sábado, 13 de setembro de 2014

NESSE NATAL, em CHARLEVILLE

Elsa Oliveira


" La seule chose insupportable, c’est que rien n’est supportable. "
Arthur Rimbaud

As memórias que um dia sonhei minhas vão atravessando e diluindo as eras, estendendo-se como cordas onde secam, lentamente, os infinitos de outrora.

Ratazanas enormes parecem levar casas lá dentro. Penduradas nas árvores, bolas vermelhas com olhos muito azuis no centro, penduradas nos passeios, velhas afiando as unhas de talhar o fruto cortam a carne com as facas da paciência.
O vinho quente do norte da europa, uma feira branca e os arcos coloridos abrindo em gomos uma praça muito elegante. Será que já esqueceste o cheiro da canela? Por entre ruas cor de rosa mastigo, de mão dada, o torpor alado do maquinismo do passo, e os gatos magros fogem para trás de máscaras ostentadas por inúmeras placas misteriosas. Então vejo a ponte a aproximar-se e corro com o moinho ao longe para o seu braço solene. Inclino-me sobre o rio a tentar comer aquela luz que há nos olhos dos pássaros a morrer, um frio terrível e liso a ensandecer o corpo. A neve ensarilhada nos cabelos revoltos toca o colo das águas. Tenho-te a cercar-me todas as fronteiras, a ti, que não sabes, dedico esse mundo dorido de branco e de verde. Com uma ferida escarlate na órbita, a lucidez é tanta que entontece os sentidos. É estúpido ir ver campas, mas eu vou na mesma, como todos os outros. Chego à lápide com a noite. Si vous plait, laissez moi entrer, je pars aujourd'hui. Com amigos que julgo eternos sento-me em cima das costas do banco, como que a calcar a morte, e tudo me é estranho na sua familiar aparição. Então, toda a exaustão se aproxima e observa a noite interna das vísceras mais sensíveis, uma imensa bigorna caindo sobre o mundo, oh terrível e sublime ópera humana, o tombar de todos os proletários do abismo, o eterno decapitar da Intensidade.


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