Quando meus irmãos e eu éramos crianças, o meu vô Raul tinha
uma bodega. Ali se vendia de tudo e ele, para dar a impressão de que seu
estoque estava bem sortido, enchia as prateleiras com latas de óleo vazias.
Certa vez um senhor, morador no sítio para fazer o seu fornecimento alimentício
e pediu ao meu avô seis latas do produto, mas como todas estavam vazias, o seu
Raul passou vergonha.
A vó Cacilda judiava dele, esperava que ele dormisse, pegava
a chave do armazém e se divertia, pegava tudo o que queria. Como ele era muito
seguro, sovina mesmo, não nos dava uma bala sequer, mas a vovó em suas idas
sorrateiras pegava à vontade os cobiçados doces para nos dar. No dia seguinte,
era uma guerra na casa deles, e isso era quase que diariamente.
Uma vez, o vô Raul enterrou dinheiro dentro de uma lata de
“Neston”, embaixo da casa da tia Cleici, mas o Cliceu (Zico) viu e contou pra
vó Cacilda. Ah! Não deu outra, à noite ela foi lá, catou o dinheiro e enterrou
a lata vazia. Dias depois o vô foi pegar o dinheiro, e cadê? Gente! Eles quase
se mataram. E a vó era cínica, ela negava e ainda saía de coitada.
O vô tinha vontade de chupar sorvete, mas ele era tão
sovina, que chupava gelo com açúcar. Quando ele tinha vontade de comer frango
assado, ele armava uma arapuca e comia passarinho, pombas... o que ele
conseguisse caçar. Mas sempre foi muito honesto, nunca deveu um centavo pra
ninguém.
Ele gostava de falar sozinho, e meu Deus! Tinha uma boca
suja.
A vó era mão aberta. O que ela tinha não era somente dela,
gastava antes de ganhar.
Sua casa era impecável: sempre arrumada com pratarias,
porcelanas, bibelôs de cristais.
Colchas “chiquérrimas nas camas.
Eles eram o sol e a lua de tão diferentes. A vovó gostava de
presentear, e vovô não.
E é disso que sinto falta: ele não nos dava um doce se
fôssemos pedir, o jogava no meio da rua de bravo que ficava, mas nos dava colo,
contava histórias por horas a fio, contava os causos de quando era criança,
benzia as pessoas, curava de sapinho.
Eu sinto muita falta dele, pois para mim ele foi um herói,
porque na sua simplicidade havia aconchego.
A vó Cacilda era de família rica, tocava piano, tinha
etiqueta. O vô era de família de bugre: simples, coração grande.
De um lado era a “alemoa”, chique, grã-fina ,
inteligentíssima e do outro o bugre, cheio de conhecimentos da vida.
Mas ele foi sacana também, quando já estavam casados,
morando em Jacarezinho, ele foi transferido para Piraí e veio antes dela.
Quando ela chegou aqui, o malandro já estava noivo.
Adivinhem se não brigaram?
(Jusley Sabino)
COLETÂNEA DE CAUSOS, CRÔNICAS E POEMAS "PIRAÍ DE ANTIGAMENTE"