quarta-feira, 20 de novembro de 2013

deus cuida de tudo, dizia e ia perdendo os dentes nos intervalos. quando criança, eu achava que sussurrando uma canção bonita a gente podia falar com ele. a ausência é o modo mais eficaz que deus tem para provar que não existe. toda noite volto trazendo uma sacolinha com filmes e algum livro na mochila. fico lendo na cama, em voz alta, distraio a insônia. peço uma pizza, não toco nela. folheio revistas. os livros comprados em sebos dividem espaço com latas de suco e embalagens de comida pretensamente saudável (é exceção a pizza). posso lavar a louça outra hora. lá fora, escuto o ônibus madrugueiro. buzinas, para que não esqueçamos onde estamos. nunca sei se está sendo uma noite difícil. onde os cachorros da vizinhança? cansaram seus uivos. abro a janela. o ar é frio e no céu estão entediados anjos da guarda. vem entrando a manhã. gatos miam nos becos, ninguém dá por eles. esses gatos que ouvimos chorar de madrugada são a reencarnação de crianças mortas prematuramente.

Luiz Felipe Leprevost

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