O texto que disponibilizo abaixo, de autoria dos professores
Egon Bockmann Moreira e Heloisa Fernandes Câmara, publicado na Gazeta do Povo
no último dia 14 de setembro, faz uma crítica consistente, sobretudo em
questionamentos, à proposta de Constituinte exclusiva para mudar o sistema
político, proposto inicialmente pela presidente Dilma e posteriormente
defendida por mais de duas centenas de entidades e movimentos sociais de todo o
país (e por mim aqui no blog).
Vale a pena ler.
Faço aqui um breve resumo do texto e, posteriormente, minhas
considerações.
Sobre o texto de Egon Bockmann e Heloisa Câmara:
Os autores defendem uma posição que chamam de “cautelosa”,
pela manutenção da atual ordem constitucional e contra “soluções mágicas”
(Constituinte), a partir de algumas premissas:
a) Não reconhecem a legitimidade de uma nova Constituinte,
ainda mais uma que seja restrita à Reforma Política.
b) Não acreditam que os problemas apontados pelos movimentos
sociais em relação à política se resolvem com mudanças no texto constitucional.
c) Entendem que uma nova Constituinte coloca em risco as
conquistas da Constituição promulgada em 1988, sobretudo as cláusulas pétreas.
Os autores encerram o texto alertando aos leitores que não
se trata de uma posição conservadora e reconhecem que há problemas na atual
representação política.
Entendem, portanto, que a única solução legítima, segura e
real para solucionar os problemas do sistema político seria a aprovação de
projetos de lei pelo atual Congresso Nacional, sem necessariamente alterações
no texto constitucional, tendo em vista que os problemas seriam exógenos às
instituições políticas.
Rebatem, assim, a tese de que o atual Congresso não vai se
auto-reformar, defendida pelos movimentos sociais, alegando que os deputados
constituintes eleitos também seriam escolhidos sob o mesmo sistema eleitoral, o
que tornaria sua representação tão deformada quanto a dos atuais mandatários.
Minhas considerações (começando pelo fim):
1) É verdade que se os congressistas constituintes forem
eleitos sob as mesmas regras dos atuais, nada mudará. Assim, parto da premissa
que a manutenção da atual ordem constitucional (estruturas políticas) e das
atuais regras eleitorais impedirá soluções reais para os problemas de
representação, tão reivindicadas nas ruas desde junho de 2013. Esse Congresso,
portanto, de fato, não vai se auto-reformar. Por isso, propomos que, para a
Constituinte, seja definido o financiamento público da campanha e a
distribuição igualitária de recursos entre todos os candidatos.
2) Por se tratar de uma constituinte temática, na qual se
debateria os artigos que concentram a organização e o funcionamento das
instituições políticas do país, não estaríamos debatendo direitos individuais.
Não há espaço para questionamentos sobre maioridade penal, pena de morte e
demais temas que provocam temor nos setores mais progressistas da sociedade.
3) Quanto à legitimidade de uma nova constituinte exclusiva
e temática, não há nenhum golpe à Constituição, tendo em vista que não há
nenhum empecilho no texto constitucional à realização de uma Constituinte
parcial, para resolver, com o mais amplo debate na sociedade, problemas que não
podem ser tratados isoladamente ou numa miríade de PLs e PECs que tramitam no
Congresso. Propomos um processo democrático de decisão, através de um
plebiscito oficial prévio para aprovação da Constituinte e a possibilidade de
um referendo posterior, permitindo assim que a soberania popular prevista no
texto constitucional se manifeste verdadeiramente.
4) Os autores reduzem a crítica dos movimentos sociais ao
modelo eleitoral, quando, na realidade, há uma proposta de mudança da estrutura
das instituições políticas, cerne dos problemas da representação. Não há como
mudar apenas as regras do pleito eleitoral ao Senado, por exemplo, sem
discutirmos a necessidade ou não da representação bicameral. Ou mesmo, não há
como debater o modelo eleitoral do Congresso Nacional sem que antes discutamos
o problema do voto de um eleitor de Roraima valer 10 vezes o que vale um de São
Paulo. Como afirma o dirigente da CUT, Julio Turra, “a regra elementar da
democracia, um eleitor, um voto, no Brasil, no plano nacional, não existe”.
5) A Constituinte proposta pelos movimentos sociais hoje é
justamente o que pode impedir o avanço das ideias mais retrógradas que se
proliferam na sociedade e apresentar uma saída positiva para o grito por
mudanças expresso nas jornadas de junho do ano passado. Sem mudanças nas
instituições políticas, as mudanças estruturais não virão, encurralando a massa
de brasileiros num beco sem saída. Ao não encontrarem alternativas, as pessoas
acabam capturadas pelas ideias que parecem resolver facilmente os problemas
sociais do país: “ao invés de eliminar a pobreza, se elimina o pobre”. Já
estamos vivendo esse processo, não é mesmo? O golpe às cláusulas pétreas da
Constituição, temido pelos autores, não tardará a ocorrer, de fato, caso não
encontremos uma alternativa política real, sem rodeios para justificar a
inércia, a partir de uma agenda positiva de transformações sociais estruturais,
respondendo à insatisfação popular expressa nas ruas em 2013.
