Um dia de fúria ( Fragmento)
Definitivamente aquele não foi o meu dia de sorte.
Novamente subia ao apartamento, só que dessa vez para
trocar a calça e por um fato absurdo. Lembro-me que pouco antes ao descer do
13º, meu andar, o elevador estacionou no 5º onde entraram a dona Isolada e seu
cachorrinho, um chihuahua enegrecido e com manchas claras no peito. Mesmo para
quem escassamente conhecesse a o histórico dos moradores daquele condomínio não
me seria surpresa que soubessem que tanto eu e quanto o cão não morríamos de
simpatia um pelo outro num antagonismo pronunciado e que vinha de certa data. E
o pior naquela era a sua expressão sádica, além, óbvio, do seu aparente
retardo. Claro, poderia isentar dona a dona Isolada dos mesmos predicados, mas
não, pois às vezes a sua natureza indomada ela sugeria ser tão ou mais
irreverente que do próprio cão. Evidente, talvez o chihuahua tenha herdado
alguns dos seus traços em tão estreita convivência.
Ah sim! Sobre dona Isolda só posso dizer que ela era a
mulher do síndico, uma senhora exageradamente gorda e de peitos beirando ao
tamanho 58, se é que a numeração possa existir. Entretanto as suas dimensões e
grandezas não estacionavam unicamente por ali e o que me faz ser mais
insensível na análise do perfil corpóreo e psicológico, afinal eu a achava mais
irritante que o próprio marido, seu Virgílio. Bem, e em se tratando de síndico
boa parte deles me atemorizam mais que os próprios batedores de carteiras que
se postam nas esquinas de grande movimento. E por que isso? Simples... com os
ladrões você sabemos que estamos sendo roubado por ladrões...
Esquecendo essas questões que envolvem os síndicos e
perfis psicológicos retornemos ao Paquito (era esse nome do chihuahua) e àquele
infeliz dia onde a coisa sádica houve por bem confundir a minha calça cinza com
um poste de rua ( ao que achei intencional) maculando-a com uma urinada
espetacular. Recordo que momentos antes alguma coisa me perturbava ao descer
pelo elevador, talvez fosse meu sexto sentido. E a premonição foi desvendada no
abrir da porta do 5o andar e ao vê-los entrar. Assim que enfiaram seus pés no
elevador me percorreu pelo corpo uma sensação desconfortável, tanto que
alarguei a gola da camisa social. Lembro de ter cumprimentado a dona Isolda com
um desinteressado "oi" e fixado meus olhos na placa luminária presa
ao teto para fugir á presença da dupla. E eu olhava para as luminárias por não
mais de cinco segundos quando senti algo quente transpassando as as barras das
minhas calças, umedecendo o meu calcanhar.
Incontinente olhei para para a direção dos meus sapatos
e flagrei o Paquito urinando com uma das perninhas levantadas e o volume
líquido era tanto que a sua urina escorria pelo peito do meu mocassim e seguia
e abria num veio pelo piso cerâmico.
Aquilo me irritou profundamente, pois me senti agredido
com a displicência descarada de dona Isolda ao reprimir o seu esquizofrênico
animal à forma que o fez:
-Paquito! Tenha modos e não faça pipi na calça do
cavalheiro! - Ela dizia para o cão que a olhava com feição demente e sem
qualquer receio ou medo. Óbvio, diante o blefe de sua dona persistiu urinando
em minha calça..
Puta que pariu! Eu tive vontade de chutar o rabo dos
dois. Chegando ao térreo, apesar da raiva me foi impossível não maldizê-los ao
vê-los andar à minha frente, lado a lado, e tudo neles contrastava, até os
ridículos e desengonçados rebolados.
