sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

A Cascais, uma vez e nunca mais





Luciano André Santos Seabra nasceu em Lisboa no primeiro dia de setembro de 1997. Quem vir o calendário confirmará que foi segunda-feira. Ele era o segundo filho na sua família e o seu irmão-mor, Agnaldo, já tinha 11 anos.
Crescendo Luciano, os pais dele pediam Agnaldo que ele ajudasse Luciano na creche, depois, nos deveres da escola. Como, apesar da ajuda, Luciano não tinha sucessos marcantes nos estudos, ao contrário do seu irmão-mor, este ficava chateado cada dia mais e, explicando milhares de vezes as coisas simples ao seu irmão menor sem resultado, repetia: “Morre”.
Durante tanto tempo, Luciano era um aluno “mediano” da turma. Nas tabelas da qualidade do desempenho dos alunos, ele ocupava exatamente o lugar “equatorial”, décimo quinto entre os trinta alunos e assim durava até o ano letivo 2011-2012, em que ele de repente “subiu”, sentindo vontade de estudar, de conhecer, de aprender, de averiguar. Passadas as provas finais do nono ano, os pais dele resolveram ir a Cascais, passar lá na praia umas duas semanas e levaram-no consigo, o que antes nunca fizeram.
E tudo lá começou bem, eles passavam ótimos dias, tomando banho do Oceano Atlântico e das piscinas do hotel em que ficavam e passariam assim ambas as semanas da estada, mas...
Javid Arezani nasceu aos 28 de junho de 1980 na cidade de Bandar-e Anzali, no norte do Irã. As janelas da casa, em que morava a família dele, davam para o Mar Cáspio, um dos poucos “mares” que não são. Terminada a escola, entrou no curso de medicina num dos institutos médicos da Rússia, mas foi expulso, não tendo passado as provas de segundo ano.
Expulso, entrou no curso de medicina numa universidade privada italiana, cujo nome não merece ser mencionado em qualquer publicação. Concluso o curso, já tendo a cidadania italiana, pôs-se a trabalhar num dos hospitais de Cascais.
Foi ali que trouxeram Luciano que tinha dor na parte inferior da sua barriga. Sendo-lhe feita a pergunta sobre o que causara aquela dor, ele não respondeu, mas disse que comera umas uvas com caroços, pensando que não os tinha dentro. Os métodos da detecção diferencial de doenças fizeram com que o conselho médico inferisse que a doença que causara a dor foi apendicite. Quem foi mandado fazer operação foi Javid.
A operação correu com êxito e, feita ela, foram costuradas as partes da pele e Luciano já ia para casa, mas, já se sentando no carro, sentiu uma dor fortíssima na mesma parte do corpo e, dando um ai, de repente ficou pálido e, trazido de novo para hospital, tombou morto.
A causa da morte foi a hemorragia interna, cujo porquê vou explicar. Depois da operação e antes de costurar a pele, o médico italiano-iraniano esqueceu-se de levar do corpo algumas ferramentas, usadas durante a operação, inclusive uma pinça miúda. Esta causou pressão ao intestino, rompendo-o e as veias circunvizinhas. O sangue saiu destas, misturou-se com o conteúdo, saliente do intestino, causando assim a morte.
Luciano foi enterrado aos 3 de julho de 2012, num dos cemitérios de Lisboa. Ele morreu, mas se realizou o desejo que Agnaldo expressava muitas vezes, confirmando-se assim a expressão “tenha medo dos seus desejos, pois eles podem tornar-se realidade”. Outra expressão a realizar-se foi ligada com a cidade de Cascais, aonde usualmente se ia uma vez por vida inteira. E assim Luciano foi a Cascais, para a viagem dele acontecer exatamente como dizemos, “uma vez e nunca mais”.
 
Trem Azul

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