sábado, 13 de setembro de 2014

MENSTRUAÇÃO



há árvores a fecundar olhos azuis de ser espanto. olhos que rebentam nos ramos das árvores, que furam os troncos com uma luz antiga de âmbar. sim, tenho árvores nos olhos, os seus ramos espetados na matéria do mundo trazem-me visões de um orgão perfurado, uma teia ondulatória a fermentar tesouros de outras eras. nos ossos o mármore estilhaçado, e no sangue, no sangue um coagular musical de inomináveis. depois chego a casa e o céu abre as pernas. o céu é uma mulher prenhe de estrelas, um sangue quente de astros. mais um filho que não terei... as nuvens passam pela janela e misturam-se na bruma das minhas lágrimas invisíveis: um sonho encontrou o rio atrás do esquecimento. então ouço os meus ouvidos: são os cascos do medo, incansáveis, a navegar o Saturno silêncio.
suspiro... há gomos vermelhos de flôr espalhados pelo mundo. há pétalas a ferver nessas águas silenciosas que viajam por debaixo das cidades. há incenso, e absurdo, e estrelas brancas na garganta e, sobretudo, há aquela névoa densa e incolor que me oculta o teu rosto.
depois, os meus olhos deitam-se, e é só o gesto lânguido do sono.


Alexandre França

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