sábado, 7 de janeiro de 2012

Tratado oblíquo da solidão

  1   
(solidão)
sol sem luz
quando se está só e
(avassaladoramente) 
mal acompanhado.

  (solidão)
dia sem sol 
quando se está só 
sem o próprio corpo 
(sua bengala). 

(solidão)
sombra do sol quando se está só
e são  (no mundo)
mudo e morto.

2
comparada à minha, a solidão dos outros
é cortina opaca de banheiro
rosa murcha entre seios lembrança
apagada em lençóis
de gelo.
minha solidão é como um deus
sem cara sem sexo sem tamanho
em um pequeno mundo efêmero.

3

minha solidão é maior do que a (solidão) da minha mulher
do que a (solidão) dos meus filhos do que a (solidão)
dos que ainda não nasceram

minha solidão é maior do que
a (solidão) dos amigos que deixei de beijar
(enquanto eram amigos) maior do que a (solidão) dos inimigos
que deixei de matar
(enquanto eram vivos)

minha solidão é a
(solidão) dos que estão suspensos
entre a lembrança e o esquecimento
sem pontes tapetes arames fios de navalha (nem isso).

6
solidão apavora (ou inspira?)
solidão devora e vomita

solidão enregela (ou dinamita?)
solidão é escuro e ausência

solidão é silêncio (ou abismo?)
solidão é desejo e desolação

solidão é espera (ou suicídio?)
solidão é avesso e abandono

solidão é pergunta (ou escolha?)
solidão é falta e disfarce

solidão é leito seco
de um rio seco rio sem leito
ou leito sem rio
sem corpos úmidos deitados nele?

11
dizem que a solidão
é fumaça de cigarro
numa sala muda

mulher nua
e seu batom
abandonados no tapete 

         luz de abajur
tão distante que a
mão não alcança

homem e seu destino
na escuridão
da página em branco.



23

                            meus filhos longe
         dos meus abraços
         (longe)
         dos meus olhos
         envelhecendo longe
         de mim
         dos meus rios
         florestas
         mares ladeiras
         bares
         cafés da manhã

                            eu tão longe de mim
         dos meus sonhos
         da lua (imóvel)
         na moldura da janela
         da sirene da polícia
         do motor da cidade

                            eu só
         (tão longe)
         a música esculpindo (cenários)
         memórias
         (totens) para a saudade longínqua.


Tonico Mercador, poeta e jornalista, autor de diversos
livros, entre eles Perversos. tmercador@mac.com

Fonte revista electronica Tanto

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