terça-feira, 7 de abril de 2015

ACEITA


Aceita o não, a porta batendo,
o silêncio vindo no vento.
Aceita a dor sem heroísmo,
nenhuma trégua e a frustração.
Descansa da mágoa: não tiras pão.
Aceita, aceita, aceita morrer.
Morrer é difícil, é quase impossível.
Resistir é inútil ainda que
apaguem o sorriso, e o amor se afogue
no próprio suor de suas promessas.
Ausentes te mentem. Aceita perder


a ponde de onde cais na mais elementar
falta de recursos, aceita, minúsculo,
não te chamar Jó e topar o sacrifício
de perder (perdemos sempre)
a hora leve dos prazeres,
a impunidade das vantagens,
a sorte dos mais felizes.
Aceita, convém, aceita
na grandeza dos que morrem,
na gentileza dos que somem,
na compreensão dos que aceitam
o fim de seus dias doces,
o começo de tempos ásperos.
Aceita enterrar-te vivo
numa casa onde ao lado
explodem risos e brotam
fatos quase sempre belos.
Tu, feio, pobre, sujo,
se gritares impedirás
a passagem para o outro lado
que só te aceita em paz,
não admite resistência.
Aceita, sem aceitar,
te finge de morto e
desta forma surpreendente
– o derrotado que extrai
da derrota a sua seiva –
te ergues já morto e vais
para a frente sendo outro.
O que morreu é lembrança
só tua, que dele não lembram.
Eras a nulidade pro mundo.
Aceitaste o veredito,
cabeça pensa, olhos postos.
E esperaste o suspiro
que te depositou no olvido.
Morrendo, sim, desta forma
ninguém irá te enterrar.
E, só no próprio velório,
a luz modesta crescerá
e terás a vida toda
para então ressuscitar.
Ressurreição permanente
de quem construiu-se eterno
crescimento após o luto
de não lutar quanto tudo
o empurra para o solo.
Aceita, aceita, aceita
que te aceitará a vida,
essa orgulhosa. Essa víbora
de ti, de mim se alimenta.
E quando, saciada, ao sono
ela se entrega sem vigília,
tu que aceitaste o infortúnio
acordas enfim pra fortuna.


Paulo Bentancur

Um comentário:

Anderson Carlos Maciel disse...

Corpos de defuntos não são sensuais. Ainda que desprovidas de linguagem adequada, com o perdão da cópia para cá, as "bundas" televisivas não estão nada mortas e rodopiam e se acasalam em frenético rítmo sociológico. Cabe a nós encontrar imagens e beleza outra que não infernos astrais de Freudiano tato: aquele que remete às questões psicanlíticas da infância e a ausência. Ficamos, na teoria, expostos ao livre arbítrio psiquiátrico sobre nossas vidas. Espero uma fórmula sensualmente adequada, não que morrer em si mesmo não fosse uma "boa", mas é preciso renascermos.

Bom dia, amor universal e consciência cósmica iluminando os espíritos solitários nestas pairagens cyberatlânticas da linguagem verborrágica do amor verdadeiro nem sempre correspondido a contento. Difícil corresponder quando há linguagem em pilhas quadradas e duras de livros.