12 de fevereiro de 2013 às 09:40
Por Susan Blum
Il dépend de celui qui passe
Que je sois tombe ou trésor
Que je parle ou me taise
Ceci ne tient qu'à toi
Ami n'entre pas sans désir*
Começou com um. Um só. Um apenas.... não é assim que muitas
coisas começam? Estava passando pelo centro e resolveu entrar em uma loja
quando um homem o ofereceu. Quando o viu, (o achou bonito e) não resistiu à
curiosidade...
Sabia que os pais não queriam isso em casa, mas a paixão já
o dominava. Comprou. Sofregamente o abraçou, sentindo-o quase que a vibrar em
seus braços, mas podia ser a sua própria vibração refletindo nele.
Chegou em casa, com ele escondido dentro do casaco, pois
seus pais – que ele considerava antiquados – achavam que isso trazia doenças e
dependências, podendo até levar à loucura.
Entrando rapidamente no quarto logo trancou a porta.
Colocou-o em cima da cama e ficou observando-o e acariciando-o por um tempo.
Depois procurou um local adequado onde pudesse guardá-lo. O armário! Sabia que
a mãe nunca mexia em seu armário, pois ela tinha o hábito de deixar a roupa
lavada e passada em cima de sua cama para ele mesmo guardá-la. Disciplina,
dizia ela. Ajeitou uma prateleira e lá o colocou, com cuidado.
Sentia um carinho estranho por ele. Sempre que estava a sós
no quarto, com a porta bem trancada para prevenir surpresas, o pegava
docemente. Quando o apartamento estava vazio, pois seus pais saíam muito ou até
viajavam, o levava para a varanda, ou para o sofá da sala, e até mesmo dormia
com ele em sua cama.
Sempre retornava à loja em que o homem lhe oferecera. E o
homem continuava a oferecer outros, sempre recusados, com medo de “ofender” ou
“magoar” ao primeiro (como se fosse possível a ele compreender algo tão
complexo!).
Porém um dia o homem lhe mostrou outro que fez a paixão
transbordar de novo. Não conseguiu resistir. Comprou. O segundo fazia companhia
ao primeiro no armário. Chamava a um de Allan e ao outro de Julio. “Hoje vou
dormir com o Julio” e deixava o Allan em sua prateleira. Às vezes os dois iam
juntos lhe fazer companhia no leito.
O problema – não é de praxe aparecer problemas? – é que ele
descobriu que era de se apaixonar facilmente, pois um terceiro, um quarto e um
quinto foram se seguindo na fila. Até que um dia percebeu que o armário estava
lotado, com as gavetas e prateleiras entupidas deles, amontoados uns em cima
dos outros. A mãe estranhava ele se desfazer de tanta roupa ainda boa, doando
aos pobres. Era uma tentativa de arranjar mais espaço para eles.
Um dia, trazendo o quingentésimo nonagésimo nono, viu que
não caberia mais no armário. Chamou a irmã para seu quarto, trancou a porta e
mostrou a ela o armário entupido deles. Ela imediatamente se apaixonou por
alguns e disse que cederia parte de seu armário para eles.
Os armários de ambos foram sendo tomados por esses seres
incríveis. Como os coelhinhos vomitados daquele conto de Cortázar que eles
tinham lido várias e várias vezes. E, tal qual esses animais, eles foram se
proliferando. Isso de tal forma que todos os armários possíveis da casa ficaram
tomados.
Para que não acabassem por expulsar os donos, ele acabou
comprando o apartamento do lado, junto com a irmã, para instalá-los. Dessa vez,
como o imóvel era deles, eles ficavam esparramados pelos móveis, amontoados
pelos cantos, jogados uns sobre outros, empilhados nas mesas e poltronas, até
soltos pelo chão.
Porém eles continuaram se multiplicando e agora ameaçam sair
do apartamento e tomar o prédio.
*Depende daqueles que entram/ Que eu me torne tumba ou
tesouro/Que fale ou fique em silêncio./Você sozinho deve decidir./ Amigo, não
entre senão cheio de desejo. Paul Valéry, fachada do Musée de l’Homme, em
Paris.
2 comentários:
Que legal ver meu conto aí no blog! Obrigada! Beijos
Que legal ver meu conto aí no blog! Obrigada! Beijos
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