar na direção errada
pensando em música, em musas
de Dante, musas cheias de dentes
musas de lábios costurados
musas de beijos obturados
achei que meu verso podia quebrar
aquela linha entre os teus lábios, amor
mas só o que causei foi estupor,
licor,
quadro a quadro do voo do beija-flor

e se lembro direito,
nunca pensei em dinheiro
só amava enquanto seguia alheio
como tantos, o amor me dava um bolo
enquanto eu sonhava com o recheio
ou o amor ia me comendo pelas beiradas
até me acertar em cheio, nos teus seios

nunca servi a nenhum exército
que não fosse o da paixão
lutei em todas as guerras com destreza
sabia a hora certa de bater em retirada
a hora certa de entrar na trincheira
e de como gastar toda a munição
e de como rasgar o peito no arame farpado
e rastejar até você com o coração na mão

mas nunca fui um desertor
lutei até ser rendido por algo maior
e dei adeus às armas do coração
adeus a você, adeus a mim, adeus ao perdão
não voltei pra causar discórdia
só voltei por compaixão
voltei pra que dessa vez, amor
você termine o que começou

se a morte começa aos 40
por hora
quando você tem 20 anos
e depois ela só vai acelerando
dando carona pra toda e qualquer dor
e pisando fundo no acelerador
quando você chega aos 40 anos
e a 40 por hora, é só questão
de tempo pra ela te alcançar

e eu posso estar com os pneus gastos
às vezes dirigir na chuva cansa
mas ainda tenho poemas e gatos
e canções usando cinto de segurança
e um sonho pra sonhar
ali, sentadinho no banco de trás

tenho até mais do que isso
sim, agora é pura sinceridade:
tenho o amor como um amigo
ou como meu melhor inimigo
depende de qual metade da metade
da vida você olhar agora, amor
antes que a morte faça outro aparte

talvez amar nos poemas
o que o amor não ama de verdade
seja minha única obra de arte

Fernando Koproski

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