terça-feira, 12 de abril de 2011

O TRANSUMANO

As luzes crepusculares do final do século XXI

Derramavam-se sobre um mundo ainda estarrecido

Com o horror das guerras nanorrobóticas.

Fora um século violento, desde as primeiras décadas,

Quando os atentados suicidas e termonucleares

Flagelaram a América do Norte.

Brasil, Índia, Rússia e China, as maiores potências mundiais,

Mediavam agora a paz possível num mundo multipolarizado,

Porém, ainda não globalizado por completo.

Não guerreiam mais países entre si, senão facções.



Entrementes, num esplêndido aposento,

Cheio de referências à Antiguidade egípcia e greco-romana,

Ele caminha em direção à janela e seus olhos refulgem

Ébrios de verdes, azuis, amarelo e prata: o Rio de Janeiro

Dali se avista inteiro, e a paisagem lhe sorri imensa,

Alheia ao mal do mundo e ao drama humano.



Seus pais foram cientistas e humanos modificados

Mais inteligentes, mais fortes e potencialmente mais longevos

Que os humanos comuns. Em sua geração, houve uma

Tendência: usarem-se asas de pássaro, brancas e amplas,

A brotar das costas para se articularem como braços,

Num par a mais, a partir de grandes peitorais hipertrofiados.

Tais asas eram funcionais e permitiam que os jovens

As ruflassem contra o vento, pisando pranchas que saltavam

E praticamente voavam por sobre as vagas marítimas:

Foram chamados, dessarte, de — Juventude Angélica.



O século XXI viu a revolução genética; a morte por causas

Naturais se tornara obsoleta, a vida eterna um direito de todos.

O humano perscrutara a vastidão do espaço sideral, os arcanos

Do mar profundo e do imo da Terra, adaptando o próprio corpo

A cada qual de tais fronteiras. Capaz de sintetizar a matéria,

De teletransportá-la e recriá-la indefinidamente, a Razão

Dominara o Verbo, o Fiat: máquinas de prodígio geravam

Bens de consumo, livros, saber, alimento e arte, reorganizando

A estrutura dos átomos, a linguagem das coisas, e Mona Lisas

Autênticas se reproduziam à vontade. Eis que o dom de criação,

A um comando de voz, elevava o humano à deidade plena.



Entrementes, faltava a última barreira: a das horas e anos,

A das Eras e do devir. O tempo era a derradeira fronteira

Mas sabíamos já que a cruzaríamos; sabíamos que o Transumano

Viajara, em carruagens de fogo, à gênese mesma da sua existência

À sua Arché, e a modificara, de sorte que o humano sempre fora

Transanimal; sim, de sorte que a sua evolução cavalgara tal como

Nada mais explicaria em ciência ou filosofia. Ao mudar o tempo,

Ele gerara, ademais, um’outra Terra a esculpir-se sobre a face de

Um universo paralelo e outro em relação ao primo, onde o homem

É criador do próprio homem, é o Demiurgo de si mesmo, é o Pai,

É o Filho do homem e de Deus. Jeová é uma evolução do humano,

Clamavam todos ao final do século XXI! E ave, Mara Mariana!

Deus é o filho do homem, — não há negar.

Ai, que o tempo trafega em espiral do universo primo ao atual!



E o Transumano é capaz de avistá-Lo, ao Humano Incorpóreo,

O Absoluto, criador e criatura, etapa final, ideal supremo, perfeito.



Assim é que, num aposento esplêndido,

Cheio de referências à Antiguidade egípcia e greco-romana,

Ele caminha em direção à janela e seus olhos refulgem

Ébrios de verdes, azuis, amarelo e prata: o Rio de Janeiro

Dali se avista inteiro, e a paisagem lhe sorri sempiterna,

Alheia à dor e glória da existência e da supernaturalidade.

Seu pé pisa o parapeito acolchoado do mais pérsico tapete,

O vento desalinha os seus cabelos livres, suas asas se ruflam!...

Ai, que o Transumano mergulha no Ocaso, mergulha no espaço

Encharcado de ouros, mergulha no tempo, a empunhar o Caduceu,

E, do Alto, enfim, entronizado — ele zela por nós.





Igor Buys

http://www.youtube.com/watch?v=nQsfV0yIetw

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