sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

O diário



Chove muito. Como eu gosto que chova. Todo verde está escuro. É bonito e evocativo o dia escuro dentro das salas, quando está chovendo. As pessoas ficam mais graves. Dormi como há muito tempo não dormia. Um sono só, inteiro, sem que eu me sentisse. Oito horas assim como se eu não tivesse corpo. Meu corpo é um fardo. Devia viver duas vezes, para levá-lo ao túmulo em duas viagens. Era mais fácil para as minhas forças. Geralmente durmo sentindo. Às vezes é o calor. Outras vezes ouço o que dizem e tudo o que soa. E me sinto sempre. Hoje, não. Estive deliciosamente morto. Da morte, só deve ser ruim o momento de justa saudade, quando se vê um filho e uma flor, quando se ouve um grito ou uma música, pela última vez. A manhã foi linda. Saí de automóvel. Um dia esplêndido. Havia chovido e fazia frio. Muitas flores, nos parques, pelos canteiros. Eu fico muito completo quando sinto frio."
 
 (Antônio Maria)

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