sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Leonarda Glück

Fim de ano tem um Q de flecha na barriga, de cuspe cuspido pra cima, de sol em Curitiba, o tanto que fica eu não sei, mas eu sei do quanto que vai. Fim de ano é mescla torta de pesadelo com esperança, boas novas e velhas más, é a viagem corrida, as meias que esquecemos de pôr nas malas, as com alça e as sem. Fim de ano tem gosto de fios de ovos, frutas e ideias cristalizadas, nem todas doces, nem só de salmão vive o sashimi, nem só de dentes vive a boca. Fim de ano é um feriado promíscuo tentando apaziguar a linha quente do horizonte, onde o astro rei morre toda vez só de tentar nascer, é tempo de chuva morna e fina malparada na língua, é tempo de baile noturno, de sorvete verde, uvas chupadas e pulinhos mil nas águas revoltas do mar. É tempo de trovoada e de dizer eu te amo no meio dos relâmpagos, a vela acesa, o cheiro das árvores, a família embrutecida, a mesa posta e os sorrisos planejados. Fim de ano tem cara de ritual vespertino, as marionetes que sangraram o ano inteiro, o estofo que a gente perdeu na estrada junto com o brio, o pó, a descida e a neve. Fim de ano é o começo dum outro, mais novo — um número a mais —, um amigo a mais, um cavalo a mais para montar.


E é nesse cavalo novo, preto de fogo, que eu vou encaixar as ancas para o meu furibundo trottoir!

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