O diário
Chove muito. Como eu gosto que chova. Todo verde
está escuro. É bonito e evocativo o dia escuro dentro das salas, quando está
chovendo. As pessoas ficam mais graves. Dormi como há muito tempo não dormia. Um
sono só, inteiro, sem que eu me sentisse. Oito horas assim como se eu não
tivesse corpo. Meu corpo é um fardo. Devia viver duas vezes, para levá-lo ao
túmulo em duas viagens. Era mais fácil para as minhas forças. Geralmente durmo
sentindo. Às vezes é o calor. Outras vezes ouço o que dizem e tudo o que soa. E
me sinto sempre. Hoje, não. Estive deliciosamente morto. Da morte, só deve ser
ruim o momento de justa saudade, quando se vê um filho e uma flor, quando se
ouve um grito ou uma música, pela última vez. A manhã foi linda. Saí de
automóvel. Um dia esplêndido. Havia chovido e fazia frio. Muitas flores, nos
parques, pelos canteiros. Eu fico muito completo quando sinto frio."
(Antônio Maria)
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