Mulheres e homens desejam e são desejados (em todas as
combinações possíveis a partir deste par), mas só as mulheres precisam se
proteger do desejo dos homens. Ou serem protegidas. As mulheres também desejam,
homens e mulheres, como é natural, mas não é comum que tomem providências para
a satisfação do seu próprio desejo brutalizando a vontade de quem desejam. Os
homens, sim, historicamente, sempre que há meios e oportunidades, deixam de ser
meros sujeitos de desejos para se transformar em predadores sexuais. Não é por
isso que em tantas sociedades meninas devem se casar o mais cedo possível, como
modo de passar adiante, para a família dos maridos, a obrigação de protegê-las
dos outros homens?
Dito assim, e em sociedades liberais do século XXI, este
quadro parece se referir a outros tempos e a sociedades exóticas. De fato, é assim,
mas toda sociedade é feita de muitos pedaços, sobras, restos. Se mesmo neste
mundinho virtual que se acredita ser “melhor do que a média” da sociedade, há
ainda quem tenha a ousadia de expressar o ponto de vista segundo o qual se as
mulheres atiçam, mediante as roupas que vestem, os quereres dos machos à volta,
têm parte na responsabilidade pelo que daí advém, o que mais poderia nos
surpreender? No fundo, é a mesma crença de sempre: o desejo masculino é uma
força da natureza e não pode (na verdade, “não deve”) ser contido; cabe então
às mulheres, e àqueles que têm responsabilidade por elas, a obrigação de não
oferecer motivo, meios ou oportunidades para que o desejo dos machos desabe
sobre elas. É quase como dizer que qualquer homem “tem o direito” de levar ao
conhecimento das mulheres em torno, havendo oportunidade, os meios e modos dos
seus apetites sexuais, em geral para nada mais do que mera agressão.
Oportunidades para a verbalização do desejo são fáceis, desde que a menina não
tenha a “proteção” de outro homem ou não seja “propriedade” de outro. Com um
pouco mais de sorte – e ausência de freios – aparece uma oportunidade para
tocar, experimentar e perpetrar a humilhação tátil. A “encoxada” no ônibus, o
beijo forçado, a masturbação exibicionista, o estupro são apenas graus neste
continuum – as mulheres que tomem providências para nunca dar motivos, meios ou
oportunidades.
É assustador que o argumento da “provocação feminina” (dar
motivos) longe de ter desaparecido ou estar recalcado nos esgotos da alma ainda
apareça saltitante nos comentários do Facebook ou nos rodapés de jornais
online. Não, meus amigos, não se trata aqui apenas de mais uma ocorrência do
“blame the victim phenomenon”. Trata-se de uma sacralização primitiva e bruta
do apetite sexual masculino: os homens estão soltos, protejam as suas mulheres;
os homens se aproveitarão de quaisquer oportunidades e meios para verbalizarem
ou materializarem o seu desejo, as mulheres devem evitar qualquer coisa que os
motive. Como é que uma forma tão primitiva de pensamento continue a ser
sustentada em nossa época, repousa, para mim, no mais absoluto mistério.
Wilson gomes
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