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Artigo de opinião publicado na Gazeta do Povo - em
14/09/2014
Poder constituinte e reforma constitucional: até onde se
pode ir?
Egon Bockmann Moreira e Heloisa Fernandes Câmara
Dentre outros efeitos, os protestos de junho de 2013
estimularam o debate a propósito do que se pode entender por participação
democrática. Um de seus pontos de síntese foi a representatividade política e a
insatisfação com as pautas adotadas pelos poderes constituídos. Como resposta,
a Presidência da República apresentou a proposta da “constituinte exclusiva” –
que só alterasse os direitos políticos da Constituição. Inicialmente, a
sugestão foi abertamente criticada. Entretanto, depois foi encampada por
movimentos sociais que elaboraram um “plebiscito popular” sobre a constituinte
exclusiva para a reforma política. O que torna fundamental retomar a ideia de
processo constituinte e as possibilidades de criação/alteração constitucional.
Poder constituinte é o poder com capacidade de fazer a nova
Constituição. Supõe-se democrático e se manifesta em períodos de necessidade de
mudança do sistema, como os revolucionários (muito embora possa advir de
negociações e transições). Em tese, esse poder constituinte – dito originário –
é ilimitado. Porém, ele não existe sozinho, mas vive ao lado do poder
constituinte derivado, que é a criação que permite que se façam alterações na
própria Constituição. Esta modalidade é permanente (de titularidade do
Congresso Nacional), mas limitada (a Constituição possui conteúdos que não
podem ser nem sequer reduzidos, as “cláusulas pétreas”).
Assim, a constituinte exclusiva soa deslocada de nossa
tradição. E a pergunta que deve ser feita diz respeito aos limites
estabelecidos pela própria Constituição: estaria tal constituinte obrigada a
segui-los? Em outras palavras: a constituinte exclusiva deve respeito à
Constituição? Se respondermos positivamente, a proposta assume caráter
meramente simbólico, pois a possibilidade de mudanças é igual àquela de que
hoje o Congresso dispõe. Mas, se a resposta for negativa, teremos um problema
fundamental: seria possível suprimir cláusulas pétreas? Mais ainda: tal mudança
não poderia caracterizar um golpe contra a ordem constitucional? A questão é fundamental,
pois se as cláusulas pétreas expressam proteção à Constituição, não é possível
alterá-las na vigência de um estado de normalidade sem configurar grave
violação à própria estabilidade constitucional.
Mas, a despeito das questões jurídicas, são as questões
políticas que trazem maiores dúvidas. O diagnóstico trazido pelos movimentos
que apóiam a constituinte é o de falta de representatividade política, tanto em
sentido geral como falta de representação de gênero e raça; abuso do poder
econômico; necessidade de reformas estruturais etc. É muito difícil discordar
que devemos ampliar a participação democrática, mas convém questionar
exatamente como uma constituinte conseguiria resolver esses males.
Afinal, se o Congresso não nos representa, o que garante que
a eleição para uma constituinte seria representativa? Será que os problemas de
participação política decorrem prioritariamente do texto da Constituição ou de
fatores exógenos? A alteração do texto e a negativa do processo que a construiu
não colocam em risco as conquistas da Constituição promulgada em 1988?
Devemos ter cautela ao usar processos constituintes como um
deus ex machina, especialmente porque nossa história está plena de exemplos de
apropriação do conceito de poder constituinte como forma de “flexibilizar” –
ou, melhor, de “endurecer” a ordem constitucional. E lembremos sempre: defender
cautela ou questionar soluções mágicas não significa defender o
conservadorismo.
Egon Bockmann Moreira, advogado e doutor em Direito, é
professor da Faculdade de Direito da UFPR. Heloisa Fernandes Câmara, advogada e
mestre em Direito, é professora do curso de Direito do Unicuritiba.
A necessidade da constituinte exclusiva e temática:
considerações sobre o texto de Egon Bockmann...
O texto que disponibilizo abaixo, de autoria dos professores
Egon Bockmann Moreira e Heloisa Fernandes Câmara, publicado na Gazeta do Povo
no último dia 14 de setembro, faz uma crítica consistente, sobretudo em
questionamentos, à proposta de Constituinte exclusiva para mudar o sistema
político, proposto inicialmente pela presidente Dilma e posteriormente
defendido por mais de duas centenas de entidades e movimentos sociais de todo o
país (e defendido por mim aqui no blog).
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