Guarde a tua dor contigo.
Não exponha na janela
os hematomas que ninguém quer ver.
Abra no teu peito
um buraco, uma cratera, uma cava,
uma cova clandestina,
e meta lá dentro, bem no fundo,
tua vergonha, tua peçonha, tuas catástrofes matinais.
Eu não quero saber de tuas noites mal dormidas
nem dos ácaros das tuas fronhas
quando aqui fora esplende um límpido sol de primavera.
Eu não quero saber das tuas contrações de gozo,
dos ganidos do teu coito interrompido
nem de teus exasperados gritos
de socorro.
Aqui não há auxiliadoras
nem lenços de papel. Não há piedade.
Guarde as tuas boas
e péssimas intenções.
Não me mostre os olhos vermelhos.
É ridículo chorar. É ridículo sentir
qualquer coisa que não desprezo.
Guarde o teu choro
e a tua gargalhada também.
Eu não quero saber
das tuas varizes, da tua pancreatite aguda,
da tua má consciência, do teu medo de morrer
sozinho.
Guarde o teu escapulário roto,
teu calvário de insânias. Teu currículo
de insultos e blasfêmias.
Não me venhas falar do teu desgosto,
do gosto de catarro em tua garganta, dos teus versos
brancos,
do livro perdido de Rimbaud.
Queime todas as fotografias,
nada de lembranças da infância sequestrada.
Incinere todas as cartas de amor
no inferno que os outros aos poucos te acenderam.
Que é a infância
senão a face mais estúpida da vida?
Que é o amor, senão um emplastro
com o qual nos ludibria o instinto de reprodução da espécie?
Também nada de sonhos.
São os sonhos que envenenam a alma,
amargam o regato já no olho. Por que inventar rotas,
imaginar roteiros de viagem,
se ao nascer já te prescreveram os caminhos consentidos?
Nada de sonhos e absolutamente nada de êxtases.
As auréolas deixa-as para os santos ou para os seios. Os
ícones deixe-os nos mosteiros bizantinos.
Os fantasmas, no porão. Os demônios, ah, não creia em
demônios.
Como as bruxas, eles não existem.
Guarde inclusive as tuas pústulas, o teu pus, os teus
tripanossomos,
que a putrefação aqui só é apreciada
em galerias. Guarde os teus nódulos no pescoço,
a tua flatulência vespertina, os pelos encravados na
virilha, a noite da tua maior angústia,
a culpa original,
que o buraco aqui não é mais embaixo
nem mais à cima.
Simplesmente não há buraco,
não há vazio, e toda lacuna
é imediatamente cauterizada.
Esta vida, amigo,
a única que com certeza podemos contar,
não cheira nem fede.
Não é bela nem feia, podre ou nobre.
É, simplesmente é. Sem qualificativos.
Sem predicados.
É pegar ou largar.
Aceitar ou cair fora.
Pois se vacilares, irmão,
vacilares um só minuto,
estarás perdido
– como eu.
Otto Leopoldo Winck