Sem alternativas subi ao meu apartamento, tomei uma
rápida ducha e desci com as calça trocada. Chegando ao térreo bato as mãos no
bolso e não encontro minha carteira. - “Porra seu cabeça de asno” Xingo-me,
pois esquecera de tirá-la da calça trocada. Retorno ao apartamento e localizo a
carteira e desço com o elevador que para dessa vez no 7º andar. Um calafrio me
percorre o corpo, pois aquele não era mesmo o meu dia de sorte. Ali, à minha
frente dona Sara e sua famigerada cria, Brigite, uma garotinha loira dos seus
sete anos entram. Definitivamente ela sempre pareceu ter problemas comigo; não,
a mãe não, a garotinha. Acho que estava com tanto azar que só me faltava também
dar de cara com o nazista. Enfim, era tarde para recuar, e quem sabe se a sorte
me ajudasse. Cumprimento dona Sara, e olho para a garotinha e tento sorrir um
sorriso de simpatia. Não adiantou.
-Mãe, olha... é o moço com nariz de... – Prontamente
interrompo Brigite, a chatinha, e completo.
-Já sei! O homem com nariz de palhaço, não é? Não era
isso que ia dizer? - Pergunto com um sorriso amarelo.
-Era! E que também tem o nariz vermelho! - Ela devolve
prontamente e sem pestanejar.
Olho para ela com um outro sorriso, desses que adoram
estrangular crianças malcriadas, pois provavelmente era a 15ª vez só naquele
ano (e ainda estávamos no início do 2º semestre) que eu a ouvia de sua boca
petulante a afirmação que meu nariz era enorme e vermelho. Bem, talvez até
fosse um pouco, mas aí deveríamos creditar aos fatores genéticos e
hereditários, já que eu era oriundo da mais alva raça germânica. Dona Sara que à
tudo assistia achou que é era a hora de intervir
-Filhinha, mamãe já te pediu diversas vezes! Não deve
se referir assim às pessoas, mesmo que você tenha razão ou que haja um motivo
verdadeiro! – Se havia coisa que admirava em dona Sara era o seu espírito conciliador,
apesar de que naquele momento não me foi de grande valia.
O resto do percurso foi feito sem grandes atropelos e a
menina esquecendo-se do meu nariz apertou os botões de todos os andares sob a
intrigante complacência da mãe. “Ah, Noêmia, aí vou eu!” Eu sussurrei comigo ao
chegarmos ao térreo. Um pouco mais saia pelo portão e me encaminhava para o meu
veículo que deixara estacionado em frente ao prédio e bato as mãos no passante
da calça jeans á procura do chaveiro do carro, e... - "Puts, é foda! Você
esqueceu as chaves do carro, asno!" - Agrido-me. Mais uma vez retorno para
o interior do edifício e no saguão dou de cara com a mãe e a filha, já que dona
Sara parecia reclamar algo com o zelador. Definitivamente eu estava
encrencado...
-Mãeee! Olha... o moço com nariz de palhaço voltou! –
Brigite exclamou numa surpresa infantil, porém insuficiente para aplacar o
aborrecimento de Dona Sara que a reprimiu com alguma severidade. Bem, quanto ao
resto nós já sabemos:
-Filha, eu já te falei e não vou mais repetir... NÃO SE
INCOMODE COM O TAMANHO DO NARIZ DO MOÇO - Ela a admoesta num tom exagerado
A reprimenda seria ótima se não houvesse tantas pessoas
que transitavam por ali naquele instante e que a ouviram perfeitamente. E digo
com certo aborrecimento, pois agora sim o meu nariz faria parte do folclore
condominial, exposto e devassado ao domínio público. E o fato era tão notório
que dona Amélia do 18o, e duns 80 anos transitando pela portaria na companhia
de sua filha e com rumo ao hall dos elevadores não me isentou da sua honesta
observação:
-Nossa! Olha só Roseli... e não é que o moço tem uma
napa e tanto?- A filha, uma discreta quarentona otimamente apessoada sorriu-me
desajeitada e continuou conduzindo a matriarca pelo pelo braço. Não tinham se
afastado demasiadamente quando ouço a gentil advertência de Roseli
-Pelo amor de Deus, mamãe, que coisa feia! Deixa o
nariz do moço em paz! Eu já vi bem maiores que o dele!
Jesus Cristo, eu não merecia aquilo. Encabulado,
continuei batendo as mãos nos bolsos, disfarçando, esperando que subam
Véio China
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