Para quem sobreviveu a mais de trinta e oito natais como eu
e provável que pouco reste daquele sentimento que nutríamos ao longo de um ano
inteiro, sobretudo em nossa primeira infância. Refiro-me aquela expectativa
introjetada em nossas consciências por nossos pais e estimulada pelos meios de
comunicação, de que, no alvorecer daquele dia mágico de 25 de dezembro, um
legítimo representante dessa dimensão intangível que paira em algum ponto
indefinido de nossas realidades, faria sua aparição entre nós. E claro que falo
do "bom velhinho", o qual traria consigo, alem dos presentes
solicitados, um cadinho de mistério para iluminar nossa existência.
Crescer em meio a esse contexto foi para mim, e, acredito,
para toda a geração que me acompanhou um processo progressivo de ruptura.
Primeiro, desmistificando de uma vez por todas essa encenação da qual desde
muito cedo desconfiavamos estar sendo vitimas (recordo de primos mais velhos,
tios e/ou vizinhos fantasiados de Papai Noel, cujo rosto nos era familiar, mas
que, por bom senso, consentimento ou mesmo falta de coragem, hesitavamos
desmascarar). Segundo, acatando a prerrogativa da rebeldia como atributo da
juventude, através do exercício permanente da crítica, investida ou não de
razão, contra tudo aquilo que fosse proferido por um adulto, autoridade ou
tradição. Terceiro e último, que acudidos pela alentadora opinião da esquerda
(seja lá o que ainda represente esse conceito nos dias atuais), o Natal, assim
como outras festas burguesas, não passaria de um artifício ideológico das
classes dominantes.
Levado por certo estado de espírito, típico do período,
proponho uma reflexão um pouco diferente das usuais para pensar o vigésimo
quinto dia do mês de dezembro de dois mil e treze. A ela denomino - "Em
busca de um verdadeiro sentido para as coisas".
De dia sagrado para os cristãos o Natal foi promovido a data
comercial mais importante do ano. Todos aqueles que foram presenteados
seletivamente em algum dos outros 364 ciclos de rotação da terra (mães, pais,
crianças, namorados, avós, professores) podem ser, indistintamente, agraciados
com brindes e lembranças nesse dia. A disponibilidade dos 13° salários nas contas,
o pagamento das férias ou o acesso sem maiores obstáculos a empréstimos,
cartões de credito e/ou cheques especiais estão aí para impedir que esqueçamos
qualquer um. A que se considerar também que as redes sociais, esses
"indispensáveis apêndices da democracia moderna", fazendo as vezes da
opinião pública, a todos impõe a sombra do estigma ou da ameaça de perda de
popularidade de acesso. Risco os quais, sob um consenso tácito, mesmo sem saber
o que efetivamente perdemos ou ganhamos, no caso de levarmos a cabo nossa opção
pelo comedimento, pela gratidão e pela simples expressão de sentimentos,
optamos não correr.
A insubordinação a vontade de um adulto, a reprovação a
qualquer autoridade e/ou a recusa a participação em tradições familiares e
comunitárias e um dos sinais da juventude. Entretanto, essa, a exemplo de
outras fases do nosso desenvolvimento, com seus altos e baixos, compreende um
processo gradativo de aprendizado. Com o passar do tempo, essa negação
revela-se um comportamento nem sempre favorável. Como logo aprendemos,
rebelar-se contra tudo e contra todos e uma atitude quixotesca. E preciso
maturidade para distinguir moinho de dragões, amigos de inimigos, oportunidades
de crescimento de obstáculos a serem contornados, e, momentos oportunos de ações
precipitadas.
Ainda que ter nascido numa classe social específica
represente dispor de determinadas oportunidades e ser destituído do acesso a
outras num plano imediato, e bastante claro que enxergar nessa circunstância um
entrave ao meu completo desenvolvimento enquanto ser humano e uma perspectiva
demasiada estreita e limitada. O vinculo que me prende a classe na qual nasci e
insuficiente para revelar quem eu verdadeiramente sou e no que, sob o curso de
meus próprios méritos e esforços, irei me transformar.
Em busca de uma opinião um pouco mais clara sob essa espessa
neblina que a experiência e a autocrítica me levaram a dissipar concluo com a
seguinte consideração.
A vida e mistério. O maior e mais insuperável enigma do qual
participamos (retomo aqui a pergunta formulada pelo filósofo alemão Martin
Heidegger em sua aula inaugural sobre metafísica - "Porque existe o ser e
não o nada?"). A ciência avança e, numa proporção superior a ela, o
cabedal de perguntas deixadas sem resposta permanece. As religiões nada mais
fizeram do que inverter e institucionalizar a lição ensinada por alguns poucos
seres humanos exemplares, que, dada a coragem, desprendimento e a grandeza, mostraram
ser possível trilhar um caminho diferente daquele seguido pelas multidões.
Ensinaram liberdade, ao contrário das igrejas que nos acorrentaram as suas
interpretações, rituais e contribuições.
As indústrias, os bancos, as lojas, os prestadores de serviço,
as agências de publicidade e os governos, de um modo geral, em função do imenso
poder econômico, político e cultural do qual dispõe, apropriaram-se de todos os
sinais, símbolos e ícones produzidos pela humanidade e através de estratégias
muito bem planejadas de vinculação ininterrupta de imagens e mensagens, nos
convenceram de que ser feliz e uma questão de escolha (das marcas) e da
aceitação de um novo deus (o dinheiro).
Dia desses, olhando nos olhos de minha filha enxerguei um
certo brilho que eu acredito não ter perdido ainda nos meus. Além de ama-la
incondicionalmente descobri que eu aos 38 e ela aos cinco buscamos as mesmas
respostas...
Will Coutinho Hamon
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