A Parteira
De Mara Paulina Arruda
Fez uma semana que o vizinho do 802 gritou e bateu na
mulher. Eu, que moro no 806, em frente do apartamento deles quase morri de medo
e, quase ia dizendo lembrei-me de meu avô. Dizem os outros moradores do prédio
que ele estava desempregado e suspeitava de sua mulher. Ah tá! Grande novidade,
eu disse, por que é sempre assim. Ora bolas, eu já não tenho mais idade pra
isso e por ai adiante e ainda por cima ouvir essas asneiras fora do tempo. E,
como estávamos conversando, o desgraçado do 802 bateu na mulher e pôs os filhos
pra fora. Os coitadinhos ficaram no corredor a choramingar durante horas por
que o pai deles precisava acertar as contas com a patroa. O chato disso é que
tiraram o meu sossego e ai não consegui pegar o fio que iniciava o meu romance
por escrever. Agora, que daqui a pouco não me venham perguntar por que essas
crianças viraram delinqüentes. Fique quieta! Mas, sério: eu preciso escrever o
último romance desta vida vazia de mulher
solteira que se protege do sol com uma sombrinha, aposentada e ainda calça
meias finas de poas.... Bem que minha mãe avisou: Filha case logo senão você
vai ficar velha, encrenqueira, cheia de nós nas mãos e na alma. Sina? Destino?
Que palavra será a mais adequada? A vizinha, nunca mais eu vi- estão dizendo
que ela mudou-se com as crianças- e o romance...bem, o romance começou com essa
encrenca de fazer parto na vizinhança ou nas coisas que tenho aqui dentro do
peito. Por exemplo, hoje, parei para pensar em minha avó, por parte de mãe que
tinha uma corcova. Muitas vezes a vi um camelo. Mastigando canela em rama horas
a fio, falando pouco e resistindo aos empurrões da vida. Aliás, sua vida um deserto.
Mas ninguém dizia nada por que era assim: mulher direita não falava de sua
solidão e infelicidade conjugal. E fiquei com a vontade de ir atrás desta
vizinha e cumprimentar pela sua coragem, gritar até os pulmões cansarem e até
que os outros moradores do prédio queiram me socorrer nesse parto que é a
escrita.
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