terça-feira, 16 de setembro de 2014

Otto Leopoldo Winck

Mais um fragmento do Jaboc, capítulo XXIII:

- O álcool é meu refresco, Minhoca. Minha droga, mesmo, é a literatura.
O garoto, enfim, retornara.
- Depois você diz que a literatura acabou.
Nada de Virgínia.
- Acabar, acabar não acabou. Perdura em guetos cada vez menores e esotéricos, como os departamentos de letras e as revistas especializadas. Até os anos cinqüenta, o que é que um jovem sensível, inteligente, além de meio inconformado, gostaria de ser? Escritor. Depois passou a querer ser cineasta. E daí em diante, tocar numa banda de rock, o que pelo menos tem a vantagem de não exigir nem inteligência nem sensibilidade, e hoje nem mesmo rebeldia.
- E ultimamente ainda preferem ser DJ’s.
- E a literatura? Virou coisa de arqueólogo, nefelibata ou veado. Você é veado, Minhoca?
- Eu, hein! Sai fora!
- Veja a Virgínia, por exemplo: novinha, gostosa, delicada. Pode se dar ao luxo de efusões líricas. Eu e você não, Minhoca. Ou fazemos uma literatura cerebral, para crítico poliglota decodificar, ou uma literatura recheada de esperma e porrada, o que dá na mesma, não dá? O ser humano macho, branco, adulto e ocidental é só isso: cérebro e colhões. Elocubrar e foder, é somente isso o que ele sabe. Não tem coração, porque o amor é foda, Minhoca, o amor é foda. E não há nisso nenhum trocadilho.
Levou a garrafa à boca, liquidando com o destilado de origem eslava.

- Por isso te digo, Minhoca: não entra nessa. Vá ser cantor de funk, engolidor de fogo, ortodontista, assessor parlamentar. Tudo. Tudo, menos escritor, cara.

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