Cristovão Tezza
Dia desses, divagando, cheguei à conclusão de que minha
geração é a mais sofredora que existe. Não é uma questão genérica, do tipo
“pessoas de tal idade” são assim ou assado. É geração histórica mesmo, aquele
povo que nasceu especificamente no fim dos anos 40 e no começo dos anos 50.
Esses, acreditem, estão sofrendo mais que os sessentões de outros tempos.
Explico. Começa porque foi uma geração que teve uma infância
dura e sofrida. O Brasil estava saindo do mato e entrando nas cidades, tudo era
difícil, os pais eram autoritários e intolerantes, a Igreja assustava bem mais
que hoje, o sexo era o portal do inferno e o professor tratava o aluno a pão,
água e reguada. Todo mundo mandava nas crianças sessentonas, e mandava no
grito. Escreveu, não leu, o pau comeu.
Reprimidos e revoltados, os sessentões adolescentes fizeram
a revolução sexual, de que não entendiam nada, e quem aproveitou mesmo a festa
foram seus filhos. Quando se tornaram pais, os sessentões não tiveram o gosto
de mandar; educaram os filhos nos sonhos igualitários de um mundo utópico e sem
conflitos. Como resultado, os filhos passaram a mandar nos pais, exatamente
como estes eram mandados antes.
Até aí, tudo bem; os sessentões já estavam adestrados para a
obediência. Mas a vida não é só família. No mundo tecnológico, por exemplo,
também os sessentões sofrem mais do que os outros. Quando chegou a internet, os
sessentões já eram quarentões cansados e não aprenderam nada, a cabeça com
saudade da velha roça, em que tudo era tranquilo e na tramela, enquanto a
gurizada passava o dia jogando videogame e entrava de cabeça no admirável
mundo novo que engoliu o velho. E engoliu os velhos. Os sessentões, que nunca viram
um autorama quando crianças, hoje não sabem que graça tem o Facebook ou o iPad
e acham uma chatice as senhas do banco, que vivem esquecendo.
E tem mais, talvez o pior: os sessentões sofrem muito no
terreno ideológico, em todos os espectros. A direita, por exemplo. Os
sessentões de direita de hoje lembram-se com lágrimas nos olhos da ditadura
militar. Aquilo, sim, punha ordem no galinheiro! E mais: mulher era mulher,
homem era homem, e o resto não se pronunciava. Igreja era coisa de respeito.
Hoje é essa esculhambação! E, também com lágrimas nos olhos, o sessentão de
esquerda tinha a convicção inabalável de que ser de esquerda era uma bênção,
uma bússola moral; o Estado nos defenderia, o petróleo era nosso e como era
feliz meu Banco do Brasil! Quando um esquerdista era preso, fazia-se um
silêncio respeitoso – esquerdista preso era herói. Assaltava-se o cofre do
Ademar para fazer a revolução. Hoje assalta-se a bolsa da Viúva para garantir
privilégios. Com a vista cansada – “você é quem, mesmo?” –, uns se misturam aos
outros.
Sessentão sofre. Mas que seja com bom humor: aos meus 17
leitores, os votos de boas-festas deste cronista sessentão.
Gazeta do Povo Publicado em 24/12/2013
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