sábado, 4 de abril de 2015

TIRANDO AS COSTELETAS


– Ninguém tem o direto de renomear os sentimentos da gente. Porra, se você diz que é amor, é porque é amor!
– É que tem muito marmanjo por aí que usa essas palavras só pra encantar a mulherada carente. E olha que a mulherada está carente mesmo: só tem macho alfa besta no mercado – e ele riu, o homem de cavanhaque, provavelmente achando espirituoso o trocadilho "alfa besta". – Mas aí, o que foi que você aprontou dessa vez?
– Pisei na bola, porra. De novo.
– Que você pisou na bola eu sei. Senão você não ia me ligar me intimando pra tomar uma cerveja a esta hora e nesta noite fria.
Com efeito, a noite estava fria. Garoava e os pingos amarelavam ao passar por sobre os globos da iluminação pública. Lá fora um vira-lata focinhava um saco de lixo. Dentro, o dono do boteco já passava um pano sobre o balcão como que indicando que o expediente em breve estaria encerrado.
– Mas o que foi dessa vez? – tornou o homem de cavanhaque.
– Saí com outra e a Nise ficou sabendo...
– A outra postou um selfie no Face e a Nise ficou puta.
– Não. A Nise perguntou e eu, numa crise de sinceridade, contei.
– Cara, se você quer ser garanhão e afirmar sua virilidade afetada pelo passar dos anos não pode ser honesto.
– Mas ela sempre disse que me dava liberdade, que não estávamos presos...
– Conversa de mulher ciumenta quando volta do analista.
– E agora o que eu faço? – perguntou o de costeletas.
– Corta o pau e manda de presente pra Nise. Não vai ter prova de amor maior – e o homem de cavanhaque soltou uma gargalhada.
Depois de um minuto de silêncio, pediram a saideira. O dono do bar já baixava as portas de ferro.
– Será que dói muito? – perguntou, com um ar taciturno, o de costeletas.
– O quê?
– Cortar o pau.
– Acho melhor você arrancar primeiro essas costeletas... Estão muito bregas.


Otto Leopoldo Winck

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