sábado, 30 de março de 2013

PEDRA SEM NOME





Não foi difícil ser pedra. Poderia citar seu nome, mas sua forma já é essa há tanto tempo que nem o próprio lembra. Aliás, impossível ser pedra e ter um nome. É necessário que se esqueça para ser outro. Ou outra coisa. Parado ali durante anos, descobriu que não é a única pedra viva, cansada de ser gente, de ser sociedade. Tudo é vivo, sim. Acabou sabendo disso quando enfim se ligou a tudo.
É assim que ele se recorda: primeiro, chegou à floresta, escolheu um canto ao lado de qualquer árvore forte e saudável – para protegê-lo – e próximo a um riacho – pelo som da água corrente - e se sentou. Ficou ali meditando, sem comer, sem beber água, sem dormir. Ficou ali durante anos, sem que passasse ninguém. Soube que era pedra quando, muito tempo depois, um grupo de viajantes se aproximou e não notou sua presença. Ficaram ali durante um curto período, conversando normalmente, sem problemas em aproximar-se demais. Estes foram embora sem incomodar.
Sendo pedra, era também a terra. A terra como elemento, como material e como planeta. Terra, com inicial maiúscula. Que surpresa agradável descobrir que sabia de tudo, que sentia tudo que estava preso à matéria. Que incrível ser um Um e não ser mais o mesmo.
Não tão incrível quando Heitor e Sebastian se aproximaram. Sabia seus nomes porque notou sua presença ao longe. Não tinha ouvidos, mas podia ouvir, e ouviu sua conversa durante alguns minutos. Vestiam roupas simples de camponês e levavam uma carroça surrada.
“Aquela pedra”
“Tem um bom tamanho, vai servir”
O primeiro a dizer foi Heitor, seguido por Sebastian. Os dois seguraram juntos a pedra e a jogaram na carroça, junto a tantas outras. Ao se deslocar da chão, a pedra se desligou da terra. Tinha então só o ar à sua volta como algo familiar. Por isso, seus sentidos ficaram pela metade.
Então ele, mais perto dele mesmo do que segundos atrás, foi carregado por alguns quilômetros e largado novamente no chão, próximo a uma pilha de outras pedras. Próximo dali, um homem forte e com um grande martelo seguro pelas duas mãos, batia incessantemente em seus semelhantes. As pedras se quebravam e eram jogadas em outra pilha, onde outros homens as carregavam e montavam uma muralha.
Em segundos ele mesmo seria quebrado. Por sorte – ou pela força do seu inconsciente – foi o último a ser carregado até o sujeito com o martelo. Nesse meio tempo, só podia pensar “tenho que ser eu, tenho que ser eu, tenho que ser eu novamente”. E repetia para si mesmo sua vontade.
Ao primeiro golpe, ele se quebrou. Quebrou-se não como pedra, mas como gente. Sua carne foi esmagada e suas costelas se partiram. No chão, em frente ao trabalhador, era ele mesmo, e ao invés de poeira havia sangue. Nunca poderia se juntar, porque agora era apenas pedaços de gente, de alma e de improbabilidades. Nunca mais seria o Um, mas existia espalhado por tudo que fosse real.

Matheus Quinan

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