As luzes crepusculares do final do século XXI
Derramavam-se sobre um mundo ainda estarrecido
Com o horror das guerras nanorrobóticas.
Fora um século violento, desde as primeiras décadas,
Quando os atentados suicidas e termonucleares
Flagelaram a América do Norte.
Brasil, Índia, Rússia e China, as maiores potências mundiais,
Mediavam agora a paz possível num mundo multipolarizado,
Porém, ainda não globalizado por completo.
Não guerreiam mais países entre si, senão facções.
Entrementes, num esplêndido aposento,
Cheio de referências à Antiguidade egípcia e greco-romana,
Ele caminha em direção à janela e seus olhos refulgem
Ébrios de verdes, azuis, amarelo e prata: o Rio de Janeiro
Dali se avista inteiro, e a paisagem lhe sorri imensa,
Alheia ao mal do mundo e ao drama humano.
Seus pais foram cientistas e humanos modificados
Mais inteligentes, mais fortes e potencialmente mais longevos
Que os humanos comuns. Em sua geração, houve uma
Tendência: usarem-se asas de pássaro, brancas e amplas,
A brotar das costas para se articularem como braços,
Num par a mais, a partir de grandes peitorais hipertrofiados.
Tais asas eram funcionais e permitiam que os jovens
As ruflassem contra o vento, pisando pranchas que saltavam
E praticamente voavam por sobre as vagas marítimas:
Foram chamados, dessarte, de — Juventude Angélica.
O século XXI viu a revolução genética; a morte por causas
Naturais se tornara obsoleta, a vida eterna um direito de todos.
O humano perscrutara a vastidão do espaço sideral, os arcanos
Do mar profundo e do imo da Terra, adaptando o próprio corpo
A cada qual de tais fronteiras. Capaz de sintetizar a matéria,
De teletransportá-la e recriá-la indefinidamente, a Razão
Dominara o Verbo, o Fiat: máquinas de prodígio geravam
Bens de consumo, livros, saber, alimento e arte, reorganizando
A estrutura dos átomos, a linguagem das coisas, e Mona Lisas
Autênticas se reproduziam à vontade. Eis que o dom de criação,
A um comando de voz, elevava o humano à deidade plena.
Entrementes, faltava a última barreira: a das horas e anos,
A das Eras e do devir. O tempo era a derradeira fronteira
Mas sabíamos já que a cruzaríamos; sabíamos que o Transumano
Viajara, em carruagens de fogo, à gênese mesma da sua existência
À sua Arché, e a modificara, de sorte que o humano sempre fora
Transanimal; sim, de sorte que a sua evolução cavalgara tal como
Nada mais explicaria em ciência ou filosofia. Ao mudar o tempo,
Ele gerara, ademais, um’outra Terra a esculpir-se sobre a face de
Um universo paralelo e outro em relação ao primo, onde o homem
É criador do próprio homem, é o Demiurgo de si mesmo, é o Pai,
É o Filho do homem e de Deus. Jeová é uma evolução do humano,
Clamavam todos ao final do século XXI! E ave, Mara Mariana!
Deus é o filho do homem, — não há negar.
Ai, que o tempo trafega em espiral do universo primo ao atual!
E o Transumano é capaz de avistá-Lo, ao Humano Incorpóreo,
O Absoluto, criador e criatura, etapa final, ideal supremo, perfeito.
Assim é que, num aposento esplêndido,
Cheio de referências à Antiguidade egípcia e greco-romana,
Ele caminha em direção à janela e seus olhos refulgem
Ébrios de verdes, azuis, amarelo e prata: o Rio de Janeiro
Dali se avista inteiro, e a paisagem lhe sorri sempiterna,
Alheia à dor e glória da existência e da supernaturalidade.
Seu pé pisa o parapeito acolchoado do mais pérsico tapete,
O vento desalinha os seus cabelos livres, suas asas se ruflam!...
Ai, que o Transumano mergulha no Ocaso, mergulha no espaço
Encharcado de ouros, mergulha no tempo, a empunhar o Caduceu,
E, do Alto, enfim, entronizado — ele zela por nós.
Igor Buys
http://www.youtube.com/watch?v=nQsfV0yIetw
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