o que pensar de tua pênsil melancolia:
um dinossauro de carranca dócil
como uma chuva fina
quando nasci você já estava lá
povoando o estreito entre a ilha
e o continente
suportando no halteres do tempo
o peso das gentes
e suas sólidas matérias de travessia:
carros, carroças, gente a pé,
sós e acompanhados,
solteiros, viúvos, namorados
e o vento sul jogando contigo
um jogo de punhais
que rasgam e roem a carne dos incautos
mas tu nuncas boliste com ele
porque és pedra inamovível
criatura retesada para dentro de si
contraída em seus arrebites de perseverança
sabes ser mais que ponte
sabes ser península
e mais ainda: sabes ser pirâmide sem o ser
Queóps de luz
como um farol ou um arraial
hoje ponte anciã
teus parafusos e arruelas reumáticas
aposentaram-se dos automóveis
mas as gentes
as gentes ainda passam por ti
com suas outras matérias de travessia
com suas proas de passos
a passar
pela alameda dócil
do teu rígido lombo
de ferro-ósseo
Anisio Garcez Homem
Poema publicado no livro "Lâminas", em 1995. Quando este poema foi feito ainda era possível
transitar a pé pela ponte. Hoje,
debilitada e ameaçada nem isso mais é possível. Repasso este poema pra lembrar
com carinho este símbolo tão caro aos florianopolitanos.
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